‘Vi pelo menos uma morte
por dia em Serra Leoa’
Integrante
brasileiro do Médicos Sem Fronteiras, que tratou infectados do Ebola, diz que
não teve medo e vai voltar à África
Redação Brasil Econômicoredacao@brasileconomico.com.br
“Não tenho medo. É mais arriscado
andar no trânsito do Rio de Janeiro”. É com essa confiança no protocolo de
segurança que o médico carioca Paulo Reis (42) responde a primeira pergunta que
se impõe a qualquer um que esteve no oeste africano para enfrentar a pior
epidemia de Ebola da história. Ele é um dos dois brasileiros que integram a
equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e já atuou na Guiné e em Serra Leoa,
onde esteve da última vez e vai retornar nos próximos dias. Quando deixou o
‘terreno’, a taxa de mortalidade era de 70% e 150 pacientes já haviam sido
admitidos pela organização no país. Hoje, menos de um mês depois, esse número
mais que dobrou (337).
A instalação em que Paulo trabalhou é a única operante contra o vírus em
toda Serra Leoa, depois que o centro governamental fechou pela infecção de
funcionários. Para ele, que já combateu outras epidemias, a grande diferença da
atual é a expansão geográfica e as características da área atingida. “Era
questão de tempo para que o vírus chegasse a uma área com mais facilidade de
transportes como lá, onde há fronteiras políticas, mas as pessoas circulam como
se não houvesse”, explica. Ele lembrou que os traços culturais - como a
resistência e a manipulação dos corpos de familiares mortos - são outro
agravante da crise. “As populações que ainda não tiveram contato com a doença
têm muita crendice e muitas vezes acham que o vírus não existe. Às vezes são
agressivos, jogam pedras nos carros e as crianças fogem para o mato quando passamos”.
O quadro, diz ele, muda muito quando há uma educação sobre a doença e,
principalmente depois dos primeiros curados, capazes de mudar os hábitos de
familiares e amigos.
Com jornadas de até 13 horas por dia, ele não nega o cansaço e conta
que, na realidade, o contato com os infectados é muito curto. Até dez horas
diárias são dedicadas para trabalhos burocráticos como admissão de pacientes e
realização de treinamentos. Os médicos entram, em média, três vezes por dia na
área isolada, em sessões que costumam durar 40 minutos devido ao desgaste. “O
pior não é nem tanto o peso do traje especial, mas a transpiração porque é tudo
impermeável. Muitas vezes o suor sublima e embaça o óculos e aí temos de sair
porque não enxergamos mais”, explica o médico que via pelo menos uma morte
todos os dias. A mais sentida foi a de um jovem infectado que teve a família
dizimada e conseguiu se livrar do vírus já em coma, mas não resistiu à
complicações secundárias. No lado inverso da moeda, o médico lembra da história
de Salomon, um rapaz que melhorou precocemente mas não apresentava testes
negativos para o vírus. “Ele se tornou nosso ajudante lá dentro e quando
finalmente saiu foi uma emoção muito forte. Todos estávamos lá fora para
apertar a mão dele comemorar”, disse sorrindo.