quarta-feira, 11 de julho de 2012

O ano do bóson
11/07/12 07:28 | Miguel Setas - Vice-presidente de Distribuição e Inovação da EDP no Brasil

O ano 2012 poderá ficar na história da ciência como o "ano do bóson", a confirmar-se a observação experimental, realizada na quarta feira passada, da última partícula do "zodíaco subatômico" no Modelo Padrão - o chamado "bóson de Higgs", mais conhecido como a "partícula de Deus" (na realidade o físico Leon Lederman, que escreveu um livro sobre a busca desta partícula queria chamar-lhe "partícula maldita"- "goddamn particle", mas o seu editor mudou para "partícula de Deus" - "god particle"...).
O Modelo Padrão foi desenvolvido na década de 70, constituindo hoje a melhor aproximação para explicar três das quatro forças fundamentais da natureza: a nuclear fraca, a nuclear forte e a eletromagnética, deixando de fora a força gravitacional.
Por sua vez, o bóson de Higgs é um elemento fundamental deste modelo, permitindo explicar a massa das outras partículas.
Cerca de 50 anos depois de o físico Peter Higgs, em 1964, ter proposto a existência do bóson, que depois ganhou o seu nome, e de o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear ter investido mais de US$ 8 bilhões na construção do maior acelerador de partículas do mundo (LHC, em Genebra), finalmente parece ter sido possível a observação experimental da partícula maldita.
Tempo e dinheiro que valeram a pena. Apesar de a matéria visível representar apenas 4% do universo (os restantes 96% são matéria e energia escuras) e o Modelo Padrão explicar apenas três das quatro forças fundamentais, a recém- anunciada descoberta constitui um avanço extraordinário da ciência moderna no entendimento do infinitamente pequeno. Um sucesso indiscutível para a física das partículas.
Um sucesso também para a Europa, na corrida contra os Estados Unidos da América.
Mas este marco científico veio também por em evidência um conjunto de reflexões. Primeiro veio mostrar-nos a importância do foco e da constância de propósito.
O desafio da observação do bóson de Higgs levou 50 anos de busca incessante, mas terminou recompensado com sucesso. Um exemplo que nos deve inspirar para outros desafios que enfrentamos hoje.
A segunda constatação é a importância da literacia científica para entender o mundo moderno. O ensino da ciência é escasso para as necessidades da nossa sociedade. O "analfabetismo científico" é assustador.
Por exemplo, de acordo com um estudo recente da Gallup, mais de 40% dos americanos tem uma visão criacionista equivocada, segundo a qual Deus criou o homem há 10 mil anos, no atual estágio de evolução da espécie...
Defendo, por isso, que as ciências fundamentais deveriam fazer parte de todos os currículos escolares e universitários, como fazem as línguas e a matemática.
A terceira reflexão prende-se com a importância do cruzamento de saberes. A complexidade e interdependência da nossa realidade exige uma visão unificadora do conhecimento.
O pensamento fragmentário e disjuntivo da nossa era tem que dar lugar a um pensamento holístico e complexo, como sugere o filósofo francês Edgar Morin, capaz de refletir sobre a metamorfose que sofremos atualmente.
O "bóson de Higgs", e outros avanços científicos, não podem ficar balcanizados nas cátedras universitárias e nos institutos de pesquisa. Têm de contribuir para a solução-mundo, que todos nós precisamos.
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Miguel Setas é Vice-presidente de Distribuição e Inovação da EDP no Brasil