BC
independente é uma patetada", diz Maria da Conceição Tavares
Para a economista, não se pode culpar o Banco
Central por ter metas contraditórias: eleva juros para combater a inflação e
valoriza o real, criando uma barreira para a indústria
marcelo.loureiro@brasileconomico.com.br , Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br e Paulo Henrique de Noronhapaulo.noronha@brasileconomico.com.br
Maria da Conceição Tavares dispensa apresentação. Aos 84 anos, a maior
economista do Brasil continua tão aguerrida quanto na época da ditadura
militar, quando atacava sem piedade o modelo econômico. Se desaprova um conceito
ou ideia, usa expressões demolidoras. “É uma patetada!”, exclamou por duas
vezes nesta entrevista ao Brasil Econômico . Na primeira, ao
atacar os que pedem a substituição do ministro Guido Mantega, como solução aos
problemas da economia. “O ideal é trocar o lençol da cama, é isso?”, ironizou.
Na segunda, usou para rejeitar a pressão pela independência do Banco Central:
“Independente não quer dizer porcaria nenhuma!”, bradou, ressaltando que nem
mesmo nos Estados Unidos o Fed tem autonomia.
Em sua opinião, o BC de Alexandre Tombini está trabalhando com
metas contraditórias: eleva a taxa de juros para combater a inflação, e promove
a apreciação do real, prejudicando o crescimento da indústria. “Com o dólar no
nível atual, é difícil completar as cadeias industriais, porque o cenário
provoca uma ‘dessubstituição’ das importações”. Petista de coração, diz que “a
situação não está nenhuma maravilha, mas não há razão para um pessimismo
negro”. Conta que a presidenta Dilma Rousseff “é uma mulher muito inteligente,
mas o pessoal implica porque ela é meio brusca. Eu também sou”. Conceição não
vê qualidades nos adversários de Dilma. E fulmina a proposta de Eduardo Campos
de reduzir a meta da inflação para 3%: “Isso é uma maluquice! Obviamente, ele
não entende porcaria nenhuma de economia...”.
A visão no exterior sobre a economia brasileira é bastante
crítica. Fala-se de desequilíbrio fiscal e inflação fora de controle, batendo
no teto. O governo rebate e diz que o pessimismo é exagerado. Como a senhora vê
o cenário atual?
O quadro não é esse. Não há nenhum desequilíbrio fiscal. Tem uma
meta de superávit fiscal enorme, que, aliás, eu acho exagerada, de 1,9% do PIB.
Querem o que mais? O ciclo de crescimento desacelerou, não há necessidade de
fazer uma política fiscal mais austera ainda. O ciclo reverteu de 2002 até
agora, o dinamismo dele está se esgotando. O consumo está mais ou menos no
patamar esperado, com o alargamento entre as classes mais baixas. O
investimento está no mesmo nível de 2002, em valores absolutos, e ele precisa
aumentar um pouco. Mas o problema maior que eu vejo é com o balanço de
pagamentos.
Por que, professora?
É muito difícil fazer uma política para reverter a situação do
balanço de pagamentos porque a desvalorização do dólar foi definida pelos americanos.
Não fomos nós que colocamos o câmbio no patamar atual. A política é deles. Os
americanos estão se defendendo às custas dos demais. Sobre a inflação, eu acho
que está em alta por causa dos bens de consumo, como os alimentos.
A srª acha que a inflação pode cair rapidamente, como
acredita o governo?
Claro! Com uma alta baseada nos alimentos, basta que a seca
diminua para os preços voltarem a cair pelo aumento da oferta.
Mas o governo tem aumentado a taxa de juros como principal
arma de combate à inflação. A srª acha que esse é um mecanismo correto?
O problema é que não sei bem se a alta dos juros é apenas para
conter os preços. Parece ser também para atrair capitais. O investimento direto
estrangeiro não está crescendo, e metade do que tem chegado ao Brasil tem ido
para os títulos da dívida pública. Então, a impressão é a de que o governo
tenta atrair capitais para fechar o rombo de pagamentos. O balanço de
pagamentos tem um problema grave, de natureza estrutural, que, para ser
corrigido, seria necessário o Congresso votar uma reforma fiscal. No governo do
Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2003), ele tirou os impostos sobre as
remessas de lucros ao exterior. Não tem imposto algum e a empresa pode
registrar o lucro que bem entender. O resultado é que a remessa de lucros tem
crescido desvairadamente. Com o dólar desvalorizado, mais as viagens ao
exterior crescendo e outras forças, a conta “Serviços” da balança comercial
está toda desequilibrada, entendeu?
E a elevação da taxa de juros seria uma tentativa de
corrigir esse problema?
De corrigir, não! Mas, sim, de permitir fechar o balanço de
pagamentos final sem que haja déficit. É para tapar a brecha das transações
correntes.
