'Contaminação de tropas federais por facções criminosas preocupa'
Comandante do Exército vê negligência dos Estados e
critica uso frequente das Forças Armadas em ações de segurança pública
Entrevista com
Eduardo Villas Bôas,
comandante do Exército
Tânia Monteiro, O Estado de S. Paulo
15
Janeiro 2018 | 03h00
O
general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
BRASÍLIA - A
atuação frequente das Forças Armadas em operações de segurança pública nos
Estados “preocupa muito” pela possibilidade de infiltração do crime organizado
nas tropas, afirma o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Em
entrevista ao Estado,
o general diz que por isso quer evitar o uso frequente das Forças Armadas e
cita um caso registrado no Rio. “Foi pontual. Está infinitamente distante de
representar um problema sistêmico, mas temos preocupação e estamos
permanentemente atentos em relação a isso.”
Para o comandante,
houve “negligência” em grande parte dos Estados em relação à segurança pública.
Ele avalia que o uso das tropas federais “não tem capacidade” de solucionar os
problemas e se mostra incomodado com a possibilidade de “uso político” das
Forças Armadas nas eleições. O comandante avalia que, no dia 24, quando está
sendo anunciada uma grande mobilização para acompanhar o julgamento do
ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, em Porto Alegre, a Brigada
Militar do Estado tem “plenas condições” de controlar a situação.
A seguir, a
entrevista:
Em algumas
comunidades, as organizações criminosas têm conseguido eleger candidatos e
fazer indicações políticas para cargos públicos. Há preocupação da indicação
política em polícias militares nos Estados?
A escolha de um
comandante da Polícia Militar sempre tem o caráter político. O problema é que
houve distorção e adquiriu caráter político-partidário. Isso acaba provocando
sectarismos, divisões e perda da coesão em instituições militares. A
Constituição de 1988 permitiu que houvesse direito de associações com caráter
de sindicato, o que atrapalhou a hierarquia e disciplina, porque ela é
mecanismo de conter a violência e mantém a coesão das instituições. Sempre que
uma instituição perde sua coesão, ela traz desgraças para ela própria e para a
sociedade a que serve.
Há preocupação de
que indicações políticas possam levar o crime para as instituições?
As facções
criminosas no Rio e em São Paulo, que se estendem para outros Estados e
produzem filhotes, e essa estruturação do crime, principalmente em relação ao
narcotráfico e associações internacionais, aumentam em muito a capacidade de
contaminação das instituições. Realmente preocupa porque isso pode se estender,
claramente, em todo o processo político, de forma que eles coloquem pessoas
ligadas a eles ou a seus próprios integrantes em cargos públicos importantes.
Existe essa
contaminação do crime nas tropas federais?
Há preocupação de
contaminação das tropas, e por isso queremos evitar o uso frequente das Forças
Armadas. Recentemente, no Rio, verificamos desvios do nosso pessoal. Foram
pontuais, restritos a um ou outro indivíduo, de nível hierárquico baixo. Está
infinitamente distante de representar um problema sistêmico ou institucional.
Mas temos preocupação e estamos permanentemente atentos.
O senhor teme o uso
político das Forças Armadas para segurança pública próximo das eleições?
Há preocupação de
uso político das Forças Armadas com a proximidade das eleições porque governos,
não querendo sofrer desgastes políticos com a população e em determinadas
situações por comodidade, solicitam intervenção federal.
Como o senhor
classifica a situação da segurança pública do País?
Tem havido
negligência em relação à segurança pública no País. Mas também é surpreendente
uma certa passividade da população em relação a isso. Nenhum conflito no mundo
hoje faz perder o número de vidas que temos no Brasil, onde são assassinadas 60
mil pessoas por ano. Há negligência em grande parte dos Estados. Mas a questão
da segurança é muito profunda e está claro que o simples emprego das Forças
Armadas não tem capacidade, por si só, de solucionar problemas de segurança
pública que estamos vivendo.
Onde a situação é
pior?
Nos Estados do
Nordeste, os índices de criminalidade são mais altos do que no Rio de Janeiro.
Só que o Rio é uma caixa de ressonância. Por isso, é difícil dizer onde é mais
grave ou não. No Rio Grande do Norte, de onde sairemos neste fim de semana (a
entrevista foi feita na sexta-feira), fomos empregados pela terceira vez e,
neste espaço de tempo, estruturalmente nada foi feito na segurança pública do
Estado. Sabemos que, ao sairmos de lá, os problemas continuarão, o que indica
que proximamente poderemos ser chamados a intervir. É preciso que se modifique
os aspectos na conduta dos governos locais em relação à segurança pública. Acho
que é inevitável que o governo federal terá de chamar para si a
responsabilidade, pelo menos parcialmente, porque o crime extrapola as
fronteiras e o combate está sem integração. Há Estados que nitidamente
negligenciam essas preocupações e, nesse caso, o governo federal tem de
intervir, usando Forças Armadas e Força Nacional de Segurança Pública.
Como resolver esta
questão da criminalidade que afetou a segurança pública?
Somos um País
carente de disciplina social, que prioriza os direitos individuais em relação
ao coletivo e ao interesse social. E um ambiente de pouca disciplina favorece à
diluição das responsabilidades. Por isso, há uma certa resistência a que se
busque o saneamento das condutas individuais e coletivas. Por outro lado,
estamos vivendo uma imposição do politicamente correto, vivendo uma verdadeira
ditadura do relativismo e com uma tendência a que não se estabeleçam limites
nas condutas. Isso vai numa onda e volta em um refluxo que atinge as pessoas e
a sociedade como um todo. Isso está na raiz dos problemas, insisto, do
politicamente correto, privilegia e atua reforçando o seu caráter ideológico e
não apresentando a solução dos problemas. Quando nós vemos agressões a
mulheres, abusos, quando vemos desrespeito, na raiz disso está a falta de
limite e de disciplina que existe na sociedade. Precisamos de muito mais
educação e responsabilidade por parte de todos e cada um precisa cumprir
efetivamente seu papel e assumir suas responsabilidades até em relação à
segurança.
É necessário o uso
das Forças Armadas em Porto Alegre no dia 24 de janeiro durante o julgamento do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Este é um problema
essencialmente de segurança pública. Não precisa de decretação da Garantia da
Lei e da Ordem (GLO) para isso. Assim como no Paraná foi muito efetiva a
atuação do governo estadual na estrutura de segurança pública, o Rio Grande do
Sul tem plenas condições de fazer face a essa questão. A Brigada Militar gaúcha
é uma corporação capacitada. A estrutura de segurança pública tem condições de
resolver o problema e o pedido do prefeito de tropas federais é
inconstitucional.
Há uma banalização
do uso das Forças Armadas?
Há uma tendência à
banalização do uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e isso acarreta desvio
de emprego das Forças Armadas.
Qual sua avaliação
das eleições este ano?
As
eleições, de certa forma, representarão um plebiscito em relação à Lava Jato.