PREVENDO INCERTEZAS
A PRODUÇÃO DE ESTIMATIVAS PELA ATIVIDADE DE
INTELIGÊNCIA[1]
Marcio Bonifacio Moraes- CMG
“É
perdoável ser derrotado, mas nunca ser surpreendido.”
Frederico II Rei da Prússia
1- INTRODUÇÃO
Imaginemos que estamos vivendo na Europa
em 1900. A Inglaterra era a “capital do mundo”, e governava a maior parte do
hemisfério oriental. Era um império global conhecido como: O Império onde o sol nunca se punha. A Europa vivia tempos de paz e
prosperidade, controlando todos os negócios.
Agora
estamos em 1920. A Europa está em frangalhos, saindo de uma guerra que custou
milhões de vidas. Os impérios austro-húngaro, russo, otomano e alemão estavam dissolvidos.
O comunismo havia dominado a Rússia. Os Estados Unidos e o Japão haviam emergido
no cenário internacional, como grandes potências.
Cerca de vinte anos após, em 1940, A
Alemanha havia ressurgido e dominava grande parte do continente europeu. Uma
nova guerra mundial eclodiu e, ao seu término, os Estado Unidos da América e a
União Soviética emergiram como protagonistas de um novo confronto. Era o início
da chamada “Guerra Fria”. A China também havia se tornado comunista e mais uma
guerra começou: a da Coréia. Em 1960, o
comunismo e o mundo ocidental se defrontam buscando uma hegemonia ideológica.
Os poderosos impérios do início do século haviam desaparecido.
Em 1980, os Estado Unidos saiam de uma
humilhante derrota, após uma desgastante guerra de cerca de sete anos, não
contra a sua maior rival, a União Soviética, mas com um pequeno país asiático:
o Vietnã do Norte.
No ano de 2000 a União Soviética havia
se desintegrado. Novos estados se formaram na Europa, promovendo uma nova reconfiguração
geopolítica na região, muito semelhante a que havia no início do século XX. A China
permaneceu comunista, mas passou a se utilizar de práticas capitalistas. A
União Europeia e a OTAN estenderam as suas fronteiras para a Europa Oriental
encurralando uma atemorizada Rússia que buscava, a todo custo, recuperar sua
antiga área de influência e a sua “fronteira estratégica”. Entretanto, entraram
em cena novos atores, os países do Oriente Médio e da Ásia difundindo o
islamismo na sua forma mais radical.
Assim, nessa breve retrospectiva mostramos
que em um espaço temporal de cem anos a conjuntura mundial sofreu diversas
transformações. Cabe agora a
seguinte pergunta: teria sido possível prever todos esses acontecimentos? A
resposta mais plausível seria não. Entretanto, se analisarmos mais detidamente
todos esses fatos a luz de sólidos conhecimentos de política, de relações
internacionais, de história, de economia, de geopolítica e com o auxílio de
técnicas prospectivas poderíamos, de certa forma, prever ou estimar alguns
deles. Essa é uma das tarefas mais nobres da Atividade de Inteligência.
2- A ATIVIVIDADE DE INTELIGÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE
ASSESSORIA DO ESTADO
“O Serviço de Inteligência é o escudo invisível da pátria”.
Professor Raimundo Teixeira de Araújo
Historiador
Um
princípio básico de alta gerência do Estado recomenda que todo ato decisório necessita
estar lastreado em conhecimentos[2]
oportunos e, quanto possível, amplos e seguros. Assim, a Atividade de
Inteligência desempenha importante papel na assessoria do processo decisório.
Entretanto, não é só com base no assessoramento de Inteligência que as
autoridades governamentais planejam, executam e acompanham suas políticas e
estratégias. Outros organismos também realizam estudos, elaboram relatórios todos
convergindo para o mesmo propósito. Entretanto, a Atividade de Inteligência age
de forma especial, pois é a única que atua em um cenário peculiar que é o
denominado Universo Antagônico, cenário
caracterizado, essencialmente, pela existência, real ou potencial de ameaças
que, deliberadamente, se contraponham ao atingimento dos objetivos maiores de
uma nação. Em outras palavras, trabalha em uma área sensível e de risco onde os
dados procurados encontram-se protegidos ou são negados.
