sexta-feira, 27 de março de 2015


'A Venezuela não ameaça os EUA, mas a Rússia sim', diz especialista em AL

A afirmação é do professor de Relações Internacionais da PUC Minas Javier Vadell que diz que a análise da questão do país governado por Nicolás Maduro deve ser feita no contexto geopolítico

Redação Brasil Econômicoredacao@brasileconomico.com.br

A escalada de tensões entre Estados Unidos e Venezuela deve ser lida no contexto geopolítico global, considerando as trocas comerciais, sobretudo de armamentos, da Rússia e da China com o país governado por Nicolás Maduro. A análise é do professor de Relações Internacionais da PUC Minas Javier Vadell, especialista em América Latina. Ele diz que ao classificar a Venezuela como uma ameaça à segurança dos EUA, o governo Obama cometeu um erro. Isso pode reforçar a retórica nacionalista do líder chavista.

 

"Maiores sanções americanas ao regime de Maduro poderiam jogar de vez a Venezuela nos braços de Rússia e China, o que não seria muito inteligente”, diz Vadell

Foto: Divulgação

Os superpoderes dados ao presidente Nicolás Maduro representam uma ameaça à democracia?

É preciso lembrar que esta autonomia ao Executivo foi outorgada com relação à questões de segurança e vai até o final do ano. Isso não é incomum nas democracias latino-americanas, sobretudo em momentos de crise. Já aconteceu na própria Venezuela, aconteceu na Argentina de Carlos Menem, e no Peru de Alberto Fujimori. No Brasil, a noção de medida provisória foi introduzida no período Fernando Henrique Cardoso também para autorizar o poder Executivo a decidir sobre temas de competência do poder Legislativo. Agora, no caso da Venezuela, não chega a ser inconstitucional porque está previsto na lei. Claramente,o posicionamento americano de tratar a Venezuela como uma ameaça à segurança dos EUA catalisou a crise. Vejo isso com estranheza porque há pouco tempo o próprio Obama disse o contrário. Essa retórica diferente enseja uma mudança de prática. Não custa lembrar que da última vez que os EUA fizeram isso foi com relação à Granada e ao Panamá, onde houve invasão. Não digo que acontecerá, mas o fato é que a retórica não se encerra em si.

O Sr. acha que a postura dos EUA dá subsídio ao nacionalismo venezuelano, fortalecendo Maduro?

Sim. A Venezuela passa por uma crise econômica grave. É um país muito dependente do petróleo e viu o barril cair para a casa dos US$ 50, sendo que estava acima dos US$ 100 a relativamente pouco tempo atrás. Essa fragilidade econômica trouxe uma crise de legitimidade parcial porque NicolásMaduro continua com o apoio de grande parte da população e das Forças Armadas, o que não é pouca coisa. Nesse contexto, essa mudança de retórica de Washington fortalece o elemento nacionalista e pode provocar um efeito contrário ao desejado, aglutinando ainda mais o regime frente à cruzada anti-bolivariana liderada pelos EUA.

Foi um erro de Washington?

Sim, foi um erro da política externa de Obama. Não tem muito sentido essa ameaça. Mas há um fator extra-regional nesse caleidoscópio que é o apoio técnico militar e a venda de armas, principalmente da Rússia, mas também da China à Venezuela. O discurso de Obama não é feito em relação ao perigo venezuelano, mas sim em relação à ingerência russa no continente. Já estão acontecendo exercícios militares com assessoria de Moscou , o que é normal quando se quer testar equipamentos novos. Mas isso pesou. Não podemos analisar a questão da Venezuela fora do contexto geopolítico que assiste a um agravamento das tensões entre as potências em torno da Ucrânia. Nesse sentido, maiores sanções americanas ao regime de Maduro poderiam jogar de vez a Venezuela nos braços da Rússia e da China, o que não seria muito inteligente da parte americana.

A oposição venezuelana teme que a concentração de poderes ameace as eleições legislativas este ano. Faz sentido?

A Venezuela tem um histórico de institucionalidade democrática, inclusive sob Hugo Chávez. Portanto, não vejo indícios de que as eleições legislativas poderiam não acontecer. Não há precedentes para tal. A oposição quer se antecipar a um eventual auto-golpe de Maduro para se perpetuar no poder. Mas não vejo como isso poderia ser positivo para ninguém. Criaria um ambiente de tensão e de guerra civil. Por ora, tudo indica que essa retórica nacionalista apenas vai ser explorada por Maduro para obter maioria já nesse pleito . O regime vai se vitimizar frente à ameaça imperialista para se fortalecer.

Analistas apontam o Brasil como a potência diplomática capaz de mediar as tensões nas Américas. Como o Sr. vê isso?

Faz todo o sentido, mas o Brasil está um pouco ausente da política regional. Além disso, essa liderança brasileira tem de se dar no âmbito da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) que, inclusive, já apelou aos EUA para que retirem essa qualificação de ameaça e possíveis sanções para aliviar as tensões. Mas o Brasil deixou de lado a política externa nos últimos meses<MC0>, talvez em função das convulsões domésticas. Isso fez com que o nosso país perdesse um pouco do protagonismo em questões regionais para o Equador, do presidente Rafael Correa.<MC0> Esta é uma oportunidade para a Unasul se consolidar no continente e para o Brasil fazer o mesmo dentro do bloco. Mas isso está muito lento, muito verde.

As tensões com a Venezuela podem atrapalhar a reaproximação entre EUA e Cuba?

Não acho. Embora Cuba já tenha se posicionado a favor da Venezuela, acho que as embaixadas serão reabertas. Essa negociação tem sido bem pragmática.

Colaborou o estagiário Gabriel Vasconcelos