quinta-feira, 2 de abril de 2015


O canto da sereia em mandarim

A mídia chinesa diz que que o 1º empréstimo será para construir uma linha ferroviária entre Pequim e Bagdá, no Iraque, onde 25 empresas da China atuam nos setores do petróleo e eletricidade

Florência Costaflorencia.costa@brasileconomico.com.br

No dia 24 de outubro do ano passado, no suntuoso salão do Povo, na Praça Tiananmen, em Pequim, o presidente Xi Jinping posou para uma foto oficial com representantes de 21 nações asiáticas: foi um registro do nascimento do “Banco Mundial Chinês”, como foi apelidado o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investment Bank, AIIB na sigla em inglês). Os chineses fizeram tudo ao seu estilo. Silenciosos, sem alarde, há 18 meses vinham costurando a rede mundial de apoios à instituição. Há cinco meses, poucos imaginavam a enxurrada de pedidos para entrar no banco, cuja sede será em Pequim e que terá um fundo de US$ 100 bilhões (com o aporte inicial da China de US$ 50 bilhões) para investir na Ásia. Mais ainda, quem adivinhava que as principais economias europeias bateriam à porta de Pequim e pediriam licença para entrar? O AIIB foi um grande golpe à diplomacia dos Estados Unidos, que desde o primeiro minuto tentou minar a iniciativa, buscando convencer os aliados a não ouvirem o irresistível canto da sereia em mandarim.

Há séculos os chineses cultivam o “Guanxi”: uma rede de relacionamentos que mede a influência das pessoas. Não há sucesso na vida sem isso, seja no plano pessoal ou dos negócios. O presidente Xi Jinping revelou o poder do seu “Guanxi” global em meados de março, quando a Grã-Bretanha, grande aliada de Washington, solicitou sua entrada na instituição. O gesto britânico abriu as comportas. Uma enxurrada de países pediram passagem, inclusive Alemanha, França, Itália, Austrália e Coreia do Sul, além do Brasil.

Como o prazo para o ingresso como Estado-membro expirava na terça, Israel e até a República de Taiwan fizeram pedidos de última hora. O mais surpreendente, noticiou a agência “Xinhua” na quarta, é que a China aceitou a participação da ilha que serviu como refúgio dos governantes chineses após a vitória dos comunistas em 1949 e não é reconhecida como Estado por Pequim.

Circularam notícias de que até o Japão — grande rival da China — poderia entrar no barco também. Mas, na terça, o ministro das Finanças japonês, Taro Aso, disse que até se ter certeza dos padrões de funcionamento do AIIB, o Japão manteria a cautela. Até terça, 49 países pediram para ingressar como Estados-membros. A China, até então, havia aprovado 30. A lista final será revelada até meados de abril. Depois disso, outros países que quiserem entrar poderão ser membros comuns. No final do ano, o AIIB sairá do papel.

Já há instituições de empréstimos influenciadas pela China, como o chamado “Banco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), oficialmente Novo Banco de Desenvolvimento, cuja sede será em Xangai, com capital inicial de US$ 50 bilhões e poder de voto igualitário entre os cinco membros.

Há muitas perguntas sobre quem receberá empréstimos e que tipo de empresas serão beneficiadas com eles. As autoridades chinesas não têm sido claras sobre isso. Mas a presença dos europeus está sendo vista como uma garantia contra os “riscos de opacidade” na atuação da entidade. Paris e Berlim condicionaram a sua participação a uma “boa governança”. A própria imprensa chinesa disse que Pequim abandonou o direito de veto nas decisões do banco para tranquilizar os ocidentais. Jin Liqun, o homem responsável pela organização da instituição, disse que ela vai seguir os padrões internacionais e que a China não vai agir como o “Big Brother.”

A mídia chinesa já começou especular sobre qual projeto terá o primeiro empréstimo. O “International Finance News”, ligado ao oficial “Diário do Povo”, apostou em uma linha ferroviária ligando Pequim a Bagdá. Mais de 25 empresas da China operam nos setores de petróleo, energia e eletricidade no Iraque: 10 mil chineses trabalham no conturbado país do Oriente Médio.

Um “livro amarelo” publicado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais em 2007 já dizia que o papel do país havia mudado: de opositor do sistema internacional, a China havia passado a ser um participante, sugerindo reformas e apoiando o sistema. Pequim e os outros integrantes dos Brics vêm pedindo há tempos reformas no Fundo Monetário Internacional(FMI) e no Banco Mundial (BIRD), dominados pelos EUA, para que os países emergentes tenham mais voz em suas decisões. Essas demandas têm sido ignoradas por Washington.

Long Yongtu, que serviu como negociador-chefe da China para a entrada na Organização Mundial do Comércio (em 2001) comentou que Pequim colocou o projeto do AIIB no forno por dois motivos. Um é a estagnação das reformas do sistema mundial de financiamento. O outro é que as demandas dos países asiáticos por infraestrutura vão além da capacidade das atuais instituições.

A Ásia precisa de US$ 8 trilhões até 2020, segundo o próprio Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), criado em 1966 com capital de US$ 165 bilhões. Com sede em Manila, o BDA, integrado por 67 membros, é dominado pelo Japão (com 15,7% das cotas de votação no Conselho Executivo) e pelos EUA (com 15,6%). A China, segunda economia mundial, atrás dos EUA, mas à frente do Japão, tem apenas 5,5%. A outra instituição rival do AIIB é o BIRD, sediado em Washington, com um capital de US$ 223 bilhões, 188 membros, mas sob total influência americana: os EUA têm 16% das cotas de votação, o Japão, 8,9% e a China, 5,8%.

Em um recente editorial, o jornal americano “The Boston Globe” afirmou que “os EUA deveriam procurar abraçar a mudança de uma forma produtiva”, envolvendo a China mais profundamente em organismos multilaterais como o BIRD, o FMI e o BDA. Seria uma maneira de assegurar uma China mais cooperativa. Ao tentar boicotar o AIIB, os EUA queriam provar que ainda tinham a capacidade de “isolar” Pequim. Mas Washington esqueceu que Pequim ingressou no caminho da globalização já há 36 anos. Construída pelo imperador Qin Shi Huang (259-210 a.C) para afastar invasores, a Muralha da China do século XXI tem demonstrado um incrível poder de atração para os estrangeiros.