Mas, voltando à inflação alta, a srª considera que é
apenas uma questão sazonal?
Acho que é sazonal, sim, provocada pelos alimentos. Não é uma
alta forçada pelos bens de capital, pelos bens de consumo em geral. Temos uma
pressão específica nos alimentos, que vêm subindo muito.
Em entrevista recente ao Brasil Econômico, o economista
Luiz Gonzaga Belluzzo também apontou nessa direção e firmou que a inflação hoje
no Brasil é muito mais pelo lado da oferta, e nem tanto pela demanda.
Mas é, uai! Estamos com um problema de oferta, principalmente
devido à escassez de alimentos, porque a seca que vivemos é brutal. O efeito da
estiagem também tem complicado a situação do setor de energia. Mas o problema é
fundamentalmente de oferta. Não há nenhum descontrole de inflação de demanda.
Nenhuma das componentes de pressão, como o investimento, o consumo, nem as
exportações, cresceram além do que era esperado. Pelo contrário, têm se
expandido até pouco.
Ao mesmo tempo, professora, se diz que o aumento de renda
da população provocou uma demanda maior sobre os bens de consumo básico.
Pois é, e se não há oferta elástica, como visivelmente não tem,
a consequência é dar um impulso nos preços para cima. O ponto que defendo é que
esse movimento se corrigirá.
Outro problema muito falado por economistas e empresários
é a questão da indústria. Ela não tem crescido. A que se deve
atribuir esse mau desempenho?
Está claro: nós temos tido um câmbio sistematicamente sobrevalorizado.
Com o câmbio como está, é muito difícil a nossa indústria enfrentar a
concorrência das importações. Já começou no governo FHC e será muito difícil de
reverter. Claramente, só a isenção fiscal para alguns setores não resolve.
Precisamos de uma política industrial mais ampla.
Então, os incentivos setoriais não funcionam?
Durante um certo momento funcionaram, mas o mercado para
automóveis e produtos da linha branca, por exemplo, está saturado. As cidades
estão entupidas de carros e também não há mais onde colocar carros no mundo.
Acho que a recuperação da indústria não virá pela via dos bens duráveis,
entendeu? Devemos recuperar pelo lado dos bens não duráveis. A estratégia
central, eu acho, é levantar um pouco a taxa de investimentos, ver se acelera
mais as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A previsão para o PIB este ano está sendo revista para
baixo. Na semana passada, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) refez sua projeção de crescimento de 2,2% para 1,8%. A
projeção do mercado financeiro é menor, algo perto de 1,6%. Por que isso?
As previsões mais baixas vêm desde o ano passado. É a indicação
de esgotamento de um ciclo. Não é uma crise propriamente dita, ou uma recessão;
é uma desaceleração do crescimento mesmo. Para voltar a acelerar, tem de forçar
a taxa de investimento para cima, é a única componente que pode dar resposta à
dinâmica. O crédito não vai resolver mais: já foi emprestado o que precisa e
não há restrição de crédito.
Que mecanismo pode se utilizar para melhorar a taxa de
investimento?
Acelerar os projetos do PAC, com os programas de infraestrutura.
Mas o governo parece não ter abandonado a via do crédito.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comentou recentemente que tem tentado
convencer os banqueiros a facilitar o acesso dos consumidores ao crédito.
Sim, mas ele vai convencer os banqueiros de quê? Com essa taxa
de juros e com a demanda como está? Banqueiro lá se convence com argumento?
Eles estão é ganhando dinheiro... A escassez para eles é ótima para ganhar
dinheiro. Estão com uma taxa de lucro ótima e não estão nada preocupados. Por
isso, digo que só por esse caminho não vamos voltar a crescer como antes. Temos
de melhorar a taxa de investimento. Não que esteja muito baixa, mas tem de
subir de alguma maneira.
Sempre se diz que a taxa de investimento no Brasil, em
torno de 18% do PIB, deveria se aproximar de 22%. Mas nunca se chegou lá. Esse
objetivo continua de pé?
Pois é... não chega, mas precisa chegar. A linha de maior dinamismo
para a recuperação é por aí. Completando os programas de investimento em
infraestrutura que estão programados, o país resolve não só os problemas de
estrangulamento, como também os de demanda.
Os críticos dizem que a matriz de crescimento que se baseia
no consumo está vencida, não traz mais efeitos positivos como há alguns anos.
Essa visão é correta?
O governo não adotou apenas o incentivo ao consumo. A taxa de
investimento foi mantida. O que defendo é que ela precisa acelerar. Realmente,
essa matriz se esgotou; o consumo foi acelerado ao máximo. E também já houve a
incorporação das classes mais baixas, com os programas sociais pesados que o
governo tem feito. Por isso que eu digo: dada a rigidez da oferta de alimentos
e a estagnação no consumo de bens duráveis, o que resta para estimular é o
investimento, está claro?
