'A Venezuela não ameaça os
EUA, mas a Rússia sim', diz especialista em AL
A afirmação é do
professor de Relações Internacionais da PUC Minas Javier Vadell que diz que a
análise da questão do país governado por Nicolás Maduro deve ser feita no
contexto geopolítico
Redação
Brasil Econômicoredacao@brasileconomico.com.br
A escalada de tensões entre Estados Unidos e Venezuela deve ser lida no
contexto geopolítico global, considerando as trocas comerciais, sobretudo de
armamentos, da Rússia e da China com o país governado por Nicolás Maduro. A
análise é do professor de Relações Internacionais da PUC Minas Javier Vadell,
especialista em América Latina. Ele diz que ao classificar a Venezuela como uma
ameaça à segurança dos EUA, o governo Obama cometeu um erro. Isso pode reforçar
a retórica nacionalista do líder chavista.
"Maiores sanções americanas ao regime de Maduro poderiam jogar de
vez a Venezuela nos braços de Rússia e China, o que não seria muito
inteligente”, diz Vadell
Foto: Divulgação
Os superpoderes dados ao presidente Nicolás Maduro representam uma
ameaça à democracia?
É preciso lembrar que esta autonomia ao Executivo foi outorgada com
relação à questões de segurança e vai até o final do ano. Isso não é incomum
nas democracias latino-americanas, sobretudo em momentos de crise. Já aconteceu
na própria Venezuela, aconteceu na Argentina de Carlos Menem, e no Peru de
Alberto Fujimori. No Brasil, a noção de medida provisória foi introduzida no
período Fernando Henrique Cardoso também para autorizar o poder Executivo a
decidir sobre temas de competência do poder Legislativo. Agora, no caso da
Venezuela, não chega a ser inconstitucional porque está previsto na lei.
Claramente,o posicionamento americano de tratar a Venezuela como uma ameaça à
segurança dos EUA catalisou a crise. Vejo isso com estranheza porque há pouco
tempo o próprio Obama disse o contrário. Essa retórica diferente enseja uma
mudança de prática. Não custa lembrar que da última vez que os EUA fizeram isso
foi com relação à Granada e ao Panamá, onde houve invasão. Não digo que
acontecerá, mas o fato é que a retórica não se encerra em si.
O Sr. acha que a postura dos EUA dá subsídio ao nacionalismo venezuelano, fortalecendo Maduro?
O Sr. acha que a postura dos EUA dá subsídio ao nacionalismo venezuelano, fortalecendo Maduro?
Sim. A Venezuela passa por uma crise econômica grave. É um país muito
dependente do petróleo e viu o barril cair para a casa dos US$ 50, sendo que
estava acima dos US$ 100 a relativamente pouco tempo atrás. Essa fragilidade
econômica trouxe uma crise de legitimidade parcial porque NicolásMaduro
continua com o apoio de grande parte da população e das Forças Armadas, o que
não é pouca coisa. Nesse contexto, essa mudança de retórica de Washington
fortalece o elemento nacionalista e pode provocar um efeito contrário ao
desejado, aglutinando ainda mais o regime frente à cruzada anti-bolivariana
liderada pelos EUA.
Foi um erro de Washington?
Foi um erro de Washington?
Sim, foi um erro da política externa de Obama. Não tem muito sentido
essa ameaça. Mas há um fator extra-regional nesse caleidoscópio que é o apoio
técnico militar e a venda de armas, principalmente da Rússia, mas também da
China à Venezuela. O discurso de Obama não é feito em relação ao perigo
venezuelano, mas sim em relação à ingerência russa no continente. Já estão
acontecendo exercícios militares com assessoria de Moscou , o que é normal
quando se quer testar equipamentos novos. Mas isso pesou. Não podemos analisar
a questão da Venezuela fora do contexto geopolítico que assiste a um
agravamento das tensões entre as potências em torno da Ucrânia. Nesse sentido,
maiores sanções americanas ao regime de Maduro poderiam jogar de vez a
Venezuela nos braços da Rússia e da China, o que não seria muito inteligente da
parte americana.
A oposição venezuelana teme que a concentração de poderes ameace as eleições legislativas este ano. Faz sentido?
A oposição venezuelana teme que a concentração de poderes ameace as eleições legislativas este ano. Faz sentido?
A Venezuela tem um histórico de institucionalidade democrática, inclusive
sob Hugo Chávez. Portanto, não vejo indícios de que as eleições legislativas
poderiam não acontecer. Não há precedentes para tal. A oposição quer se
antecipar a um eventual auto-golpe de Maduro para se perpetuar no poder. Mas
não vejo como isso poderia ser positivo para ninguém. Criaria um ambiente de
tensão e de guerra civil. Por ora, tudo indica que essa retórica nacionalista
apenas vai ser explorada por Maduro para obter maioria já nesse pleito . O
regime vai se vitimizar frente à ameaça imperialista para se fortalecer.
Analistas apontam o Brasil como a potência diplomática capaz de mediar
as tensões nas Américas. Como o Sr. vê isso?
Faz todo o sentido, mas o Brasil está um pouco ausente da política
regional. Além disso, essa liderança brasileira tem de se dar no âmbito da
Unasul (União de Nações Sul-Americanas) que, inclusive, já apelou aos EUA para
que retirem essa qualificação de ameaça e possíveis sanções para aliviar as
tensões. Mas o Brasil deixou de lado a política externa nos últimos meses<MC0>,
talvez em função das convulsões domésticas. Isso fez com que o nosso país
perdesse um pouco do protagonismo em questões regionais para o Equador, do
presidente Rafael Correa.<MC0> Esta é uma oportunidade para a Unasul se
consolidar no continente e para o Brasil fazer o mesmo dentro do bloco. Mas
isso está muito lento, muito verde.
As tensões com a Venezuela podem atrapalhar a reaproximação entre EUA e
Cuba?
Não acho. Embora Cuba já tenha se posicionado a favor da Venezuela, acho
que as embaixadas serão reabertas. Essa negociação tem sido bem pragmática.
Colaborou o estagiário Gabriel Vasconcelos