Uma
máxima nos diz que “Conhecimento é Poder” [3]. Sem
dúvida, um Estado bem informado é um Estado poderoso e capaz de prover por si
só a sua própria segurança e determinar com precisão os caminhos para alcançar
seus objetivos maiores. Assim, a assessoria
de Inteligência produz vários documentos, dentre os quais a Estimativa.
3- A PRODUÇÃO DE ESTIMATIVAS PELA ATIVIDADE DE
INTELIGÊNCIA
“Se queres prever o futuro, estude o passado.”
Confúcio
A Estimativa, doutrinariamente, pode ser
definida como o conhecimento
resultante de raciocínios
elaborados pelo profissional de
Inteligência e que expressa o seu estado de opinião em relação à verdade sobre a evolução futura de um fato ou de uma situação. Sua
elaboração é uma das tarefas mais complexas e instigantes da Atividade de
Inteligência, exigindo um trabalho coordenado entre os vários órgãos
envolvidos. A produção de Estimativas é, sem dúvida, um dos trabalhos mais importantes
da Atividade, pois é de natureza proativa – antecipa-se aos fatos.
A produção de Estimativas é uma ferramenta
de grande utilidade para o usuário da Atividade de Inteligência, pois somente
por seu intermédio é que pode ser evitada a Surpresa Estratégica. Ela pode ser definida como: a
possibilidade de se conseguir resultados decisivos em ações lançadas contra o
inimigo, em curto espaço de tempo ou sem aviso prévio. Ela surgiu, em grande parte, devido aos avanços
tecnológicos. A Surpresa Estratégica pode ser obtida quanto à oportunidade
(ou o momento oportuno), quanto ao método e quanto ao local
do evento. Entretanto, a Surpresa Estratégica não ocorre apenas nas guerras e
batalhas. Ela pode existir nos campos político, diplomático, econômico e
tecnológico.
Dentre os
casos clássicos de Surpresa Estratégica no campo militar poderiam ser citados os
seguintes:
- a invasão da URSS pela Alemanha, ocorrido em 22 de
junho de 1941 – “Operação Barbarossa”;
- o ataque aeronaval a Pearl Harbor, desencadeado em
07 de dezembro de 1941 pelos japoneses;
- a Batalha de Midway ocorrida no período de 4 a 6
de junho de 1942, entre norte-americanos e japoneses;
- a contraofensiva alemã nas Ardenas, também conhecida
como a Batalha do Bulge, ocorrida no período 16 de dezembro de 1944 a 25 de janeiro de 1945.
- o ataque da Coréia do Norte à Coréia do Sul ocorrido em
25 de junho de 1950.
- a Guerra dos “Seis Dias” travada entre Israel, o
Egito, a Síria, a Jordânia e o Iraque no período de 5 a 10 de junho de 1967; e
- a Guerra do Yom
Kippur travada no período de 06 a 26 de outubro de 1973 entre Israel, o
Egito, a Síria e o Iraque sobre a qual iremos nos referir posteriormente, em um
Estudo de Caso.
Historicamente, a produção de Estimativas teve
o seu início nos EUA logo após a invasão da Coréia do Sul por tropas da Coréia
do Norte, como já mencionado anteriormente, como um caso clássico de Surpresa
Estratégica. Nessa ocasião, foi sentida a necessidade de se criar um organismo
ligado à recém-formada Comunidade de Inteligência norte-americana[4]
para conduzir estudos prospectivos visando à evolução futura de acontecimentos.
Assim, surgiu o Escritório Nacional para Produção de Estimativas[5]
que passou a produzir as Estimativas Nacionais de Inteligência[6].
Essa tarefa é atualmente coordenada pelo Conselho
Nacional de Inteligência[7]
organismo pertencente à cúpula da Comunidade de Inteligência dos EUA e que se subordina
diretamente ao Diretor Nacional de Inteligência (DNI).
No Reino Unido o organismo responsável pela
produção das Estimativas é o Comitê Conjunto de Inteligência[8],
organismo
centralizador da Atividade de Inteligência e ligado ao Cabinet Office [9]
e que tem como membros: Secret
Intelligence Service
(MI 6) voltado para o Campo Externo, o Security
Service (MI
5) voltado para o Campo Interno, a Contrainteligência e o contraterrorismo, o Government
Communications Headquarters (GCHQ)
que trata da Inteligência de Sinais e o Serviço de Inteligência de Defesa que
congrega os serviços de Inteligência das três forças singulares.