O novo ciclo seria, então, o do investimento?
Sim, primeiramente na infraestrutura e depois tentar remendar as
cadeias produtivas da indústria. Mas, para tanto, é preciso que a taxa de
câmbio melhore. Com o dólar no nível atual, é difícil completar as cadeias
industriais porque o cenário provoca uma “dessubstituição” de importações,
quando o que precisamos agora é o contrário. Então, eu vejo uma barreira pelo
lado do câmbio, desfavorável, que para se consertar não depende só de nós. A
desvalorização do dólar foi provocada pelos Estados Unidos! Não foi pela nossa
taxa de juros, nem por nada que fizemos por aqui. O investimento, super
bem-vindo, tem de acelerar. Mas o PAC está indo muito lento, não é...
Há gente, principalmente no exterior, defendendo que se
mude o ministro da Fazenda. A srª acha que essa sugestão faz sentido?
Ai, ai... essa é ótima. O ideal é trocar o lençol da cama, é
isso? Ao invés de arrumar a infraestrutura, troquemos os lençóis da cama? Mas
que patetada! Eu não acho que é isso. Estou lhe dizendo que é estrutural, poxa!
Já dei os argumentos do que eu acho que se passou e o porquê de ter acontecido.
Isso, não há nenhum ministro da Fazenda que seja capaz de reverter. Não é algo
que o sujeito chegue lá, dê um bafo, e o ciclo se reverte. É um projeto
trabalhoso, vai levar um certo tempo. Mas é possível reverter, porque nós não
estamos em recessão. Não estamos mais em 2009, quando houve aquela crise
mundial que nos atingiu. Outra coisa que se precisa ver é que a renda não está
caindo. Muito pelo contrário, tanto assim que o lado da demanda vai bem.
Como a srª citou, os EUA estão retirando os incentivos
monetários e ameaçam elevar as taxas de juros. Esse desmonte da política de quantitative easing é perigoso para o Brasil?
Olha, tenho a impressão de que os Estados Unidos deram uma
guinada tão violenta agora que não é provável que façam outra, até porque
prejudicaria todo o mundo, não apenas nós. A China também não está achando
graça nenhuma.
Mas o Federal Reserve (Fed, o banco central
americano), está falando em elevar os juros já no próximo ano.
Eu sei. Eles estão salvando os bancos deles. O resto do mundo
dança a valsa. E isso ninguém pode impedir, porque o banco central americano é
o banco dos bancos, não é independente como se imagina. Ele depende dos bancos,
e como eles queriam melhorar suas posições porque estavam com ativos podres na
carteira, os Estados Unidos fizeram o programa de expansão da liquidez
exatamente para comprar esses títulos ruins. O Fed fez essa política e aí ficou
difícil. Talvez pudéssemos fazer uma política cambial mais ativa, não sei.
Penso nisso porque não há muito espaço no campo fiscal. Pelo lado monetário
também não dá, porque subir a taxa de juros não melhora o câmbio, pelo
contrário. Veja que essa medida usada para combater a inflação desvaloriza a
cotação do dólar e atrapalha a recuperação da indústria. Os juros não podem
subir indefinidamente. Não bastassem as razões externas, temos também as internas.
Pesquisas recentes feitas com empresários apontam um
pessimismo muito grande por parte deles. Com esse cenário, haverá razão para
eles investirem?
Eles não estão dispostos porque as importações estão abertas. O
cara investe na produção para ver os chineses, os americanos e quaisquer outros
invadirem o país com importações. É prejuízo, expectativa de lucro baixa...
Seria o caso de aplicar um instrumento de defesa, como
sobretaxar de alguma forma as importações?
Sobretaxar seria legal, sabe... Mas não é ortodoxo. Eu sou a
favor, mas porque não sou ortodoxa (risos). Sou, sim, a favor de um controle de
importações. Acho que está demais, uma esbórnia. Mas antes disso, eu sou a
favor de tributar a remessa de lucros, está claro? São dezenas e mais dezenas
de bilhões de dólares, o que é um disparate.
A atuação do BC, com rações diárias de contratos de
dólares mais a elevação da taxa de juros, poderia ajudar a reanimar a
indústria?
Não mesmo! O BC não está agindo de uma maneira contracíclica. A
política atual é pró-cíclica. O ciclo de crescimento desacelerou e o BC está
ajudando a desacelerar. Subir a Selic não vai incentivar o investimento,
tampouco a demanda, está claro?
Mas há indicações de que o BC deve seguir com o ciclo de aperto
monetário na próxima reunião do Copom.
