segunda-feira, 28 de outubro de 2013


Informe New York - Guerra permanente. Dentro e fora

28/10/13 11:15 | Heloísa Villela (heloisa.vilela@brasileconomico.com.br)

 

Em guerra permanente, EUA caminham para isolamento político

Uma avó de 68 anos colhia vegetais no campo quando foi explodida em pedaços, diante da neta, por um míssil lançado por um avião-robô dos Estados Unidos no Paquistão. O americano Matthew Stewart, de 37 anos, cultivava uns pés de maconha no porão de casa, em Ogden, estado de Utah, quando uma equipe de combate a narcóticos arrebentou a porta da casa dele com um bate-estaca em uma noite de janeiro de 2011. Assustado com o barulho, ele pulou da cama armado e durante 20 minutos, o veterano da guerra do Iraque trocou tiros com a polícia. Um policial morreu, cinco ficaram feridos e Matthew passou um mês no hospital antes de ser levado à cadeia para aguardar o julgamento por assassinato. Ele abreviou o processo com uma corda amarrada à grade da cela. Causa da morte: suicídio.

Utah é um estado conhecido pelo conservadorismo exacerbado. Mas a prisão e morte de Matthew, há três anos, deflagraram um movimento forte pela desmilitarização da polícia. Por práticas mais humanas de manutenção da segurança pública. O cerco à casa de Matthew não foi um incidente isolado no estado ou no país. A polícia tinha outras opções: interpelar o rapaz a qualquer hora do dia e revistar o porão da casa dele com um mandado de busca na mão. Deslocar um detetive para a porta do trabalho de Matthew e ali, certo de que o suspeito não estava armado, dar a voz de prisão. Nada disso, aparentemente, ocorreu aos policiais. Eles preferiram a ação turbinada, a adrenalina consagrada nos milhares de filmes e programas de tevê que idolatram os heróis da farda e do uniforme.

No Paquistão ou no subúrbio de Ogden, os Estados Unidos são um país em guerra. Permanentemente. Guerra que um governo declara, o seguinte leva adiante e elas não terminam nunca. O ex-presidente Richard Nixon cunhou o termo Guerra contra as Drogas em 1971. Entrou para a história como autor do pontapé no processo. Na verdade, ele reduziu a sentença mínima obrigatória para usuários de maconha e exigiu a criação de programas de tratamento para drogados. Foi George H. W. Bush (o pai) que incentivou a participação da CIA e do exército nas operações de combate às drogas. De lá para cá, o governo federal passou a financiar esta guerra interna nos estados. Ogden é apenas mais um exemplo. A unidade de combate aos narcóticos é financiada pelo governo federal sob a rubrica da Guerra contra as Drogas.

Radley Balko lançou, em julho, o livro "Ascensão do policial guerreiro: a militarização da força policial americana". O autor e jornalista diz que as autoridades do país reagiram aos protestos dos anos 60 com a invenção da SWAT, unidades fortemente armadas que levaram para as ruas do país as táticas militares. Ao mesmo tempo, novas guerras foram sucessivamente declaradas. Contra as drogas, com Nixon, contra a pobreza, com Reagan, programas especiais de policiamento no governo Clinton, a famosa Guerra contra o Terror, nos anos Bush, herdada e levada adiante por Obama. Para levar a cabo todas essas guerras, surgiu, se estabeleceu e cresceu uma enorme indústria que fabrica equipamentos, armas, toda a parafernália que passou a ser usada e se tornou necessária.

No Paquistão ou em Ogden, o que se vê é um distanciamento cada vez maior das forças armadas ou policiais, que veem moradores, longe dos Estados Unidos ou nos subúrbios do país, como os inimigos. Os outros. Os que devem ser combatidos. A mentalidade bélica permeia as relações desse aparato policial-militar com a sociedade. Quanto menos envolvimento com as vidas que estão do outro lado, mais fácil continuar lutando.

Por isso também a construção, sem cerimônia, do maior programa de espionagem do planeta. O perigo pode estar em qualquer parte. Pode partir até mesmo do telefone celular de um aliado, como a chanceler alemã Angela Merkel. O perigo que ela representa não pode se encaixar nos parâmetros do combate ao terror. Mas os interesses econômicos são tão vitais quanto a sobrevivência a um possível ataque terrorista. E a mentalidade do vale tudo, certa da impunidade, não viu problema algum em ouvir as conversas da aliada, como fez também com o presidente da França, François Hollande, com Dilma Rousseff, com o presidente do México... Ao todo, até onde já se sabe, 35 líderes mundiais foram vítimas de espionagem direta por parte da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. Guerra é guerra.

Merkel ficou lívida. Não pode parecer fraca e vulnerável diante dos eleitores alemães. Por isso mobilizou a União Europeia. Uma comissão de representantes do Parlamento Europeu desembarca hoje em Washington para cobrar explicações e medidas. Barack Obama terá que se explicar e tomar uma atitude mais firme. Ele não pode colocar em risco alianças tão essenciais como são as colaborações com a Alemanha e França. A Casa Branca passa por um momento complicado. Alianças de longo prazo estão na corda bamba, como é o caso da Arábia Saudita.

Dizem os especialistas que o aumento da produção doméstica de petróleo e gás, graças à exploração das camadas de xisto com o "fracking" (o fraturamento hidráulico das rochas), está transformando a geopolítica. Com a perspectiva de autossuficiência em mais uma ou duas décadas, os Estados Unidos estariam se sentindo à vontade para adotar políticas mais independentes dos interesses da Arábia Saudita. Daí as negociações com o Irã e não o confronto. A decisão de limitar uma intervenção na Síria à destruição das armas químicas, evitando um ataque aéreo que poderia derrubar o regime de Bashar al-Assad. Ou a recusa em apoiar o golpe militar no Egito, que derrubou a Irmandade Muçulmana.

O mundo árabe passa por mudanças rápidas, as alianças se reagrupam. A Europa exige explicações a respeito do programa de espionagem e estuda medidas de controle da privacidade que vão dificultar a vida das empresas americanas do ramo. A América Latina vê os Estados Unidos com mais e mais desconfiança. A impressão é de que a superpotência, estado armado como nunca se viu na história, caminha para um isolamento político cada vez maior.