Em Israel, comunidade de Inteligência é
formada pelo MOSSAD[10], o SHIN BET[11] e o AMAN[12]. A esse último, cabe apenas a coordenação da produção
das Estimativas nacionais. Sobre o AMAN vamos, oportunamente,
analisar o seu trabalho em um estudo de caso.
4 – COMO SÃO PRODUZIDAS AS ESTIMATIVAS
“O método é necessário para a
procura da verdade.”
René Descartes
Como
já mencionado, a metodologia para a produção de Estimativas é um trabalho
complexo e normalmente realizado por uma equipe de analistas, muitas vezes de
diferentes órgãos de Inteligência, assessorados por especialistas ou peritos de
áreas específicas, dependendo do tipo de assunto em questão. O
estudo mais detalhado da metodologia aplicada à elaboração de Estimativas é um tema
iminentemente técnico e, assim, foge ao escopo do presente trabalho. Entretanto,
poderiamos dizer, de forma
simplificada, que a produção de uma Estimativa se estrutura basicamente em três
tipos de fatores:
a) PRÉ CONDIÇÕES
Normalmente, são conhecimentos ou
fatores de longo prazo. São estáticos ou se modificam vagarosamente. Como
exemplo, poderíamos citar: a composição da estrutura de defesa de um país, o
efetivo de suas forças armadas, o posicionamento de uma instalação militar, a infraestrura
do país, indicadores demográficos e sociais,
fronteiras e outros.
b) ELEMENTOS CATALISADORES
São
conhecimentos ou fatores dinâmicos, cuja validade é restrita a médio ou a curto
prazo (período de alguns meses até cinco anos). Normalmente, são difíceis de serem detetados,
identificados e obtidos. Muitas vezes torna-se necessária uma operação de
Inteligência. Exemplificando: o grau de aprestamento de uma força armada, a aquisição
de novos armamentos ou obtenção de novas tecnologias, indicadores econômicos, a
criação de um grupo político, as coalisões, e outros.
c) “GATILHO”
Este é o terceiro e último fator.
Talvez o mais complexo, pois é difícil de se prever, mas é necessário para
ativar uma situação. Um único evento pode ser o causador. Como exemplo,
poderíamos mencionar: a morte de um líder político, eleições, o cancelamento de acordos ou
tratados e outros.
Essa
é certamente a etapa mais complexa de todo o processo. Os profissionais de
Inteligência envolvidos na produção de Estimativas, de posse de todos os
conhecimentos obtidos nas etapas anteriores vão interpretá-los e buscar um
significado final para o trabalho. Muitas vezes ele não aparece de forma clara,
e necessita ser deduzido. É o que os alemães chamam de “Geistiger Krieg” ou a ” Guerra dos Cérebros” na qual o intelecto comanda as ações.
Os
três casos mais recentes que poderiam bem exemplificar esse fator foram: A
denominada “Primavera Arábe” ocorrida em 2011 e cujo “gatilho” foi a morte de
um estudante tunisiano. A guerra civil na Ucrânia em 2013/2014 com a anexação
da Criméia pela Rússia, cujo “gatilho” foi o cancelamento de um acordo bilateral
entre a Ucrânia e a União Européia. O mais recente foi a decaptação de cidadãos
ocidentais pelo grupo terrorista ISIS[13] que
desencadeou os ataques aéreos das forças de coalizão liderados pelos EUA contra
o autodenominado Estado Islâmico.
5 – UM ESTUDO DE CASO
“Para mim,
o período de 01 a 06 de outubro de 1973, no Comando Sul, foi uma semana
normal.”
General David Elazar
Chefe do Estado-Maior do Exército de Israel
Em depoimento na Comissão de Inquérito Agranat
A História Militar nos oferece um dos mais clássicos exemplos de
falha na produção de Estimativas e de Surpresa Estratégica que foi o da Guerra
do Yom Kippur[14].
Ela ocorreu em outubro de 1973 e teve como protagonistas: Israel, o Egito, a Síria
e o Iraque. Os principais líderes israelenses por ocasião do confllito eram:
- Primeira-Ministra:
Golda Meir;
- Ministro da Defesa:
Moshe Dayan;
- Chefe-do-Estado-Maior
das Forças de Defesa: General David Elazar;
- Diretor do Serviço de
Inteligência Militar (AMAN): Eliyahu Zeira; e
- Diretor Chefe do MOSSAD:
Zvi Zamir.
