terça-feira, 31 de março de 2015


'Homem do Ano' é um perigo

Se considerasse os antecedentes, o ministro Levy deveria pensar duas vezes antes de aceitar a comenda do Council of the Americas

Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está brincando com fogo. E não se pense que corre risco por causa das declarações polêmicas que costuma fazer e que o obrigam a redigir apressados desmentidos, como aconteceu neste fim de semana. A ameaça vem de uma honraria que ele receberá da entidade Americas Society and Council of the Americas. Recebido como o técnico capaz de corrigir o rumo da economia brasileira, devolvendo-a aos cânones liberais, Levy, recentemente incensado pela revista inglesa “The Economist”, será homenageado pelos executivos norte-americanos com o título de “Homem do Ano”.

A premiação pretende servir de contraponto aos ataques que o ajuste fiscal vem sofrendo por parte de parlamentares e economistas à esquerda. Com a solenidade, marcada por um jantar em Nova York, o mundo de negócios quer deixar claro que aposta todas as fichas em Levy, ex-aluno da Universidade de Chicago.

Em princípio, o prêmio do Council of the Americas deve deixar o ministro envaidecido e orgulhoso. Afinal, Levy vive o momento mais alto de sua trajetória profissional. Mas, se considerasse os antecedentes, ele poderia pensar duas vezes antes de aceitar a honraria. Houve um tempo em que o título de “Homem do Ano”, concedido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, tornou-se sinônimo de maldição. Uma espécie de caveira de burro. Toda vez que se falava na homenagem eram citados os casos de dois brasileiros que caíram em desgraça depois da festança em Manhattan: Ernane Galvêas e Mário Garnero. Presidente do Banco Central e ministro da Fazenda no governo João Figueiredo, Galvêas conquistou o “Man of the Year” em 1983, durante as negociações da dívida externa com o FMI. Logo depois, foi acusado de desviar um avião de passageiro para desembarcar em Brasília e nunca mais recuperou o prestígio.

O empresário Mário Garnero, próximo a Galvêas e Delfim Netto, construiu entre os anos 70 e 80 um conglomerado financeiro, o Brasilinvest. Despachava em salas panorâmicas, do alto de imponentes torres que mandou erguer na av. Faria Lima, no coração de São Paulo. Em 1983, recebeu em Nova York o prêmio “Special Merit Award”, concedido pela American Chamber of Commerce, e também o de “Homem do Ano”. Com a economia em crise, o negócio fez água e, em 1985, Garnero foi acusado de desviar US$ 95 milhões, dos clientes de seu banco para contas fantasmas. Em março, o Banco Central decretou a intervenção no Brasilinvest e, em setembro, veio a falência. Na história da honraria, há exemplo ainda pior: o do vice-presidente do Morgan Guaranty Trust, Antonio Gebauer. De origem venezuelana, Tony Gebauer foi representante dos bancos estrangeiros na negociação da dívida externa brasileira em 1983. Amigo de homens públicos e de empresários nacionais, gostava de charutos e usava suspensórios coloridos. Era quase um socialite. Até que, em 1985, foi acusado de desviar US$ 6 milhões de contas de correntistas. O simpático e fanfarrão Tony passou oito anos na prisão.

Ao receber a mesma comenda em maio de 2013, no Waldorf Astoria, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez mossa quando foi informado sobre a maldição. “Sou um homem de muita fé”, disse Coutinho ao colunista Giba Um. Pelo visto, o ministro Joaquim Levy também não acredita no azar. Então, boa sorte para o mais novo “Man of the Year”.