Uma visão aterradora: Caetano Veloso vestido de black
bloc
NASCE O BRASIL TALIBÃ
Guilherme Fiuza – Revista Época
O Brasil virou, definitivamente, um lugar esquisito. A
última onda de manifestações reuniu professores em greve (e simpatizantes) por
melhores salários para a categoria. Aí os professores cariocas receberam a
adesão dos tais black blocs – nome pomposo para um bando de almas penadas em
estado de recalque medieval contra tudo.
Os professores não só acolheram os depredadores
desvairados nas suas passeatas, como declararam, por meio de seu sindicato, que
aquele apoio era “bem-vindo”.
Deu-se assim o casamento do século: a educação com a
falta de educação. Nem a profecia mais soturna, nem a projeção mais niilista,
nem as teses do maior espírito de porco conceberiam esse enlace. O saber e a
porrada, lado a lado, irmanados sob o idioma da boçalidade.
Mas o grande escândalo não está nessa união miserável.
Está na cidade e no país que a cercam. Se o Rio de Janeiro e o Brasil ainda
tivessem um mínimo de juízo, o romance entre profissionais do ensino e
biscateiros da violência teria revoltado a opinião pública.
As instituições, as pessoas, enfim, a sociedade teria
esmagado esses sindicalistas travestidos de educadores. O saber é o que salva o
homem da barbárie. Um professor que compactua, ou pior, se associa ao
vandalismo é a negação viva do saber – é a negação de si mesmo. Não pode entrar
numa sala de aula nem para limpar o chão.
E o que diz o Brasil dessa obscenidade? Nada. O
movimento grevista continuou tranquilamente – se é que há alguma forma
tranquila de estupidez – bloqueando o trânsito a qualquer hora do dia, em
qualquer lugar, diante de cidadãos crédulos que acreditam estar pagando pedágio
pela “melhoria da educação”. Crédulos, nesse caso, talvez seja um eufemismo
para otários.
Claro que uma sociedade saudável logo desconfiaria dos
métodos desses professores. E os desautorizaria a lutar por melhores condições
de ensino barbarizando as ruas. Os salários dos professores de verdade são uma
tragédia brasileira, mas esses comparsas de delinquentes mascarados não merecem
um centavo do contribuinte para ensinar nada a ninguém.
O problema é que a sociedade está revelando, ainda
timidamente, a sua faceta de mulher de malandro. Apanha e gosta.
Na entrega do Prêmio Multishow, o músico Marcelo D2
apareceu no palco com sua banda toda mascarada, com uma coreografia simulando
uma arruaça aos gritos de “black bloc!” Não se registrou nenhum mal-estar,
reação ou mesmo crítica ao músico que fazia ali, ao vivo, um ato veemente de
apoio ao grupo fascistoide que quebra tudo.
Está se formando uma opinião pública moderninha que não
admite abertamente ser a favor da violência, mas que se encanta e sanciona essa
rebeldia da pedrada. A vanguarda, quem diria, foi parar na Faixa de Gaza.
Caetano Veloso também posou com o figurino da máscara
negra. Declarou ser a favor da paz, mas disse que a existência dos black blocs
“faz parte”.
Quando um artista da magnitude de Caetano emite um
sinal tão confuso como esse, não restam dúvidas de que os valores andam
perigosamente embaralhados. Tem muita gente acreditando que a revolução moderna
passa por esse flerte com o obscurantismo. O nome disso é ignorância.
A confusão de valores está espalhada por todo o debate
público. Nas ruas, depredação é confundida com civismo; na internet, pirataria
é confundida com liberdade.
A suposta “democratização da cultura” legitimou o
assalto aos direitos autorais de grandes compositores brasileiros, com a praga
do acesso gratuito às músicas. De impostura em impostura, chegou-se à
inacreditável polêmica sobre a proibição de biografias não autorizadas – uma
resposta obscurantista dos próprios artistas assaltados pela liberdade medieval
da internet.
O dilema entre liberdade de expressão e direito à
privacidade tornou-se o grande tema do momento. Um dilema absolutamente falso.
Ambos são direitos sagrados e podem conviver tranquilamente, ao contrário da
paz e da porrada.
É aterrador que gênios como Caetano Veloso e Chico
Buarque estejam confundindo pesquisa séria e literatura biográfica com
voyeurismo, fofoca e curiosidade mórbida. Guarnecer a fronteira entre esses
dois campos é muito fácil – numa sociedade que não tenha desistido do bom
senso, da justiça e da educação.
Mas numa sociedade que tolera educadores adeptos do
quebra-quebra, não haverá mordaça legal que dê jeito. Não existe meio-obscurantismo.
Entre os talibãs, por exemplo, a carta magna é o fuzil. E aí tanto faz a
maneira de lidar com livros e músicas, porque eles não têm mais a menor
importância.