Após o término da “Guerra dos Seis Dias” ocorrida em 1967, Israel
teve o seu território aumentado consideravelmente e, pela primeira vez na sua
história, passou a contar com uma fronteira estratégica ou de segurança. Todos
os seus centros populacionais estavam, agora, separados das tropas egípcias por
uma barreira desértica de 240 km de largura (o Deserto do Sinai) e o Canal de
Suez, formando uma barreira natural. Se Israel fosse envolvido em outro
conflito, as cidades afetadas seriam egípcias[15]
e não israelenses. Ademais, próximo à região do Canal de Suez foi construída um
complexo de fortificações que ficou sendo conhecido como Linha Bar-Lev[16].
Uma situação igualmente favorável fora alcançada por Israel ao
longo da frente com a Jordânia. Jerusalém encontrava-se unificada e o exército
jordaniano teria que montar uma operação de contra-ataque de maior envergadura
através do Rio Jordão e ao longo dos 65 km do Deserto da Judéia. Na frente
síria as forças israelenses dispunham, também, de certo grau de profundidade,
além das colinas de Golan.
A figura abaixo permite melhor visualizar a situação após a
guerra.
FIGURA 1 - SITUAÇÃO
DE ISRAEL APÓS A GUERRA DOS SEIS DIAS - 1967
Assim sendo, os israelenses podiam optar pelo lançamento de uma ofensiva
antecipada se uma guerra parecesse iminente. Caso sofresse um ataque teria
espaço para poder desdobrar as suas forças, e contra-atacar.
Dentro desse contexto, as Estimativas elaboradas pelo seu Serviço
de Inteligência Militar de Israel, o AMAN, fez com que o Estado-Maior
israelense desenvolvesse uma Concepção Estratégica[17]
cujas premissas repousavam nas seguintes presunções:
- O Egito não
desencadearia uma guerra sem que fosse capaz de lançar ataques em profundidade
contra o território de Israel, particularmente contra os seus aeroportos
militares, a fim de neutralizar a força aérea israelense;
- A Síria não deflagraria
uma guerra em grande escala contra o Estado judeu, a menos que o Egito também
participasse da luta; e
- O Egito e a Síria só
teriam condições de se engajar em uma nova guerra, a partir de 1976, pois encontravam-se
debilitados em material e pessoal.
Essa concepção pode ter sido correta no tempo em que foi
formulada, entretanto a sua parte principal e decisiva não foi objeto de
reavaliações à luz das transformações políticas, militares e tecnológicas que iriam
se verificar posteriormente na região.
Alguns historiadores argumentam que, de fato, os preparativos
para a Guerra do Yom Kippur teriam começado logo após o fim do conflito de 1967,
com a reorganização do Exército Egípcio, auxiliado por assessores militares soviéticos.
Uma atenção especial foi dada a qualidade do potencial humano e à sua
motivação. Em termos materiais a URSS também forneceu carros de combate,
baterias de foguetes e aviões.
O fato é que já em 1968, os egípcios haviam iniciado as
operações de fustigamento que, mais tarde, culminariam com uma Guerra de Atrito
(1968-1970). Essas operações já faziam parte de uma estratégia de dissimulação[18],
que seria praticada pelos egípcios e sírios no período que antecedeu a guerra
do Yom Kippur. Ela produziu ótimos resultados e iria contribuir para confundir
as futuras análises da Inteligência Israelense.
A morte do presidente Nasser em 28 de setembro de 1970 deixou o
Egito sem uma liderança efetiva e carismática que conseguira manter unido o
mundo árabe na luta contra Israel. Em seu lugar assumiu Anwar El Sadat, que
embora tenha realizado uma grande modificação na estrutura política do país, que
ainda era dominada por seguidores de Nasser. Embora Sadat não tivesse o carisma
e o prestígio do antigo presidente, prosseguiu na intenção de recuperar o
território perdido para Israel em 1967. Entretanto, em 1971, declarou, pela
primeira vez, em uma entrevista que o Egito estava preparado para reconhecer o
Estado de Israel e conviver pacificamente com ele. No período de 1971-1973 Sadat
praticou uma política “pendular” tentando obter suporte dos EUA e da URSS, para
solucionar a questão dos seus territórios ocupados. Ao mesmo tempo, iniciou a
formulação dos planos de guerra para atacar Israel e reaver os territórios
perdidos.
