Infraestrutura deficiente
vai acirrar conflitos por uso de água
Conflito pelo uso
dos recursos hídricos tende a crescer no país, diz especialista. Hoje, cinco
bacias recebem atenção especial da Agência Nacional de Águas por restrições ao
uso ou a vazões
Nicola Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.br
A disputa entre Rio e São Paulo pelas águas do Rio Paraíba do Sul é
apenas a ponta mais visível de um problema que se agrava em todo o país. A
Agência Nacional de Águas (ANA) acompanha de perto pelo menos quatro outras bacias
que enfrentam algum tipo de restrição de uso ou de vazão por conta da estiagem
prolongada. Em Minas Gerais, por exemplo, há 140 municípios em estado de
emergência por falta d’água, muitos deles prejudicados pela necessidade de
recompor o reservatório da Hidrelétrica de Três Marias. Para especialistas, os
conflitos tendem a se acirrar no futuro, por razões que vão desde a falta de
novos reservatórios a perdas no sistema de distribuição.
“Por restrições ambientais, tivemos que caminhar para um modelo com
lagos de hidrelétricas cada vez menores, o que significa que as bacias estão
cada vez menos regularizáveis”, diz Marcos Freitas, especialista em temas
relacionados a energia, água e mudanças climáticas do Instituto Virtual
Internacional de Mudanças Globais (Ivig). Isso significa, diz ele, que os rios
estão mais vulneráveis às variações do clima: “A seca é questão conjuntural
que, aliada a problemas estruturais, tem intensificado a crise este ano”. Além
da falta de reservatórios, ele cita a poluição nos rios brasileiros, que
demanda maior uso de água para diluição de esgoto, e perdas no sistema de
distribuição entre as causas do problema.
Embora a crise na Bacia do Paraíba do Sul ganhe mais destaque, a ANA tem
feito relatórios diários da situação em outras quatro bacias. Na região do Alto
São Francisco, por exemplo, municípios mineiros abaixo da barragem de Três
Marias estão em estado de emergência por problemas no abastecimento, provocados
pela restrição do limite de vazão imposta pelo ONS para poupar água no
reservatório. Em Pirapora, moradores enfrentam um racionamento e atividades
agrícolas e comerciais têm sido prejudicadas. A prefeitura local chegou a ir à
Justiça contra a redução da vazão.
“Emergencialmente foi construído um novo sistema de captação de água, ao
custo de R$ 602 mil, e afastado o risco de falta d’água”, diz a prefeitura.
Na bacia do Rio Piranhas-Açu, que abastece 1,4 milhão de pessoas na Paraíba e Rio Grande do Norte, vigora, desde o ano passado, um esquema especial de captação de água para irrigação e piscicultura. Os municípios só podem captar água em dias alternados, segundo calendário estipulado pela ANA, com o objetivo de priorizar o abastecimento humano. Ao fim de 2013, metade dos 547 reservatórios monitorados pela ANA na região Nordeste tinham menos de 30% da capacidade de armazenamento. A situação permanece em patamares próximos nos reservatórios do sistema Corema-Açu, na mesma bacia.
Na bacia do Rio Piranhas-Açu, que abastece 1,4 milhão de pessoas na Paraíba e Rio Grande do Norte, vigora, desde o ano passado, um esquema especial de captação de água para irrigação e piscicultura. Os municípios só podem captar água em dias alternados, segundo calendário estipulado pela ANA, com o objetivo de priorizar o abastecimento humano. Ao fim de 2013, metade dos 547 reservatórios monitorados pela ANA na região Nordeste tinham menos de 30% da capacidade de armazenamento. A situação permanece em patamares próximos nos reservatórios do sistema Corema-Açu, na mesma bacia.
Em outros dois casos acompanhados pela Sala de Situação da ANA, as
bacias do Parnaíba do Rio Doce, e as restrições de vazão respeitam o modelo
operativo do ONS, que tem por objetivo poupar água nos reservatórios das
hidrelétricas. Não há ainda notícias de conflitos pelo uso das águas nas duas
regiões. Há ainda restrições operativas nos rios Grande e Tietê — este último,
com o fluxo de embarcações interrompido pelo risco de acidentes. Em 2013, no
último relatórios obre o tema, a Pastoral da Terra contabilizava 97 situações
de conflitos pelo uso das águas no Brasil, alguns deles relacionados a
hidrelétricas.
