Energia
'Problema
do setor elétrico não é apenas falta de chuva’
“A operação do setor está politizada”, afirma o
engenheiro Roberto Pereira D’Araújo. Foto Marcio Mercante
O engenheiro Roberto Pereira D’Araújo diz que, para
segurar o preço da energia, o governo demorou a acionar as usinas a gás
Diretor do Instituto Ilumina de Desenvolvimento
Estratégico do Setor Energético, o engenheiro Roberto Pereira D'Araújo contesta
a avaliação do governo sobre a situação do setor no Brasil. Com passagem pelo
Conselho de Administração de Furnas na primeira gestão do PT, Araújo diz que a
opção por segurar os preços da eletricidade nos últimos anos está na raiz dos
problemas que o país enfrenta agora, com reservatórios das hidrelétricas baixos
e dependendo de chuvas para reduzir os gastos com termelétricas. "Em março
de 2012, já havia sinais de que a hidrologia estava mal. Porque não se ligaram
as térmicas? Porque só deixou para ligar depois da MP 579 (que reduziu a tarifa
de energia)? Isso é uma coincidência que precisa ser explicada", questiona
o especialista, que defende ainda maior atenção para a geração distribuída e a
eficiência energética, com o objetivo de reduzir a necessidade de grandes
investimentos em geração.
Qual sua avaliação sobre o cenário atual do setor
elétrico?
Primeiro, vou falar o que acho que não é. Não é falta de chuva e não é consumo excessivo. Se pegarmos o gráfico da carga brasileira de energia desde os anos 2000, veremos que é uma reta, dá para saber exatamente o que vai acontecer no ano seguinte. Se pegar também dados do ONS sobre hidrologia, vê-se que, em 2013, apesar da seca no Rio São Francisco, o Sudeste teve uma hidrologia excelente. Então, na soma dos quatro subsistemas, ficou com 97% da média histórica. Não há deficiência de hidrologia, quando se olha no longo prazo. E o longo prazo no Brasil é o ideal, porque temos reservatórios. E os reservatórios, que estão hoje com 40% da capacidade, tinham que ter água de 2013. Mas parece que não têm. Ou seja, parece que, com a obsessão de não ligar as térmicas porque a tarifa está cara e também para não reconhecer que o sistema está desequilibrado, vai-se usando predatoriamente os reservatórios. O reservatório não se esvazia apenas porque não tem água entrando, mas também se esvazia porque tem água demais saindo.
Primeiro, vou falar o que acho que não é. Não é falta de chuva e não é consumo excessivo. Se pegarmos o gráfico da carga brasileira de energia desde os anos 2000, veremos que é uma reta, dá para saber exatamente o que vai acontecer no ano seguinte. Se pegar também dados do ONS sobre hidrologia, vê-se que, em 2013, apesar da seca no Rio São Francisco, o Sudeste teve uma hidrologia excelente. Então, na soma dos quatro subsistemas, ficou com 97% da média histórica. Não há deficiência de hidrologia, quando se olha no longo prazo. E o longo prazo no Brasil é o ideal, porque temos reservatórios. E os reservatórios, que estão hoje com 40% da capacidade, tinham que ter água de 2013. Mas parece que não têm. Ou seja, parece que, com a obsessão de não ligar as térmicas porque a tarifa está cara e também para não reconhecer que o sistema está desequilibrado, vai-se usando predatoriamente os reservatórios. O reservatório não se esvazia apenas porque não tem água entrando, mas também se esvazia porque tem água demais saindo.
Quer dizer, gerou-se pouca térmica nos últimos
anos?