No ano de 1973, foram iniciadas pelo Egito e pela Síria uma
série de ações visando criar condições para o início da guerra. Dentre essas, resumidamente
destacamos as mais significativas e que, certamente, chegaram ao conhecimento
da Inteligência israelense. Agora elas delineiam uma clara trajetória
facilmente identificável para um Analista de Inteligência. Entretanto, na
ocasião, elas não foram corretamente interpretadas. Senão vejamos:
- Em janeiro, os egípcios
realizaram vários exercícios de mobilização (cerca de vinte, segundo as fontes
consultadas).
- Em fevereiro, os
estados-maiores dos exércitos egípcios e sírios realizaram uma série de
contatos secretos para o início das hostilidades. Ainda nesse mês, Sadat
ordenou ao estado-maior egípcio que apresentasse planos para transposição do
Canal de Suez e as datas mais apropriadas para o início das hostilidades (maio,
setembro ou outubro). A Inteligência israelense tomou conhecimento do fato, mas
avaliou erroneamente tratando-o como se fosse apenas uma manobra de desinformação[19].
- Em março, a URSS
iniciou o envio de mísseis táticos terra-ar SCUD para o Exército Egípcio.
- Em abril, a
Inteligência israelense recebeu um informe de que haviam chegado ao Egito 18
caças Mirage cedidos pela Líbia e 16 caças Hawker Hunter cedidos
pelo Iraque e outros tantos da Arábia Saudita e do Kuwait estavam com previsão
de chegada. A inteligência israelense avaliou o dado e concluiu que isso não
modificava o balanço militar estratégico entre o Egito e Israel.
- Em maio, o ministro da
guerra do Egito visitou a Síria e no decorrer do período, ocorreram vários
encontros entre autoridades sírias e egípcias.
- Em agosto, Anwar Sadat
teve um encontro com o líder palestino Yasser Arafat e outros membros da
Organização para Libertação para a Palestina (OLP). O objetivo era de informar
a intenção do Egito de iniciar uma guerra contra Israel. O encontro foi
noticiado no principal jornal de Beirute, o Al Nahar, e divulgado,
também, paro o mundo pela Associated Press.
- Em 12 de setembro, teve
lugar no Cairo/Egito um encontro dos líderes dos países fronteiriços com Israel
(Síria, Egito e Jordânia). Ainda nesse mesmo mês, um jornal libanês publicou um
artigo que falava sobre a deterioração de material bélico soviético cedido aos
egípcios. Essa foi, certamente, uma medida de desinformação praticada
pelos egípcios contra a Inteligência israelense.
- Em 25 de setembro, dois
terroristas palestinos detiveram na fronteira Tcheco-austríaca um trem que
conduzia judeus russos de Moscou para Viena. O chanceler da Áustria Bruno Kreisky[20]
mediou a questão liberando os judeus e os terroristas. O fato causou contrariedade
à primeira-ministra Golda Meir que se encontrava em visita à Europa. Ela viajou
até Viena para protestar contra o fato, tentar rever a situação dos terroristas
e reabrir o Centro de Imigração e Trânsito de Schonau[21].
O governo israelense viu-se totalmente envolvido com essas questões. Embora até
hoje nada tenha sido provado, acredita-se que a operação tinha o objetivo diversionário.
- No dia 29 de setembro
(um domingo), o embaixador de Israel nos EUA[22]
recebeu de seu Adido Militar um informe proveniente de uma fonte classificada
como confiável de que uma grande concentração de tropas sírias havia sido
observada na fronteira norte com Israel e que um ataque era iminente. Após
comunicar o fato a Israel, de imediato, ele dirigiu-se ao Departamento de
Estado dos EUA onde teve uma entrevista com o Secretário de Estado Henry
Kissinger. Este ficou de confirmar o assunto junto à Inteligência
norte-americana. Horas depois, o embaixador recebeu uma resposta de Israel de
que essa movimentação de tropas havia sido considerada como: Um exercício de
rotina das forças sírias. O mesmo aconteceu com a resposta vinda da
Inteligência dos EUA. Assim, acredita-se que nesse episódio possa haver
ocorrido um exemplo de falsa confirmação[23].
- Em 01 de outubro, Anwar
Sadat assinou o plano de operações para o dia D, do ataque - primeiro dia do Ramadan,
06 de outubro de 1973.
