Comitê da ONU alerta para violações sistemáticas de direitos humanos nos Estados Unidos
3 de abril de 2014 · Destaque - ONU
Segundo órgão das Nações Unidas, país enfrenta problemas graves como
discriminação racial, pena de morte, tortura, violência policial e
criminalização dos sem-teto. Relatório faz diversas recomendações ao governo.
Após realizar sua
última sessão, de 10 a 28 de março, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas publicou, na
semana passada, um relatório com conclusões sobre o estado os direitos humanos
nos Estados Unidos.
O órgão da ONU, com
sede em Genebra, denunciou graves problemas como discriminação racial, pena de
morte, tortura, violência policial e criminalização dos sem-teto, entre outros,
além de fazer recomendações e destacar aspectos positivos.
“O Comitê lamenta
que o governo dos EUA ainda considere que o Pacto [dos Direitos Civis e
Políticos] não se aplique a cidadãos fora de seu território, algo contrário à
interpretação do acordo”, diz o relatório, que também nota que o país possui
poucas instituições e políticas, a nível local e federal, de implementação e
respeito aos direitos humanos.
“Somados, esses
fatores limitam consideravelmente a extensão legal e a relevância prática do
Pacto”. Como recomendações gerais, o relatório pediu ao governo para que
reconsiderasse suas posições legais sobre a aplicabilidade das leis de direitos
humanos, engajasse as autoridades e fortalecesse sua rede de monitoramento e
implementação dos direitos em todos os níveis – local, estadual e federal.
Discriminação no
Judiciário e pena de morte preocupam
Apontando para
grandes desigualdades raciais no judiciário norte-americano, o relatório
denunciou a “super-representatividade de certas minorias étnicas e raciais nas
prisões”. Segundo o Departamento de Estatísticas Jurídicas dos EUA, em 2006,
quase 5% da população negra não latina no país encontrava-se encarcerada,
contra 1,9% dos latinos e somente 0,7% dos brancos não latinos.
O relatório
demonstrou ainda preocupação com políticas de segurança baseadas em perfis
raciais, que “miram certas minorias étnicas” e, por exemplo, “mantêm indivíduos
muçulmanos sob vigia mesmo que sem suspeitas de qualquer ato criminoso”.
Já a pena de morte
continua um tópico polêmico nos EUA – o único país das Américas com execuções
ativas. Além de frisar que o número de afrodescendentes condenados à pena
capital é desproporcional, o Comitê alertou para o “alto número de pessoas
inocentes sentenciadas à morte”.
Dezesseis Estados
norte-americanos não provêm nenhum tipo de compensação por execuções errôneas,
sendo que muitos outros possuem compensações insuficientes. Desde 1976, os EUA
executaram 1.373 pessoas – quase dois terços (65%) nos Estados do Texas (512
mortes), Virgínia e Oklahoma (110 mortes cada).
Violência policial
e tortura
Outros tópicos
importantes levantados pelo Comitê são a alta incidência de violência armada
entre os cidadãos, o uso desmedido da força por parte da polícia e a prática da
tortura. Com mais de 30 mil mortes por armas de fogo (sendo 11 mil homicídios)
somente em 2010, os Estados Unidos são o país desenvolvido com o maior número
de fatalidades deste tipo, relativo à sua população.
Tal violência
encontra reflexos nas ações policiais, que registraram um “alto número de
disparos fatais”, um “uso excessivo de força por certos agentes de segurança,
incluindo o manuseio fatal de tasers” e, no que diz respeito à imigração,
“ações letais pelo Serviço de Proteção de Fronteiras e Alfândega na fronteira
com o México”.
Adicionalmente, diz
o relatório, “o Comitê está preocupado com a falta de leis abrangentes que
criminalizem todas as formas de tortura”, bem como “pela dificuldade de vítimas
desta prática em conseguirem compensação”. Com isso, o relatório pediu a
proibição expressa da tortura e uma legislação que melhorasse a investigação e
punição de seus perpetradores.