O que é estranho é o seguinte: 2012 foi um ano bem
pior que 2013, do ponto de vista da hidrologia. Em janeiro e fevereiro choveu
bastante, mas em março mudou. A energia natural afluente já cai bastante. Mas
de março até setembro, foi como se tivesse tudo uma maravilha. Houve,
inclusive, uma redução do despacho térmico até setembro. Depois, com a MP 579
(que renovou automaticamente contratos de concessão de hidrelétricas, reduzinda
as tarifas), que deu uma impressão que teríamos uma certa folga na tarifa,
decidiram ligar as térmicas. Ligaram todas elas em um padrão que não se
encontra no histórico. Hoje, o sistema está operando ao custo marginal de
operação muito alto, R$ 820 por megawatt-hora (MWh) é cinco vezes o preço de
uma usina nova. Uma usina nova sai por R$ 120, R$ 130. Tem usinas a gás que
saem a R$ 150. O que significa isso? O sistema está pedindo, pelo amor de Deus,
"me dê usinas novas". Porque, com essas usinas que estão aí e com
essa hidrologia, que não é ruim, não estamos conseguindo, mesmo com uso
exagerado das térmicas. A térmica ligada tem um significado de desequilíbrio do
sistema muito grande, todo mundo sabe disso. Um custo marginal de operação
muito acima do custo marginal de expansão por muito tempo, significa que o
sistema está desequilibrado.
Está desequilibrado por que? Falta investimento em
geração?
Falta investimento em geração e falta investimento
em transmissão. Eu reconheço que o atraso na entrega de energia do Rio Madeira
foi muito ruim. A promessa é que a linha de transmissão estaria funcionando em
maio. Mas quem conhece um projeto desses, de alta complexidade tecnológica,
sabe que não funciona assim. Então, isso vai demorar a funcionar. E não é só a
ligação do Rio Madeira com São Paulo. Recebendo essa energia, vai ter que
expandir a rede básica para que consiga distribuí-la, senão vai gerar outro
problema. Se tivesse isso aí, provavelmente, a gente não estaria passando pelo
que está passando. O que ficou claro para mim é o seguinte: está faltando
usina, está faltando construir usina. Normalmente, todo ano as chuvas enchem os
reservatórios, que começam a verter água. Mas o sistema não está vertendo mais.
Não enche o reservatório a ponto de verter água. É um indicador de que não
estamos conseguindo encher os reservatórios.
Agora, enquanto novas usinas não ficam prontas,
qual a alternativa?
É a térmica na base. Mas veja bem: o governo fez no
passado leilões genéricos, com a concorrência entre térmicas, eólicas,
bicombustível, etc. Como se nós do setor elétrico não soubéssemos o que é
preciso. Foi o mercado quem definiu. Em 2008, contratou térmica a diesel e a
óleo combustível. São térmicas que raramente serão usadas e que têm que
considerar na oferta. Essas térmicas não são feitas para funcionar o tempo
todo, não são térmicas de base. Térmica de base é carvão, nuclear e gás. Óleo
combustível e diesel são combustíveis sujos, precisa parar, fazer manutenção,
se não começa a reduzir a eficiência. Se olharmos os relatórios do ONS
(Operador Nacional do Sistema Elétrico), vamos ver que tem várias térmicas que
não conseguem gerar o que está programado.
Vê-se nos relatórios do ONS que há hoje uma grande
diferença entre a capacidade instalada
e a quantidade de energia disponível...
e a quantidade de energia disponível...
Até porque, não tem gás. Estamos importando gás
natural liquefeito porque não tem gás. O que o governo tinha que ter feito lá
no passado, seis anos atrás? Tinha que ter se esforçado para montar uma base
térmica, principalmente a gás, porque tem um preço razoável, abaixo de R$ 200
por MWh. Mas construiu uma base térmica totalmente incompatível com o setor
elétrico brasileiro. E outra coisa: porque nos esquecemos das pequenas centrais
hidrelétricas? Tem uma quantidade enorme de pequenas centrais, que têm a
vantagem de ficar perto dos centros de consumo. Precisa tomar conta disso,
olhar os projetos e aprovar. E tem outro ponto: eu moro no último andar de um
prédio, tenho um telhado de 15 metros quadrados. Pedi a um amigo uma conta de
quanto custaria para colocar um painel fotovoltaico e quanto geraria de
energia. Ele disse que geraria mais ou menos 900 kWh. Dá para gerar energia
para todos os vizinhos durante o dia. Mas custa R$ 40 mil para implantar. É
preciso de uma política para isso. Dê uma volta por shopping centers de São
Paulo e do Rio, quantas lojas você vai ver com lâmpadas dicróicas de 50 watts?