Ah, eu por mim acho que já chega, porque essa política monetária
já fez o que deveria ter sido feito. Agora, não tem que subir. É esperar que a
inflação reverta naturalmente.
A srª concorda com a política de meta de inflação?
Depende de onde se bota a meta. Em princípio, ainda estamos
abaixo do teto, não o estouramos. Não precisa ficar tão nervoso, não é? Não
fico nervosa. A meta é uma invenção que foi feita e que não se volta mais
atrás. Mas não é o meu ideal de política monetária.
Como a srª vê a posição dos que defendem a independência
do Banco Central?
Ai, isso é outra patetada... Eu me cansei. Não há nenhum banco
central independente, meu bem! O dos Estados Unidos, que devia ser o paradigma,
não é independente, como é que o nosso seria? Independente quer dizer o que,
hein? Não quer dizer nada. Independente do governo? Do mercado? Das metas da
política econômica? Independente não quer dizer porcaria nenhuma! O BC tem é
que tentar agir de uma maneira coerente. Agora, quando ele tem metas
contraditórias, como conter inflação e fazer uma política cambial mais ativa,
fica difícil culpar o BC. E olha que o presidente atual (Alexandre Tombini) é
um cara bom, respeitável. Não é o caso de mudar nada. O problema é que a
situação está meia de bico nesse caso particular, um problema de curto prazo
atrapalhado, acho que não dura muito. Estou moderadamente otimista.
A srª acredita que a economia brasileira voltará a crescer
em 2015?
Volta, mas não aos níveis que cresceu no passado. Temos uma
crise mundial ainda sendo digerida. Mas o fato de o país continuar forte em
emprego, salário e renda para as classes trabalhadoras é um alívio, rapaz.
Lembre quantos anos passamos sem isso. Houve anos em que a economia brasileira
cresceu muito, sem que tenham crescido os salários e a renda das famílias.
Ninguém come PIB como eu já disse, precisa ter renda e salário. Isso está sendo
mantido. Espero que não façam nenhum disparate com o salário mínimo.
A inflação alta está chegando até a mesa das pessoas. A
srª acha que o aumento de preços dos alimentos pode prejudicar a reeleição da
presidenta Dilma?
Não acho não, porque não vejo quem vá fazer melhor. Você já viu
algum programa bacaninha? Algum dos candidatos da oposição tem algum projeto
maravilhoso que eu não saiba da existência dele? Que eu saiba, eles não têm
programa nenhum. O nosso, ao menos já é conhecido. Já tem 12 anos de
experiência. A oposição não está propondo nada. Criticar, bater no tambor é
fácil. Agora, não vi nenhum dos dois candidatos propor nada.
O ex-governador Eduardo Campos apresentou a proposta de
baixar a meta de inflação para 3%...
Ai, que maravilha! Isso é uma maluquice! A meta está em até 6,5%
e ele propõe cortar pela metade! Bom, o Eduardo Campos obviamente não entende
porcaria nenhuma de economia. Não é o caso da presidenta Dilma, que foi uma
aluna brilhante minha.
Como era a aluna Dilma Rousseff?
Ela fez doutorado lá em Campinas (na Unicamp). É uma mulher
muito inteligente. O pessoal às vezes implica porque ela é meio brusca. É o
estilo dela. Eu não posso falar nada, porque também sou... de maneira que não
tenho como criticar. Sobre a reeleição dela, estou otimista. Não está nenhuma
maravilha a situação, mas não há qualquer razão para um pessimismo negro,
porque os outros candidatos não são nenhuma Brastemp, ou são?
Com o fechamento do ciclo de crescimento e a indústria
patinando, a srª acredita que a taxa de desemprego pode subir e sair desse
nível historicamente baixo?
Não, porque a taxa de desemprego está muito ligada aos serviços,
e nem tanto à indústria. Os serviços é que estão segurando o PIB, o emprego. É
o que está segurando tudo. O Brasil hoje tem uma economia de serviços mais
desenvolvida.
A pauta de exportação do Brasil está voltando a ficar
muito dependente das commodities. Isso é bom para o país?
Como não seria bom para o país? Deixar de exportar commodities
quando somos o número 1 do mundo, com produtividade altíssima e tecnologia de
alto nível, não teria nem pé nem cabeça. Exportamos mais do que café,
atualmente. Quero saber o que os críticos querem que exportemos no lugar dos
produtos do agrobusiness. Querem que exportemos gente?
É possível ter uma pauta mais diversificada?
Ela é diversificada, tanto no setor primário quanto no
secundário. O problema é que o segundo está muito pequeno pela falta de
competitividade da indústria. Com essa taxa de câmbio, fica difícil exportar
produtos industriais, bem como investir. Sem investimento, fica ainda mais
penoso.