quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

CHINA E BRASIL : QUEM SE ADAPTARÁ A QUEM ?

Por fmaisonnave
A recente passagem do vice-premiê Wang Qishan pelo Brasil voltou a demonstrar o que o próprio ex-chanceler Celso Amorim admitira ao final de seus oito anos à frente do Itamaraty: ainda falta uma política para lidar com a China.
O problema começa no próprio formato da visita, cujo ponto alto foi a reunião da Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), teoricamente o mecanismo mais importante de diálogo entre os dois países.
Criada em 2004 pelo então presidente Lula e o seu colega, Hu Jintao, a Cosban pecou pela preocupação excessiva com formalidades. A Vice-Presidência, com peso mínimo em comércio e política externa, ficou com o papel de interlocutor por supostamente ser o cargo brasileiro mais equivalente ao de vice-premiê chinês.
Foi uma escolha estranha. Wang Qishan, um dos quatro vice-premiês e nome em ascensão no Partido Comunista, está encarregado de assuntos comerciais e de diplomacia externa. Ou seja, o que para Temer é um tema esporádico em meio a negociações para cargos no governo ao PMDB, no caso do seu interlocutor chinês é o pão de cada dia.
Essa dissintonia é um dos motivos pelo qual que, ao longo de oito anos, houve apenas duas reuniões da Cosban. Metade da previsão inicial de um encontro a cada dois anos. Muito pouco para a crescente complexidade das relações bilaterais.
Compare-se com o mecanismo semelhante entre China e Estados Unidos. No Diálogo Estratégico e Econômico EUA-China _ que ocorre anualmente_ Wang é o representante chinês na área econômica e tem como interlocutor o secretário do Tesouro, atualmente Timothy Geithner.
O formato da Cosban parece influir no conteúdo. Temer protagonizou um momento naïf ao pedir que os chineses restrinjam “voluntariamente” suas exportações ao Brasil. Uma análise impecável da inviabilidade da proposta está na coluna de hoje de Vinicius Torres Freire (aqui, para assinantes).  Acrescento apenas uma pergunta: como sustentar um pedido assim ao país com quem o Brasil teve no ano passado um superávit de US$ 11,5 bilhões (38% do superávit global do país)?
Outro ponto pouco exequível foi o pedido para que a China compre mais produtos manufaturados do Brasil. Mas quais? A preços competitivos?
Se Wang não deu uma resposta direta em Brasília a todos esses pedidos, vale a pena ler sua conversa de 2009 com o Comissário de Comércio da União Europeia relatada no livro “The Party” (o partido), do jornalista do “Financial Times” Richard McGregor.
Após admitir que havia “irregularidades” na prática comercial chinesa, Wang concluiu: “Eu sei que vocês têm reclamações. Mas o charme do mercado chinês é irresistível”.
No cenário atual, a China, principal motor econômico mundial, espera que o mundo se adapte a ela, e não o contrário. O Brasil não será exceção.
Sobre fmaisonnave
A página Vista Chinesa aspira a ser uma fonte de informação e análise sobre o principal parceiro econômico do Brasil. Conta com colaboradores calejados com a longa e cada vez mais frequentada ponte aérea entre os dois países e traz reportagens e análises produzidas pela Redação da Folha de S.Paulo, além de comentários do correspondente Fabiano Maisonnave, responsável pela edição.