Ainda nesse dia, um oficial de Inteligência do Comando Sul, capitão
Benjamin Simam-Tov apresentou ao seu chefe, Tenente-Coronel David
Gedaliah, um documento de Inteligência cujo Título era: “Movimento no Exército
Egípcio – a possibilidade de reinício das hostilidades”. Esse documento resumia
e analisava informes sobre os preparativos para a travessia do Canal de Suez.
No dia 03 de outubro, Siman-Tov enviou um segundo e mais detalhado relatório.
Nesses dois documentos, ele apresentou fatos importantes que poderiam estar em
desacordo com a qualificação de um mero exercício atribuído ao movimento das
forças egípcias. Segundo ele, a finalidade do exercício era a de camuflar as
últimas fases de preparação para a guerra.
- Entre os dias 04 e 05
de outubro ocorreu a evacuação das famílias dos militares soviéticos que
atuavam como assessores e sete dos doze navios de guerra soviéticos que estavam
em portos egípcios, também deixaram o país.
Os fatos foram
interpretados pela Inteligência israelense como uma crise nas relações entre a
URSS e o Egito.
- Ainda nas horas finais que antecederiam a guerra, a Inteligência
de Israel iria receber uma série de outros informes sobre a iminência do
conflito. Entretanto, o fato é que a mobilização geral das Forças de Defesa de
Israel (IDF) só seria ordenada em uma reunião no gabinete de Golda Meir às 08:00h
do dia 06 de outubro (sábado), depois de consultado o Diretor do AMAN General
Eliyahu Zeira[24],
oficialmente o responsável pela mobilização das reservas[25].
As 14:00h do mesmo dia, forças egípcias e sírias iniciaram o
ataque, havendo obtido a Surpresa Estratégica e, em consequência, uma
vantagem inicial no teatro de operações. Mais tarde, Israel conseguiu reverter à
situação e no dia 26 de outubro a guerra havia terminado e um acordo de armistício
foi assinado entre os beligerantes. Apesar de Israel haver saído vitorioso e
até com um maior ganho territorial, foram elevadas as perdas humanas e
materiais. [26]
FIGURA 3 – OPERAÇÕES MILITARES NO SINAI – SEGUNDA
FASE
Em 21 de novembro de 1973 foi instituída uma comissão de
inquérito que foi presidida pelo jurista Shimon Agranat e se destinava a apurar
responsabilidades pelas falhas ocorridas na previsão da Guerra do Yom Kippur.
Após reunir-se por 140 sessões e ouvir 58 testemunhas, a
Comissão Agranat expediu um relatório parcial em abril de 1974 e um final em 30
de janeiro de 1975[27].
Nesses relatórios foram pessoalmente responsabilizados os seguintes militares da
área de Inteligência e membros do governo de Israel:
- o Diretor da
Inteligência Militar (AMAN) – General Eliyahu Zeira;
- o Vice-Diretor da Inteligência
Militar – General David Shalev;
- o Chefe da Divisão de
Assuntos do Egito do AMAN - Tenente-Coronel Yonah Bendman; e
- o Chefe do Departamento
de Inteligência do Comando Sul - Tenente-Coronel David Gedaliah.
Após a divulgação do relatório parcial a primeira-ministra Golda
Meir pediu demissão do cargo, sendo seguida pelo ministro da Defesa Moshe Dayan,
pelo Chefe de Estado Maior David Elazar e pelo chefe do MOSSAD General Zvi
Zamir.
Concluímos, detalhando sinteticamente
as falhas ocorridas na Inteligência israelense:
- A organização vigente
no sistema de Inteligência de Israel impediu que o MOSSAD e o SHIN BET
participassem do processo de análise da situação que antecedeu a Guerra do Yom
Kippur. Eles atuaram apenas como coadjuvantes. A tarefa de produzir as Estimativas
Nacionais ficou apenas sob a responsabilidade do AMAN e sem uma
significativa participação dos demais serviços de Inteligência de Israel.
- O AMAN não soube
interpretar corretamente os dados e conhecimentos recebidos, mantendo sua Estimativa
desatualizada.
- Embora a quantidade de
dados e conhecimentos recebidos, especialmente no ano de 1973, tenha sido
significativa, eles não foram devidamente analisados e interpretados.
- O apego demasiadamente
rígido à Concepção Estratégica vigente, criou obstáculos à percepção da
iminente ameaça, uma vez que as intenções do inimigo eram claras. Concepções rígidas, muitas vezes levam a
percepções errôneas.
