02/11/2013 - 03h45
O Pensador Coletivo
Você sabe o que é MAV? Inventada no 4º Congresso do
PT, em 2011, a sigla significa Militância em Ambientes Virtuais. São núcleos de
militantes treinados para operar na internet, em publicações e redes sociais,
segundo orientações partidárias. A ordem é fabricar correntes volumosas de
opinião articuladas em torno dos assuntos do momento. Um centro político define
pautas, escolhe alvos e escreve uma coleção de frases básicas. Os militantes as
difundem, com variações pequenas, multiplicando suas vozes pela produção em
massa de pseudônimos. No fim do arco-íris, um Pensador Coletivo fala a mesma
coisa em todos os lugares, fazendo-se passar por multidões de indivíduos
anônimos. Você pode não saber o que é MAV, mas ele conversa com você todos os
dias.
O Pensador Coletivo se preocupa imensamente com a
crítica ao governo. Os sistemas políticos pluralistas estão sustentados pelo
elogio da dissonância: a crítica é benéfica para o governo porque descortina
problemas que não seriam enxergados num regime monolítico. O Pensador Coletivo
não concorda com esse princípio democrático: seu imperativo é rebater a crítica
imediatamente, evitando que o vírus da dúvida se espalhe pelo tecido social.
Uma tática preferencial é acusar o crítico de estar a serviço de interesses de
malévolos terceiros: um partido adversário, "a mídia", "a
burguesia", os EUA ou tudo isso junto. É que, por sua própria natureza, o
Pensador Coletivo não crê na hipótese de existência da opinião individual.
O Pensador Coletivo abomina argumentos específicos.
Seu centro político não tem tempo para refletir sobre textos críticos e
formular réplicas substanciais. Os militantes difusores não têm a sofisticação
intelectual indispensável para refrasear sentenças complexas. Você está diante
do Pensador Coletivo quando se depara com fórmulas genéricas exibidas como
refutações de argumentos específicos. O uso dos termos "elitista",
"preconceituoso" e "privatizante", assim como suas
variantes, é um forte indício de que seu interlocutor não é um indivíduo, mas o
Pensador Coletivo.
O Pensador Coletivo interpreta o debate público
como uma guerra. "A guerra de guerrilha na internet é a informação e a
contrainformação", explica o deputado André Vargas, um chefe do MAV. No
seu mundo ideal, os dissidentes seriam enxotados da praça pública. Como, no
mundo real, eles circulam por aí, a alternativa é pregar-lhes o rótulo de
"inimigos do povo". Você provavelmente conversa com o Pensador
Coletivo quando, no lugar de uma resposta argumentada, encontra qualificativos
desairosos dirigidos contra o autor de uma crítica cujo conteúdo é ignorado.
"Direitista", "reacionário" e "racista" são as
ofensas do manual, mas existem outras. Um expediente comum é adicionar ao
impropério a acusação de que o crítico "dissemina o ódio".
O Pensador Coletivo é uma máquina política regida
pela lógica da eficiência, não pela ética do intercâmbio de ideias. Por isso,
ele nunca se deixa intimidar pela exigência de consistência argumentativa.
Suzana Singer seguiu a cartilha do Pensador Coletivo ao rotular o colunista
Reinaldo Azevedo como um "rottweiler feroz" para, na sequência,
solicitar candidamente um "bom nível de conversa". Nesse passo,
trocou a função de ombudsman da Folha pela de Censora de Opinião. Contudo, ela
não pertence ao MAV. Os procedimentos do Pensador Coletivo estão disponíveis
nas latas de lixo de nossa vida pública: mimetizá-los é, apenas, uma questão de
gosto.
Existem similares ao MAV em outros partidos? O
conceito do Pensador Coletivo ajusta-se melhor às correntes políticas que se
acreditam possuidoras da chave da porta do Futuro. Mas, na era da internet, e
na hora de uma campanha eleitoral, o invento será copiado. Pense nisso pelo
lado bom: identificar robôs de opinião é um joguinho que tem a sua graça.
Demétrio Magnoli,
doutor em geografia humana, é especialista em política internacional. Escreveu,
entre outros livros, "Gota de Sangue - História do Pensamento Racial"
(ed. Contexto) e "O Leviatã Desafiado" (ed. Record). Escreve aos
sábados.