China
potência: custos, oportunidades e incertezas
Para o Brasil, são enormes as possibilidades que se abrem na
China— em termos comerciais, de investimento estrangeiro e de cooperação
cientifica e tecnológica
Rogério Studart – Jornal BrasilEconômico
São pelo menos três custos que a China teve de pagar pelo seu
sucesso. O primeiro é o aumento da desigualdade, conforme demonstra um artigo
de dois sociólogos (Yu Xie e Xiang Zhou) da Universidade de Michigan, publicado
pela National Academy of Science (pnas.org). Segundo os mesmos, hoje em dia ela
supera aquela dos Estados Unidos — que, por sua vez, notoriamente vinha
crescendo antes da crise de 2008 e muito mais ainda depois da mesma. Como
descrevi nesta coluna na semana passada, mesmo nos países desenvolvidos onde o
individualismo e a cobiça foram vendidos nas ultimas décadas como virtudes, o
alto grau de desigualdade está sendo questionado nas mídias, e especialmente
nas ruas. Imagine-se em um país cujo discurso sobre as virtudes do socialismo e
do coletivismo ainda fazem parte do inconsciente coletivo.
O segundo custo é o da deterioração ambiental, que afeta a todos
os chineses — mas diretamente àqueles que vivem nas principais zonas urbanas de
alto crescimento. O problema hoje já é tido como uma ameaça gravíssima de saúde
pública — os níveis de poluição do ar param as megacidades chinesas constantemente,
enquanto cerca de 60% da água subterrânea da China está poluída para consumo
sem um tratamento prévio; e mais de 16% do solo têm níveis de contaminação
elevados, sendo que mais de 82% desta área contaminada possui poluentes
inorgânicos tóxicos (como cadmio, mercúrio, arsênico e chumbo). Mas também
colocam em xeque os limites do crescimento econômico futuro, já que a
degradação ambiental representa redução dos recursos naturais internos, em
muitos casos irreversível.
O terceiro custo da rápida ascensão ao pódio de potência
econômica resulta dos outros dois citados (desigualdade em alta e degradação
ambiental): um crescimento preocupante da tensão política. Por exemplo, segundo
Yukkon Huang, do Carnergie Endowment for International Peace, um dos mais importantes
think
thanks de relações internacionais nos Estados Unidos, entre 1993 e
2009 o número de protestos populares ao ano subiu de cerca de 10 mil para algo
em torno de 160 mil.
Não é por outra razão que o último plano decenal do governo
chinês — definido a partir do terceiro plenário da reunião do Partido Comunista
Chinês (PCC) no fim do ano passado — tem quatro grandes metas: promover um
crescimento com ampliação do papel do setor privado e maior produtividade;
reduzir as desigualdades de renda entre regiões e entre áreas urbanas e rurais;
manter estabilidade política e a capacidade do PCC em promover esta transição;
e reverter o quadro de degradação ambiental. São tarefas não só cruciais, mas
complexas (potencialmente desestabilizadoras) dentro dos atuais parâmetros de
organização econômica e política.
Para ilustrar a última mensagem, basta um exemplo.
Primeiramente, para manter o crescimento inclusivo alto (que passa
necessariamente por aumento dos salários reais acima do crescimento do PIB), as
autoridades apostam em aumentar a produtividade – por dois caminhos. O primeiro
envolve a ampliação da participação dos mercados na definição de preços de bens
e dos fatores, o que implica reduzir o número e o tamanho de empresas públicas
— que ainda são dominantes, especialmente na indústria pesada. Essas empresas
foram sistematicamente instrumento de políticas de transformação industrial, e,
mais recentemente, de políticas contracíclicas. São também as empresas que,
devido ao enorme aumento de investimentos dos últimos anos, sofrem de excesso
de capacidade e queda de rentabilidade. Como se espera atrair investimentos
privados dentro deste quadro?
O segundo caminho envolve o aumento da produtividade dos
trabalhadores das áreas rurais. Isto poderia ser obtido promovendo migrações
substanciais de trabalhadores das áreas rurais para as urbanas. Nessas últimas
se concentram não só os setores econômicos mais produtivos, como também o
acesso a melhores escolas – especialmente para os filhos de migrantes. O
processo já vem ocorrendo, porem é sistematicamente reprimido. E há alguma
lógica (mesmo que perversa) nas restrições à mobilidade demográfica: numa nação
de 1,4 bilhões de habitantes e onde o desenvolvimento tem se concentrado em um
número relativamente limitado de megacidades, permitir o livre fluxo humano
tende a gerar enormes problemas urbanos (que nós brasileiros conhecemos bem),
agravar a demanda por recursos crescentemente escassos (água e terra) e, por
fim, aumentar a insatisfação social.
O fato de a China estar se tornando uma potência implica,
portanto, oportunidades — e também maiores incertezas. Para os chineses, a
opção da sua liderança política de reformar o sistema econômico e político
permite vislumbrar uma China ainda mais próspera, com maiores oportunidades
para todos, e, especialmente, mais aberta politicamente. Para o mundo,
apresenta um sinal de esperança de que a perda de dinamismo das economias (até
o momento) centrais seja mais do que compensado por uma China potência nas
próximas décadas. Para o Brasil, uma nação que já tem uma experiência
reconhecida em inclusão socioeconômica e sustentabilidade ambiental, e uma
parceira consolidada dentro dos Brics, são enormes as possibilidades que se
abrem — em termos comerciais, de investimento estrangeiro e de cooperação
cientifica e tecnológica. Porém, o caminho para uma “sociedade harmoniosa” será
inevitavelmente um processo de “destruição criativa”, que, se não for
cuidadosamente levado a cabo, pode acabar gerando mais tensão política interna,
e ainda maiores incertezas econômicas para o resto do mundo.