No governo, a visão é de que a crise é conjuntural e o sacrifício de
outros usuários terá como resultado a garantia do suprimento de eletricidade
nos próximos anos. A área energética defende um debate sobre a construção de
hidrelétricas com reservatórios, com o objetivo de aumentar a capacidade de
armazenamento de água para tempos de seca.
“Daqui a pouco teremos que voltar a discutir essa questão, de repensar a
necessidade de grandes espelhos d’água”, concorda Freitas. “O Brasil tem
19,4% da disponibilidade hídrica do mundo, mas, se tirar a Amazônia, fica com
apenas 3,4%. E a água não pode ser transportada em longas distâncias como a
energia”, comenta ele, que já teve passagem pela ANA e pela Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel). Freitas cita, porém, outras alternativas, como a
redução de perdas nos sistemas de distribuição, que chegariam a 40% no Rio e em
São Paulo e o melhor tratamento de esgoto — que faz com que o sistema Guandu
tenha que captar o dobro do volume necessário, apenas para diluir rejeitos
despejados por um de seus afluentes.
Dilma decide intervir em disputa
entre Rio e SP
A presidenta Dilma Rousseff determinou ao Ministério de Minas e Energia (MME) a busca por uma solução negociada para a disputa pelo uso das águas do rio Paraíba do Sul. Segundo fontes próximas ao Planalto, o ministério foi incumbido de agendar um encontro entre as partes envolvidas, que deve ocorrer ainda na semana que vem, para evitar que a crise se transforme em uma disputa judicial. Até agora, o tema vinha sendo tratado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
A presidenta Dilma Rousseff determinou ao Ministério de Minas e Energia (MME) a busca por uma solução negociada para a disputa pelo uso das águas do rio Paraíba do Sul. Segundo fontes próximas ao Planalto, o ministério foi incumbido de agendar um encontro entre as partes envolvidas, que deve ocorrer ainda na semana que vem, para evitar que a crise se transforme em uma disputa judicial. Até agora, o tema vinha sendo tratado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O confronto teve início no dia 1º de agosto, quando a Companhia
Energética de São Paulo (Cesp) reduziu a vazão do rio Jaguari, descumprindo os
limites impostos pelo ONS. A medida provocou reação do governo do Rio, alegando
que pode levar ao desabastecimento de cidades às margens do rio Paraíba do Sul,
que recebe águas do Jaguari. São Paulo argumenta que precisa poupar água para
abastecimento humano e ameaça ir à Justiça para manter a vazão reduzida.
Agravado pela estiagem prolongada, o problema de abastecimento de água
na região metropolitana de São Paulo é reflexo do crescimento acelerado e da
falta de investimentos em infraestrutura de armazenamento, diz o especialista
Marcos Freitas, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da
Coppe/UFRJ (IVIG). “Embora seja o primeiro grande conflito entre Rio e São
Paulo por uso de águas, era previsível que ocorreria um dia”, diz ele. “São
duas metrópoles muito próximas e em locais que não têm tanta água”, completa.
A avaliação no Planalto é que São Paulo tem razão ao argumentar que o
abastecimento para consumo humano é importante, mas que a medida adotada com
relação ao Jaguari tem pouca eficácia neste sentido, uma vez que a porção do
rio onde a água será poupada não tem ligação com o Sistema Cantareira, principal
fonte de suprimento da região metropolitana. Por isso, a esperança em uma
solução negociada.
O governo paulista tem planos de transposição do Paraíba do Sul para
reforçar o sistema de abastecimento do estado, proposta que enfrenta a
resistência do Rio e é tema de uma ação do Ministério Público Federal de
Campos, onde está a foz do rio. Ontem, a Justiça Federal do município
determinou que o MP leve o processo ao Supremo Tribunal Federal (STF).