ONU pede que Europa aceite 200 mil refugiados da
Síria, Iraque e outras zonas de guerra
“A Europa enfrenta
seu momento da verdade. Chegou a hora de reafirmar os valores sobre os quais
foi construída”, afirmou o alto comissário da ONU para os Refugiados, António
Guterres.
Pessoas esperam
para ter visto de trânsito temporário, perto da cidade de Gevgelija na
Macedônia, depois de atravessar a fronteira da Grécia. Foto: UNICEF/Gjorgji
Klincarov
“A Europa não pode
continuar respondendo a esta crise com uma abordagem fragmentada. Nenhum país
pode fazer isso sozinho e nenhum país pode se negar a fazer sua parte”, disse nesta sexta-feira (04) o alto comissário da ONU para os
Refugiados, António Guterres.
O chefe da Agência
da ONU para Refugiados (ACNUR) afirmou que a União Europeia enfrenta um
“momento decisivo” e divulgou um conjunto de diretrizes para apoiar os esforços
voltados para resolver a atual crise de refugiados e migrantes que a Europa
enfrenta.
Guterres ressaltou
que as chegadas ao países da União Europeia representam “o maior fluxo de
refugiados para a Europa durante décadas”, o que exige um “enorme esforço
comum” e o fim da atual abordagem fragmentada que tem levado a Europa a falhar
em sua tentativa de encontrar uma resposta eficaz a esta situação.
“Só neste ano, mais
de 300 mil pessoas arriscaram suas vidas para cruzar o mar Mediterrâneo. Mais
de 2.600 não sobreviveram a perigosa travessia, incluindo o menino de 3 anos de
idade, Aylan, cuja foto tem comovido o coração das pessoas ao redor do mundo”.
“Uma estimativa
muito preliminar indicaria uma necessidade potencial para aumentar as
oportunidades de realocação para cerca de 200 mil lugares”, recomendou. “Isso
só pode funcionar eles tiverem capacidades de acolhimento adequadas,
especialmente na Grécia. A solidariedade não pode ser responsabilidade de
apenas alguns Estados-membros da UE.”
Guterres elogiou
alguns exemplos de generosidade e de liderança moral “verdadeiramente
inspiradores” por parte de alguns países e muitos cidadãos, mas reiterou seu
apelo para uma estratégia coletiva, com ênfase na necessidade da solução dos
conflitos.
“Agora, a União
Europeia não tem outra escolha a não ser mobilizar o máximo de forças para
enfrentar esta crise. A única maneira de resolver este problema é a
implementação, por parte da EU e dos seus países membros, de uma estratégia
comum baseada em responsabilidade, solidariedade e confiança”, afirmou o Alto
Comissário.
Guterres pediu a
todos os países que respeitem as obrigações do direito humanitário
internacional e ressaltou que mesmo aqueles que conseguem chegar à costa e às
fronteiras da Europa enfrentam perigos terríveis. “Após chegarem a Europa, eles
continuam sua jornada enfrentando o caos e indignidades, exploração e perigo
nas fronteiras e ao longo do caminho”.
O Alto Comissário
da ONU para Refugiados apontou seis princípios fundamentais que, segundo ele,
devem guiar os esforços para resolver a atual crise de refugiados no continente
europeu:
1) Esta é uma crise
principalmente de refugiados, não somente um fenômeno de migração. A vasta
maioria daqueles que chegam à Grécia vem de zonas de conflito, de países como a
Síria, Iraque ou Afeganistão e está simplesmente lutando por suas vidas. Todas
as pessoas que estão se locomovendo nestas circunstancias trágicas merecem ter
seus direitos humanos e sua dignidade inteiramente respeitados,
independentemente de seus status jurídico.
2) A Europa não
pode continuar respondendo esta crise com uma abordagem fragmentada. Nenhum
país pode fazer isso sozinho e nenhum país pode se recusar a fazer a sua parte.
Não é nenhuma surpresa que quando um sistema não é balanceado e funcional, tudo
fica bloqueado quando a pressão aumenta. Este é um momento decisivo para a
União Europeia, que agora não tem outra escolha a não ser mobilizar forças para
solucionar esta crise. A única maneira de resolver este problema seria União
Europeia e todos os seus países membros implantarem uma estratégia comum,
baseada em responsabilidade, solidariedade e confiança.
3) Concretamente,
isso significa tomar medidas urgentes e corajosas para estabilizar a situação
e, em seguida, encontrar uma maneira de verdadeiramente compartilhar a
responsabilidade no médio e longo prazos. A UE deve estar pronta, com a permissão
e em apoio aos governos mais afetados – principalmente a Grécia, a Hungria e a
Itália – para implementar um acolhimento de emergência adequado, com
assistência e capacidade para registrar estas pessoas.
4) Pessoas que
tenham uma solicitação de refugio válida, nesta triagem inicial, devem ser
beneficiadas por um massivo programa de realocação, com a participação
obrigatória de todos os Estados-membros da UE. Uma estimativa preliminar indica
a necessidade de realocar até 200 mil pessoas. Isso só poderá funcionar se for
adotado em conjunto com um sistema de acolhimento adequado, especialmente na
Grécia. A solidariedade não pode ser responsabilidade de apenas alguns dos
países membros da UE.
5) Aqueles que não
precisam de proteção internacional e que não podem se beneficiar de
oportunidades de migração legal devem ser ajudados a voltar rapidamente para
seus países de origem, com o total respeito de seus direitos humanos.
6) Os únicos que se
beneficiam com a falta de uma resposta comum da União Europeia são os
contrabandistas e traficantes que estão lucrando com o desespero das pessoas em
busca de segurança. É necessária uma cooperação internacional mais efetiva para
reprimir os contrabandistas, incluindo aqueles operando dentro da União
Europeia, mas de maneira que permita a proteção das vitimas. Mas nenhum desses
esforços será efetivo sem que sejam abertas mais oportunidades para pessoas
virem legalmente para a Europa e encontrar segurança em sua chegada. Milhares
de pais refugiados estão arriscando as vidas de seus filhos em embarcações
inseguras de contrabandistas e traficantes principalmente porque não têm outra
escolha. Países europeus e governantes em outras regiões devem expandir o
reassentamento e aumentar quotas de admissão humanitárias, implantar programas
de vistos, de bolsas de estudo e outras formas que permitam uma entrada legal
na Europa. A reunião familiar deve tornar-se uma realidade e uma opção
acessível para muito mais pessoas do que é atualmente. Se estes mecanismos
forem expandidos e feitos de maneira mais eficiente, podemos reduzir o número
de pessoa que são forçadas a arriscar suas vidas no mar.
Para o chefe do
ACNUR, esta situação exigirá uma séria reflexão sobre o futuro, pois tal fluxo
massivo de pessoas não irá parar até que as causas do deslocamento sejam
abordadas. Muito mais deve ser feito para prevenir conflitos e parar as guerras
em curso que estão afastando tantas pessoas de suas casas. Os países vizinhos a
zonas de guerra, que abrigam 90% dos refugiados ao redor do mundo, devem ser
apoiados fortemente, inclusive financeiramente. Ao mesmo tempo, é também
essencial que as políticas de cooperação para o desenvolvimento sejam
reorientadas com o objetivo de dar as pessoas a oportunidade de ter um futuro
em seus próprios países.
“A Europa enfrenta
seu momento da verdade. Chegou a hora de reafirmar os valores sobre os quais
foi construída”, afirmou Guterres.