Bolívia obtém primeira vitória em reivindicação por acesso ao Pacífico
MARIANA CARNEIRO
DE BUENOS AIRES
DE BUENOS AIRES
24/09/2015 18h25
O tribunal
internacional de Haia, na Holanda, decidiu que tem competência para julgar o
pedido da Bolívia de obrigar o Chile a negociar um acesso ao vizinho ao Oceano
Pacífico.
A decisão é a
primeira vitória da Bolívia na sua histórica reclamação por um acesso
soberano ao Oceano Pacífico. E é também um trunfo político favorável
a Evo Morales, que tenta aprovar uma lei que permitiria sua quarta
eleição consecutiva.
Por 14 votos a dois,
os jurados do tribunal refutaram o pedido do Chile de arquivar a demanda
boliviana, uma vez que o assunto foi alvo de um tratado de paz assinado pelos
países em 1904.
David Mercado/Reuters
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Presidente da Bolívia, Evo Morales, segura barquinho de papel em
frente de vice, Álvaro García Linera
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A corte informou,
porém, que não determinará o resultado da negociação entre os dois países. Ou
seja, não dirá se a Bolívia tem direito ao acesso ao mar. Os juízes informaram
que apenas abordarão o pedido feito pela Bolívia de que o Chile seja obrigado a
reabrir negociações sobre o tema.
Mesmo com pequeno
potencial de dano ao território chileno, a decisão pode ferir a imagem já
debilitada da presidente chilena Michele Bachelet, que vive uma crise de popularidade após
a revelação de casos de corrupção envolvendo políticos de todos os partidos e
até seu filho, Sebastián Dávalos.
"Apesar de ter
tentado dar a imagem de que se trata de um tema transversal, uma política de
Estado dos mais distintos setores políticos chilenos, as primeiras reações
podem afetar Bachelet", disse à Folha a
professora Paz Millet, do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade
do Chile.
"Novamente o
país estará envolvido em um tema na corte de Haia, gastando recursos e tempo em
um momento em há um chamado à austeridade e
quando está muito questionada a imagem dos políticos chilenos",
acrescentou.
Morales, por sua vez,
começou nesta quinta mesmo a capitalizar a decisão. Edifícios públicos
estenderam a bandeira da demanda oceânica e movimentos sociais simpáticos ao
governo organizaram festejos em La Paz e em outras cidades do país. Em
coletiva, o presidente boliviano se disse satisfeito.
"Em nome do povo
e do Estado boliviano, quero expressar a enorme satisfação pela decisão",
disse Morales. "A corte internacional indicou um caminho a seguir. A
decisão não apenas dá esperança à Bolívia, como também diz que a demanda, os
temas pendentes, se resolvem com diálogo e paz", afirmou.
Já a chilena Bachelet
subestimou o resultado: "A Bolívia não ganhou nada".
"Mantemos a
convicção de que a demanda boliviana carece de toda a base, pois confunde
direitos com aspirações e tergiversa completamente sobre o que foi a história
de Chile e Bolívia."
Morales transformou a
demanda histórica da Bolívia em uma de suas principais bandeiras políticas e
enviou à Haia nada menos do que dois ex-presidentes (Eduardo Rodriguez Veltzé e
Carlos Mesa) para advogar em favor do país.
Bachelet, por seu
turno, só apareceu ao lado de ex-mandatários nesta semana. Nesta quinta, após a
decisão, o ex-presidente Eduardo Frei (1994-2000) convocou o Chile a
intensificar uma contracampanha.
"O Chile deve
incrementar sua campanha comunicacional para explicar com força e claridade a
toda a comunidade internacional os fundamentos que motivam o nosso país, pois o
que está em jogo é a estabilidade dos tratados que fixam fronteiras",
disse Frei.
A Bolívia cedeu ao
Chile uma área de 120 mil km² e uma costa litorânea de 400 quilômetros
(equivalente ao dobro do litoral de Pernambuco) após a Guerra do Pacífico
(1879-1883).
Vinte e cinco anos
depois do conflito armado, Bolívia e Chile assinaram um tratado de paz em que o
Chile se comprometia em indenizar a Bolívia e oferecer facilidades no acesso
aos portos da região dominada.
Os bolivianos, porém,
tratam o tema como uma injustiça histórica contra o país, alegando que a
Bolívia terminou enclausurada e com restrições ao seu desenvolvimento
econômico.