Pega uma lâmpada dicróica dessas e substitui por uma lâmpada de LED de 5 watts,
que faz o mesmo serviço. Sobram 45 watts. E mais, a LED não esquenta, enquanto
a dicróica queima sua mão. Uma lâmpada LED no Brasil é artigo de luxo. As
políticas se limitam à visão de gerar energia. Como se gerar energia,
transmitir e usar energia não fossem a mesma coisa. Cada lâmpada dessas que eu
trocar, seria como uma microusina: eu disponibilizo para o sistema mais 45 W
para outro usar.
O sr. acha que, com a situação atual do parque
gerador, resistiremos ao ano de 2014?
O problema de morar num país tropical é a incerteza
sobre a energia que vem dos rios. Para se ter uma ideia, no Sul, pode ter um
ano que gere 100 e outro ano que gere 600, a diferença é de um para seis. No
Sudeste, é de um para seis. No Norte, é de um para 10. As variações são muito
grandes. Então, fico desconfiado quando alguém diz que o risco de racionamento
é de 20%. É impossível de prever. Pode dizer hoje que vai ter racionamento e
depois cair uma chuvarada danada, que enche os reservatórios novamente.
Mas teremos que continuar com alta dependência das
térmicas...
Com certeza. Como é o comportamento médio da
hidrologia? Começa em dezembro e acaba em março. Em abril, é só decréscimo e
volta a subir de novo em novembro. A não ser que haja uma inversão - e não
conheço nenhum exemplo no histórico do setor - a gente vai ter que manter essas
térmicas ligadas. Fico abismado como uma autoridade diz que o sistema está em
equilíbrio estrutural, quando estamos com uma conta bilionária de térmicas.
Isso é um sintoma de que o sistema está desequilibrado. E ontem vi o Marcio
Zimmermann (secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia) dizer que o
sistema está equilibrado. Não está, está completamente desequilibrado.
Vivemos o resultado de uma opção pelo custo mais
baixo?
A MP 579 foi péssima para o Brasil. Na realidade, o
MWh brasileiro, quando o sistema está equilibrado, usando térmica
esporadicamente, é baixo, entre R$ 120 e R$ 130. Bota isso em dólar e vê como é
nos Estados Unidos. O problema da tarifa cara no Brasil não é o MWh. Aí, chega
em 2012, e inventa uma história de intervir na tarifa. Inventaram uma fórmula
dizendo que sua tarifa vai ser tanto, o que praticamente inviabilizou a
Eletrobrás, que está com um prejuízo monstruoso, está queimando patrimônio,
para conseguir uma redução tarifária pequena. E já tínhamos sinais para ligar
as térmicas muito antes. Mas não, decidiram esperar para ver se as chuvas iriam
cair, porque a tarifa estava lá em cima.
Tomou-se um risco maior, então?
Não consigo entender. Se olhar o gráfico de geração
térmica, vê-se que triplicou depois do anúncio da MP 579. É até aceitável um
aumento de 20%, por exemplo, mas multiplicou por três e tem se mantido neste
nível. Em março de 2012, já tinha sinais de que a hidrologia estava mal, 2012
foi um ano ruim. Porque não se ligou as térmicas? Porque só deixou para ligar
depois da MP 579? Isso é uma coincidência que precisa ser explicada. Parece que
o próprio setor, que a própria operação, está totalmente politizada.