Legislação
trabalhista falha e criminalização dos moradores de rua
Em paralelo ao
aumento da pobreza e das desigualdades socioeconômicas, o relatório alerta para
as precárias condições de trabalho no país. Além da criminalização da
prostituição e da insuficiência de investigações sobre casos de exploração
laboral e sexual, o Comitê aponta que “certas categorias profissionais, como
trabalhadores rurais e domésticos, estão excluídos de leis de proteção do
trabalho, ficando mais vulneráveis ao tráfico e à exploração”.
Os problemas
sociais se alastram através de políticas incomuns aos países desenvolvidos,
como medidas de punição física em escolas (inclusive em crianças) e
instituições penais, bem como o aumento de práticas coercitivas nos serviços de
saúde mental, como a aplicação forçada de medicamentos psiquiátricos e
eletrochoques.
Mais gravemente, o
relatório menciona “um tratamento cruel, inumado e degradante” com os pobres e
desabrigados do país, dizendo-se “alarmado pelos relatos de criminalização de
pessoas vivendo nas ruas por atos simples como comer, dormir ou sentar por
longos períodos em áreas públicas”. O Comitê pediu enfaticamente a abolição de
políticas com essa finalidade.
NSA e ‘drones’:
ameaças aos direitos humanos
O relatório dedicou
especial atenção aos casos de espionagem digital realizados pela Agência
Nacional de Segurança dos EUA (NSA), afirmando que “o atual sistema de
monitoramento da NSA falha em efetivamente proteger os direitos dos cidadãos, e
é imperativo que qualquer interferência no direito à privacidade seja publicamente
notificada”.
Baixas devidas ao
uso de veículos aéreos não tripulados (VANT) – mais conhecidos como “drones” –
foram criticadas pela “falta de transparência nos critérios para os ataques” e
pela “ausência de responsabilização sobre as perdas resultantes dos mesmos”.
Segundo o Comitê, a
interpretação vaga do que seria uma “ameaça iminente” e a dificuldade dos
veículos em distinguir civis de combatentes põem em xeque o uso dos aparelhos
em confrontos, sendo necessária uma urgente revisão de tais práticas militares.
O Comitê também
citou os problemas na prisão de Guantánamo, afirmando que os EUA devem
“acelerar a transferência de presos designados para a transferência, inclusive
para o Iêmen, assim como [acelerar] o processo de revisão periódica para os
detidos”, garantindo ou seu julgamento ou sua libertação imediata.
O Comitê da ONU foi
enfático ao pedir o encerramento da prisão norte-americana de Guantánamo, uma posição já exposta diversas vezes por autoridades de alto
escalão das Nações Unidas.
O órgão pede ainda
o fim do sistema de detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, que
seja assegurado que “todos os casos criminais contra detidos em Guantánamo e
instalações militares no Afeganistão sejam tratados dentro do sistema de
justiça criminal, em vez de comissões militares, e que aos detidos sejam
oferecidas as garantias de um julgamento justo consagrado no artigo 14 do
Pacto”.
Oitenta mil pessoas
em confinamento solitário
Em 2013, em meio a
uma greve de fome em massa na Califórnia, o relator especial da ONU sobre
tortura, Juan E. Méndez, pediu ao governo que abolisse o confinamento solitário por tempo prolongado ou indefinido.
“Mesmo que o
confinamento solitário seja aplicado por curtos períodos de tempo, muitas vezes
ele provoca sofrimento ou a humilhação física e mental, agravando o tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante”, disse Méndez, acrescentando que “se
a dor ou o sofrimento resultante é grave, o confinamento solitário equivale à
tortura”.
Aproximadamente 80
mil prisioneiros nos Estados Unidos são submetidos ao confinamento solitário e
atualmente 12 mil prisioneiros estão em isolamento no estado da Califórnia.
Sobre o Comitê de
Direitos Humanos da ONU
Com sede em
Genebra, na Suíça, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é o órgão de especialistas
independentes que monitora a implementação do Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos por seus Estados Partes. Todos os Estados Partes são
obrigados a apresentar relatórios periódicos ao Comitê sobre a forma como os
direitos estão sendo implementados.
Eles devem realizar
a primeira comunicação um ano após a adesão ao Pacto e, em seguida, sempre que
haja pedidos do Comitê (geralmente a cada quatro anos). O Comitê examina cada
relatório e levanta suas preocupações e recomendações ao Estado Parte na forma
de “observações finais”.