- A síndrome do falso
alarme, que consiste na repetição de alertas que não se materializam em
ação, criou um efeito de desgaste na vigilância, iludindo e confundindo as
análises da Inteligência israelense.
- O diretor do AMAN tinha
como responsabilidade dar a ordem para o início da mobilização. Isso contraria um
dos preceitos básicos da Atividade de Inteligência: Quem assessora não deve
participar do processo decisório. Essa a tarefa deveria ter ser atribuída a
uma autoridade do poder executivo.
O resultado das investigações realizadas após a Guerra do Yom
Kippur nos dá um belo exemplo de responsabilidade, seriedade, patriotismo e
respeito às instituições.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) e o Serviço de Inteligência
são duas instituições de maior prestígio em Israel, pois a perenidade do Estado
depende unicamente deles. Entretanto, suas falhas não são perdoadas. Israel só
pode escolher entre a aniquilação ou a vitória, não existe outra opção.
No presente caso, todos os militares, a maioria deles heróis da
Guerra dos Seis Dias, e que ocupavam altos cargos no governo, no IDF ou na Inteligência
foram afastados ou pediram demissão. A própria primeira-ministra Golda Meir,
uma das fundadoras do Estado de Israel, triste e envergonhada, afastou-se do seu
cargo e da vida política. Ao final, mesmo vitoriosos e com o seu território
aumentado eles não foram eximidos de culpa por haverem sido surpreendidos.
6 - CONCLUSÃO
Ao concluir o presente artigo esperamos haver mostrado a
importância da produção de Estimativas como instrumento de assessoria ao
Estado. As Estimativas não são produzidas de forma intuitiva, mas sim baseadas
em uma metodologia própria e embasadas em técnicas assessórias. Sem dúvida elas
são documentos de complexa elaboração, pois exigem muita experiência por parte
dos analistas e uma perfeita integração e harmonia entre todos os profissionais
envolvidos no trabalho. As Estimativas são, certamente, o produto mais nobre e
importante produzido pela Atividade de Inteligência, pois levam ao usuário ou
decisor uma análise prospectiva voltada para eventos futuros.
O autor é Capitão de Mar e Guerra, Membro Emérito do
Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB), Conferencista
Emérito da Escola Superior de Guerra (ESG) e Conferencista Convidado do Instituto
Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BETTS, Richard K. e
Thomas G. Mahnken. Paradoxes of Strategic
Intelligence. New York: Rooutledge, 2008.
BLACK, Ian e Benny
Morris. Israel Secret Wars. A History of
Israel’s Intelligence Service. New York: Grove Press, 1991.
DEACON, Richard. The British Secret Service. New
Work: Taplinger Publishing Co. INC, 1970.
FRIEDMAN, George. The next 100 years. New York: The
Doubleday Publishing Group, 2009.
GAUB, Florence, Predicting the Arab Spring: what we got
wrong. Jane’s Defense Weekly, 08 de
fevereiro de 2012.
GODSON, Roy, Intelligence Requirements for the 1980’s:
Analysis and Estimates. Washington, D.C.: National Strategy Information
Center, 1980.
HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Biblioteca do Exército – editora, 1977.
KUMARASWAMY, P.R, Revisiting
the Yom Kippur War. London: Frank Cass Publishers, 2005.
SHULSKY, Abram N. Silent Warfare.
Understanding the World of Intelligence. Washington: Brassey’s, 1993.
[1] No Brasil, desde 1991, o termo Informações
foi substituído por Inteligência.
[2]
Na terminologia da Atividade de
Inteligência, conhecimento são os dados já processados. Dado é todo material que
ainda não foi processado pelos analistas de Inteligência. Na língua inglesa o dado é traduzido como raw information ou raw data e conhecimento é traduzido como finished Intelligence ou simplesmente Intelligence.
[3] Sir Francis Bacon.
[4] A Comunidade de Inteligência dos EUA
foi criada em 1947 pelo National Security
Act. Ele organizou, de forma sistêmica, as diversas agências de
Inteligência que haviam atuado durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente
o Office of Strategic Services (OSS) organismo precursor da CIA.
[6] National Intelligence Estimates (NIE).
