Gás de xisto esbarra em
regulação e equipamento
Mesmo com
descobertas já anunciadas, incertezas regulatórias e alto custo dificultam
desenvolvimento de jazidas não convencionais de óleo e gás no Brasil
Nicola Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.br
Rio - Com uma descoberta de gás não convencional na Bacia do São
Francisco, em Minas Gerais, a mineira Orteng espera, para o final do mês, uma
reavaliação dos custos de perfuração de seu primeiro poço com a tecnologia de
fraturamento hidráulico na área. A revisão dos planos se mostrou necessária
após a publicação, pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), de regras para a atividade e é um bom exemplo de como a
atividade ainda dá passos tímidos no Brasil. Já com algumas descobertas,
petroleiras brasileiras e estrangeiras citam a falta de definição sobre regras
e a escassez de equipamentos como obstáculos para o desenvolvimento da
produção.
Além da Orteng, a também brasileira Petra, a britânica Shell e a
canadense Gran Tierra estão entre as petroleiras que já comunicaram à ANP a
descoberta de indícios de jazidas não convencionais de óleo e gás. Alguns poços
com a tecnologia de fraturamento hidráulico foram perfurados, com o objetivo de
testar os reservatórios, mas o desenvolvimento da produção ainda levará tempo,
dizem executivos das empresas que iniciaram as atividades no segmento. “A
indústria de exploração de petróleo em terra no Brasil ainda está
engatinhando”, resume Frederico Macedo, gerente de óleo e gás da Orteng, que
foca suas atividades na Bacia de São Francisco, considerada uma das mais
promissoras para jazidas não convencionais.
A primeira operação de fraturamento da Orteng está prevista para o bloco
exploratório SF-T-132. A empresa planeja um poço vertical para entender o
comportamento da rocha, procedimento conhecido como teste de formação (os poços
produtores normalmente são horizontais, cobrindo uma área maior da jazida). Um
orçamento inicial foi solicitado às gigantes internacionais Halliburton e
Schlumberger. “Mas veio a portaria da ANP, com alguns pré-requisitos novos, e
fomos forçados a reavaliar o processo, para calcular os impactos no custo”,
explica o executivo. Publicada em maio, a portaria define estudos necessários
para o fraturamento e requisitos para a cimentação dos poços, para evitar
vazamentos.
Perto dali, a Petra também encontrou indícios de jazidas não
convencionais de gás natural. A companhia informou que está ainda estudando as
tecnologias disponíveis para avaliar a viabilidade de prosseguir com os
projetos. Em nota enviada ao Brasil Econômico , também cita os custos de
exploração como um dos obstáculos para o segmento. “As empresas operadoras
continuam a enfrentar sérias limitações em termos de serviços com custos
convergentes aos praticados no mercado internacional”, diz a nota. A tecnologia
de fraturamento hidráulico — usada para liberar os hidrocarbonetos por meio de
fissuras na rocha — demanda bombas de alta pressão e grande consumo de água e
produtos químicos.
Embora a Petrobras use a tecnologia há tempos para estimular
reservatórios maduros (em fase final de produção), não há no Brasil grande
disponibilidade de equipamentos para garantir o desenvolvimento de jazidas não
convencionais. A falta de escala é citada também por Júlio Moreira, presidente
da unidade brasileira da Gran Tierra, entre os obstáculos enfrentados por sua
empresa. A companhia perfurou, no ano passado, três poços horizontais para
testar uma jazida não convencional próxima ao campo de Tiê, na Bacia do
Recôncavo, na Bahia. Este ano, vai se dedicar a avaliar as informações coletadas
antes de definir o futuro da atividade.
Se tudo correr como o esperado, diz ele, a Gran Tierra pode perfurar
cinco novos poços a partir do ano que vem. Com níveis de produção limitados
pela baixa porosidade dos reservatórios, as jazidas não convencionais precisam
de muito mais poços produtores do que os reservatórios convencionais para
justificar o investimento. “O Brasil precisa continuar a promover outras
rodadas de licitações com esse foco. Só assim será possível acreditar que as
empresas possam desenvolver uma indústria de serviços de apoio às atividades de
exploração não convencional no país”, afirma Moreira. “Os atuais custos dos
serviços de apoio precisam cair, seguindo padrões observados nos Estados Unidos
e no Canadá”.
A ANP realizou, no final de 2013, uma rodada de licitações de áreas
exploratórias com potencial para a descoberta de gás natural. Entre as regiões
incluídas, algumas com grande expectativa com relação a jazidas não
convencionais — segmento que tem provocado uma verdadeira revolução energética
nos Estados Unidos. Com a portaria que regulamenta a atividade, a ANP concluiu
a regulamentação sobre o fraturamento hidráulico. Há ainda, porém, dúvidas com
relação ao licenciamento ambiental, hoje no âmbito estadual, mas que pode ser absorvido
pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(Ibama).
Além disso, a tecnologia enfrenta grande resistência de ambientalistas,
acadêmicos e do Ministério Público, que chegou a propor a suspensão do leilão
da ANP no ano passado. O riso de contaminação de aquíferos é citado normalmente
entre os principais argumentos para pedir a moratória da atividade. “Seria
muito importante contar com um arcabouço regulatório específico para a
exploração não convencional no Brasil”, comenta Moreira. A Gran Tierra pretende
investir US$ 30 milhões este ano no país, com a análise dos dados e atividades
no campo de Tiê, onde produz, em média, 900 barris de petróleo por dia de um
reservatório convencional.
Shell desiste de operações em Minas
Gerais
Citada por diversos especialistas como uma das apostas para o
desenvolvimento de jazidas não convencionais no Brasil, a Shell retirou o
segmento de seu portfólio e decidiu focar em grandes projetos petrolíferos.
Sócia da Petrobras no campo de Libra, maior descoberta brasileira de petróleo,
a empresa informou apenas que não encontrou indícios que justifiquem o
prosseguimento das atividades em não convencionais.
“A Shell concluiu a perfuração do primeiro poço exploratório no bloco
SF-T-81, na região de Arinos, norte do estado de Minas Gerais, em setembro do
ano passado. Os resultados desse poço não foram positivos a ponto de
justificar, por parte do consórcio (Shell 60%, Vale 40%), o desenvolvimento da
área para produção em escala comercial”, disse a companhia, em nota oficial.
Além de incerteza regulatória e escassez de equipamentos, a Bacia do São
Francisco sofre com a falta de infraestrutura — seja rodoviária, para
transporte de materiais, seja dutoviária, para escoamento da produção — , o que
pode tornar ainda mais caro o desenvolvimento das reservas. A Petra, por
exemplo, avalia usar a tecnologia de compressão do gás, para transporte em
caminhões, caso confirme o potencial de produção de suas concessões.
A Bacia do Recôncavo, ao contrário, tem infraestrutura farta, o que pode
explicar o maior otimismo da Gran Tierra com relação a seus pares. A região foi
a primeira bacia produtora de petróleo no Brasil e conta com uma extensa rede
de gasodutos e oleodutos operados pela Petrobras. Além disso, tem mais potencial
para óleo, que pode ser transportado por caminhões até os mercados
consumidores.
O governo de Minas Gerais, porém, aposta alto no potencial da indústria
do gás no estado e tem avançado em regras para permitir o mercado livre de gás
e agilizar licenças ambientais. Tem atuado ainda em parceria com as operadoras
para desenvolver o segmento — a estatal Cemig é sócia de petroleiras na
atividade exploratória na região.