quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A realpolitik vermelha
08/08/12 07:34 | Rodrigo Sias - Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
O realismo político sempre foi a escola de pensamento mais influente nas relações internacionais. Suas raízes remontam Tucídides, na Antiguidade, e o estrategista chinês milenar Sun Tsu, passam por sua definição moderna em Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, até chegarem nos analistas e teóricos mais recentes como Raymond Aron e, em especial, Hans Morgenthau em seu clássico estudo seminal Politics among Nations, de 1948.
Grandes estadistas e personagens importantes da história foram adeptos do realismo político.
Homens como o Cardeal Richelieu da França e sua rason d'état, o príncipe austríaco Klemens von Metternich e a versão mais cruel e acabada do realismo, sintetizada pela chamada realpolitik do Chanceler de Ferro alemão, Otto Bismarck, responsável pela unificação da Alemanha.
No Brasil, o realismo foi praticado como poucos por Getulio Vargas, em especial, em sua orientação de política exterior pendular durante a 2ª guerra mundial.
Recentemente, com a suspensão do Paraguai no Mercosul e a entrada da Venezuela no bloco, muitos analistas procuraram encaixar as diretrizes da diplomacia brasileira dentro do arcabouço do realismo.
Em face da intransigência do Parlamento paraguaio faria sentido, de acordo com os interesses nacionais brasileiros, arranjar um pretexto para excluir os paraguaios, passar ao largo do Tratado de Assunção e manobrar para ter influência e acesso ao mercado da Venezuela.
O mercado venezuelano, portanto, justificaria a posteriori o movimento do Mercosul contra o Paraguai. No entanto, tal analise é totalmente equivocada.
Uruguai e Argentina, com graves problemas energéticos e dívidas oriundas da importação de petróleo venezuelano, podem ter sido mais pragmáticos. Mas e o Brasil?
Imaginar que haverá grande ampliação de negócios brasileiros por conta da entrada da Venezuela chavista é ingenuidade. Com a falta de investimentos externos, Chávez cada vez mais apela à China, que vai tomando o mercado venezuelano de assalto.
Com uma Venezuela cada vez mais dependente dos investimentos da China em infraestrutura e no seu setor petrolífero, por que seriam os produtos brasileiros a gozar de acesso privilegiado neste mercado?
Trata-se de um país que não cumpre regras de comércio e registra uma das mais altas inflações do mundo e uma corrupção generalizada.
A verdade é que com um governo Dilma alinhado ideologicamente com governos da região, a diplomacia brasileira serviu mais a compromissos e interesses ideológicos de longa data - extensamente acordados no comunista Foro de São Paulo, fundado por Fidel Castro e Lula em 1990 - do que um verdadeiro pragmatismo que deveria orientar o Ministério das Relações Exteriores.
Vários estudiosos alertam sobre o poder do Foro de São Paulo na definição das relações internacionais da América Latina, em especial, a analista Graça Salgueiro.
Seus estudos precisos da situação estão disponíveis em seu blog "Nota Latina" e são leitura obrigatória para quem quer entender mais profundamente a política latino-americana.
Com base nessas análises, podemos afirmar que o Itamaraty apenas seguiu a tendência consolidada no governo Lula. É a "realpolitik vermelha" que está em pleno vigor.
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Rodrigo Sias é Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)