domingo, 18 de dezembro de 2011

RÚSSIA

Maestro da força jovem
Aleksey Navalny, que há algumas semanas era conhecido apenas na blogosfera, canaliza para a rua a revolta da juventude russa
17 de dezembro de 2011 | 14h 00 - ESTADÃO

Carisma. Frio abaixo de zero não impediu seguidores de Navalny de manter-se em vigília na delegacia onde ele está preso
O homem considerado o principal responsável pela extraordinária explosão de ativismo voltado contra o governo da Rússia no decorrer da última semana não se pronunciou no comício de sábado retrasado, pois se encontrava na prisão.
Numa última reunião de coordenação para o protesto na noite de sexta feira, 9, na qual uma sala cheia de organizadores veteranos era tomada pelos gritos daqueles que tentavam se fazer ouvir, uma jovem ativista ambiental se voltou para a multidão com súbita gravidade: “Gostaria de agradecer a Aleksei Navalny”, disse ela. “Graças a ele, aos esforços empreendidos especificamente por ele, milhares de pessoas virão à praça. Foi ele quem nos uniu com a ideia: todos contra o ‘Partido dos Embusteiros e Ladrões’”, o nome usado por Navalny para se referir ao partido político Rússia Unida, de Vladimir V. Putin.
Há algumas semanas, Navalny, de 35 anos, era conhecido principalmente no limitado contexto da blogosfera russa. Mas depois das eleições parlamentares de domingo, 4, ele canalizou para a política de rua a raiva acumulada com os relatos de infrações eleitorais, convocando “nacionalistas, liberais, esquerdistas, verdes, vegetarianos e marcianos” por meio de sua conta no Twitter (135.750 seguidores) e do seu blog (61.184) para um protesto.
Navalny mobilizou uma geração de jovens russos por meio das mídias sociais, um salto bastante semelhante àquele que deu origem ao Ocupar Wall Street e aos levantes protagonizados por jovens de toda a Europa no decorrer deste ano.
A verdadeira dimensão do carisma de Navalny se tornou clara depois dos protestos da noite de segunda feira, 5. Estima-se que 5 mil pessoas tenham comparecido. Navalny foi detido sob acusação de resistir à polícia, recebendo uma sentença de 15 dias de prisão.
Durante toda aquela noite, enquanto a temperatura caía para abaixo de zero, os discípulos de Navalny mantiveram sua vigília do lado de fora da delegacia onde ele era mantido, atentos às atualizações da sua conta no Twitter. Alguém tinha espalhado o rumor de que estaria morto e nem seus advogados sabiam dizer ao certo onde ele se encontrava, ampliando a impressão de que Navalny - que reluta em se apresentar como líder político - estaria no centro de tudo que estava ocorrendo.
“Ele é o único homem capaz de se comunicar com todos os tipos de pessoas antenadas e modernas e levá-las às ruas”, disse Anton Nikolayev, de 35 anos, que passou boa parte da terça feira do lado de fora do tribunal, na esperança de ver Navalny. “Trata-se de alguém que poderia derrotar Putin se tivesse a oportunidade.”
Essa afirmação pode parecer exagero. Putin, agora no seu 12.º ano como grande líder da Rússia, conta com uma sólida aprovação. Há três semanas, o instituto Levada apurou que 60% dos russos entrevistados não estavam nem mesmo dispostos a considerar algum dos membros da oposição a Putin como candidato à presidência. Somente 1% dos entrevistados na pesquisa citaram Navalny, cujas opiniões são divulgadas pelo Twitter e pelos seus blogs, Navalny.ru e Rospil.Info.
Mas os efeitos das eleições parlamentares do dia 4 abalaram as suposições políticas, principalmente porque as autoridades parecem incapazes de retomar o controle do discurso público. “Durante uma década, a pauta política da Rússia foi determinada dentro do Kremlin, onde estrategistas escolhiam e promulgavam os temas do debate público”, disse Konstantin Remchukov, editor do diário Nezavisimaya Gazeta.
“E agora, poucos dias depois da eleição, a pauta política está sendo definida por outras pessoas”, como o antigo líder da oposição Boris Y. Nemtsov e Navalny, disse ele. “Isso era totalmente imprevisível.”