[7] O National Intelligence Council
(NIC) é um centro voltado para estudos
prospectivos. Possui treze áreas de estudos que são chefiados pessoas de
notório saber oriundos de órgãos da comunidade de Inteligência e de outros organismos
governamentais. Essas áreas de estudo são: África, Ásia Oriental, Sudeste
Asiático, Oriente Médio, Rússia e Eurásia, Europa, Hemisfério Ocidental,
Assuntos Econômicos, Assuntos Militares, Ameaças Transnacionais, Alertas,
Proliferação de Armas de Destruição Massiva e Ameaças Transnacionais.
[8] Joint Intelligence Committee (JIC).
[9] O Cabinet Office é o
departamento do governo do Reino Unido responsável por assessorar o
primeiro-ministro.
[10]
MOSSAD é o acrônimo de Ha Mossad leModi'in uleTafkidim Meyuchadim ou Instituto para Inteligência e Operações
Especiais. Esse serviço atua no Campo Externo em ações de
espionagem.
[11] SHIN
BET ou SHABAK é o acrônimo de Sherut haBitachon haKlali ou Agência de Segurança Interna de Israel. Ele atua no Campo Interno abrangendo a
contraespionagem e o contraterrorismo.
[12] AMAN
é o acrônimo de Agaf HaModiin –
lit. O
AMAN é o serviço que coordena a Atividade de Inteligência nas Forças de Defesa
de Israel (IDF).
[13] Islamic
State in Iraq and Syria (ISIS).
[14] Yom Kipur ou Kippur é um
dos dias mais importantes do judaísmo. No calendário hebreu começa no crepúsculo
que inicia o décimo dia do mês hebreu de Tishrei
(que coincide com os meses de setembro ou outubro). Os judeus
tradicionalmente observam esse feriado com um período de jejum de 25 horas e reza
intensa.
[15]
Port Said, Ismália e Suez, que
contavam com cerca de 750.000 habitantes.
[16]
Nome dado em homenagem ao
General Haim "Kidoni" Bar-Lev, herói da Guerra dos Seis Dias e que teve papel destacado na Guerra do Yom Kippur.
[17]
Concepção Estratégica é o
estudo, definição e indicação de estratégias a serem seguidas pelo Estado.
[18] Pela Doutrina Militar Soviética os
confrontos de atrito e os constantes exercícios militares junto a uma região de
fronteira ou uma Linha de Frente estabilizada faziam parte de uma estratégia de
dissimulação, cujo principal propósito era o de iludir e confundir o inimigo. Ela
foi transmitida aos egípcios pelos assessores militares soviéticos.
[19] Desinformação consiste na
manipulação planejada de conhecimentos ou dados com a finalidade de confundir
ou iludir o inimigo.
[20]Bruno
Kreisky embora filho
de um judeu era anti-sionista. Possuía muito boas relações com líderes árabes
dentre os quais Anwar
Sadat e Muamar Gaddafi. Em 1980 a Áustria estabeleceu
relações diplomáticas com o Exército de Libertação da Palestina (OLP).
[21] O Centro de Imigração e Trânsito de
Schonau destinava-se a receber judeus russos que estavam imigrando para Israel.
Lá permaneciam por alguns dias, enquanto eram entrevistados sobre sua
capacitação. Havia sido fechado por Bruno
Kreisky, atendendo a pressões árabes.
[22] Era embaixador de Israel nos EUA o
diplomata Simcha Dinitz, homem de
grande experiência em sua profissão e amigo pessoal do então Secretário de
Estado norte-americano Henry Kissinger,
também descendente de judeus.
[23] Na terminologia da Atividade de
Inteligência denomina-se Falsa Confirmação informes provenientes de
destinatários diferentes, entretanto oriundos de uma mesma fonte.
[24] O General Eliyahu Zeira havia assumido o AMAN há apenas um ano antes da
guerra e já encontrou as diretrizes de trabalho previamente estabelecidas.
Assim, decidiu aceitar a Concepção
Estratégica existente, sem se preocupar com o cotejo do fluxo de informes
que o Serviço que dirigia estava recebendo.
[25] O núcleo base do exército de Israel
já se encontrava em estado de alerta.
[26]
Israel teve 2.800
militares mortos, 8.800 feridos, 400 carros de combate destruídos e 102 aviões
abatidos.
[27] O texto completo do
Relatório Agranat (cerca de 1500 páginas) só foi tornado publico em 01 de
janeiro de 1995, exceto 48 páginas que permanecem até hoje classificadas.