Os dois lados da crise
A crise industrial
brasileira vem de longa data
Julio Gomes de Almeidajulio.almeida@brasileconomico.com.br
Na verdade, desde a crise da dívida na entrada dos 80 até
praticamente o presente a evolução industrial foi tênue e muito
oscilante, o que impossibilitou sua renovação estrutural e a
incorporação de novos ramos do desenvolvimento industrial mundial. Não é por
acaso que ao longo desse período a indústria brasileira, que entre os
emergentes era a líder, ocupando a sétima posição global, foi perdendo
posições e é hoje a décima-primeira, tendo sido ultrapassada por várias outras
economias em desenvolvimento.
O fenômeno China acentuou a guinada em direção ao encolhimento produtivo
brasileiro. Dificilmente o Brasil reproduzirá daqui para frente as escaladas
industriais promovidas por várias outras economias emergentes. A China tem
demonstrado enorme capacidade de desenvolver fatores cada vez mais eficazes
para amparar sua liderança industrial. A competitividade suportada por baixos
salários está cedendo lugar à vantagem obtida a partir das enormes escalas de
produção, um fator ao qual já está se somando a maior capacidade de
concorrência oriunda de P&D. Talvez por isso vários economistas têm
anunciado um destino sombrio para a indústria brasileira, o que, para muitos
deles, não deve fazer falta ao nosso crescimento econômico.
A nosso ver, tais teses não são corretas. Se há possibilidade de contar
com o dinamismo de um setor sabidamente com destacada capacidade em movimentar
diversas cadeias de bens e serviços, e que ainda é o maior gerador de
inovações, ele não pode ser descartado. Por outro lado, é possível preservar o
que ainda resta — e não é pouco — de uma indústria relativamente diversificada
e que com alguns ajustes poderá ter um crescimento maior a longo prazo. O que
não é mais possível adiar são ações muito conhecidas de todos, mas que não saem
do papel. A urgência envolve temas da infraestrutura, da tributação, dos juros
e do câmbio que, juntamente com o aumento dos custos de produção após a crise
global de 2008, transformaram os gravíssimos problemas estruturais das últimas
décadas em uma verdadeira avalanche de destruição da produção industrial.
Para quem ainda duvida de que algo muito grave acontece na indústria
brasileira, basta uma breve análise do desempenho dos vários ramos industriais
tomando como referência o período imediatamente anterior à crise, ou seja,
agosto de 2008. Os dados foram levantados pelo IEDI e mostram que nos últimos
seis anos a produção da indústria de transformação caiu 5,1%. A média esconde
mais do que revela as características mais importantes desse período. Ramos
industriais com algum crescimento expressivo — superior a 1% ao ano — foram
poucos, apenas seis de um total de 24. Por outro lado, 12 tiveram margem
negativa.
Este último bloco reúne a chamada indústria tradicional e complexos
industriais inteiros, da envergadura do complexo metalmecânico e do
eletroeletrônico. O cancelamento de produção foi dramático em vários ramos,
como por exemplo, no caso da indústria tradicional, a queda de 30% em produtos
têxteis, o recuo de 24,5% na fabricação de veículos automotores e de 25,1% em
equipamentos de informática, produtos eletrônicos e de comunicação.
Na verdade o colapso industrial brasileiro só não foi maior porque os
poucos ramos com crescimento mais robusto têm especial representatividade na
indústria. Em quase todos eles o dinamismo veio da redistribuição da renda
promovida no período, como nos casos de alimentos (+7%), bebidas (+22%),
produtos de limpeza e cosméticos (+19%) e produtos farmacêuticos (+16%).
Muito se discute sobre o limitado alcance das medidas da política industrial
em mudar esse quadro, o que em parte é verdade porque essa política acabou por
amplificar os incentivos ao consumo e limitou demasiadamente o apoio à
exportação e à internacionalização de nossas empresas. Mas o fundamental é que
sem as medidas de reordenamento macroeconômico na linha dos temas já
mencionados de infraestrutura, tributação, juros e câmbio, qualquer política
teria semelhante eficácia.