Navalny tem boa aparência, traços nórdicos, um ácido senso de humor e nenhuma filiação política. Cinco anos atrás, ele deixou o partido liberal Yabloko frustrado com as disputas internas e o isolamento em relação à opinião da maioria dos russos. Os liberais, por sua vez, têm sérias reservas em relação a ele, pois Navalny defende opiniões associadas ao nacionalismo russo. Ele já apareceu falando ao lado de neonazistas e skinheads e certa vez estrelou um vídeo que comparava militantes de pele escura do Cáucaso a baratas. Embora as baratas possam ser mortas com um chinelo, dizia ele, “no caso dos humanos, recomendo a pistola”.
O que leva as pessoas a Navalny não é sua ideologia, mas sua confiança ao desafiar o sistema. Com seu treino de advogado do setor imobiliário, ele recorre a dados - em seus sites, documenta casos de roubo nas empresas administradas pelo Estado - e a um implacável e corrosivo desprezo. “Partido dos Embusteiros e Ladrões” é uma expressão que caiu na boca do povo com uma rapidez surpreendente, provocando estrago na marca política do Rússia Unida.
Navalny transmite uma confiança serena em que os eventos estejam convergindo, lenta e inexoravelmente, contra o Kremlin.
“A revolução é inevitável”, disse à edição russa da revista Esquire, em entrevista publicada neste mês, “simplesmente porque a maioria das pessoas compreende que o sistema está errado. Quando estamos na companhia de burocratas os ouvimos comentar a respeito de quem roubou tudo, dos motivos pelos quais nada funciona e de quão horrível toda a situação é.”
Foi menos definitivo ao comentar o futuro que imaginava para o país, dizendo apenas esperar que a Rússia “se assemelhe a um imenso Canadá irracional e metafísico”. Com Navalny ganhando destaque, o ex-prefeito de Moscou Yuri M. Luzhkov disse que pensaria em ir a um protesto se Navalny o convidasse. Uma referência absolutamente impublicável ao blogueiro foi reproduzida da conta do Twitter do presidente Dmitri A. Medvedev, levando a assessoria de imprensa presidencial a emitir comunicado explicando que a mensagem fora enviada por um funcionário do suporte técnico “num procedimento rotineiro de mudança de senha”.
O Rússia Unida publicou um ataque contra Navalny, descrevendo seu ativismo como “típica autopromoção imunda”. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, emitiu um pronunciamento sobre ele. A firma de consultoria Medialogia documentou um súbito aumento no número de referências feitas a Navalny na mídia jornalística russa, que passaram de algumas centenas por dia para cerca de 3 mil. As pessoas começaram a divulgar um site que o promovia como candidato para a eleição presidencial de março. Até mesmo os céticos admitem que Navalny conseguiu reunir uma multidão que não existia.
“Essas pessoas nunca tinham se reunido num mesmo lugar antes”, escreveu Grigory Tumanov, repórter do Gazeta.ru. “Elas se limitavam a acompanhar o Twitter, mas pareceu-lhes claro que a atual situação exigia que fossem a algum lugar, fizessem alguma coisa, se unissem em torno de alguém, porque as coisas tinham chegado a um ponto intolerável. Que esse alguém seja Navalny, com todas suas qualidades e defeitos.”
Na audiência da sua apelação, no dia 7, Navalny parecia cansado e enojado. Seus partidários encontraram vídeos amadores mostrando que ele não tinha resistido à prisão e que os policiais que testemunharam contra ele não foram os mesmos que o detiveram, mas o juiz se recusou a analisar essas provas. Uma fotografia tirada do lado de fora do centro de detenção mostrava Navalny agarrado às barras da janela da cela, olhando para fora com uma expressão dura e pétrea.
“Há pessoas reunidas aqui que não foram recrutadas por ninguém”, disse Viktor Masyagin, de 28 anos, do lado de fora do tribunal no início da semana. “Ninguém nos trouxe aqui de ônibus, ninguém nos pagou para vir, mas viemos mesmo assim, e já estamos aqui há mais de um dia. Isso deve dar uma ideia da nossa motivação.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL