quinta-feira, 3 de outubro de 2013

SAÚDE

Cliente & Cia - O canário das minas de carvão
03/10/13 11:15 | Nadja Sampaio (nadja.sampaio@brasileconomico.com.br)
Estava na fábrica de motor home em Joinville, na semana passada, quando chegou Édson. Fui falar com ele, e perguntou-me se eu estava com celular
Disse que sim, e ele pediu que eu o desligasse. Explicou que tem hipersensibilidade eletromagnética (EHS), e todo o mal que as ondas eletromagnéticas emitidas por computadores, luzes fluorescentes, transformadores, wireless, celulares, telefones sem fio, torres de telefonia celular, subestação elétrica e linhas de energia que afetam, aos poucos, todas as pessoas, nele, o efeito é imediato.
Para explicar, fez uma analogia com o uso do canário nas minas de carvão no passado. Os carvoeiros colocavam um canário nas áreas mais fechadas do garimpo. Se o canário morresse era sinal de que havia gases tóxicos, mesmo que as pessoas ainda não estivessem sentindo nada.
"Eu sofro efeitos que todas as pessoas que estão expostas às essas ondas terão. Só que eu sinto rapidamente e os outros vão demorar a sentir, e provavelmente, não saberão identificar a origem quando os problemas aparecerem", explicou.
Édson disse que ao ficar perto de celulares ligados, perde a concentração, sente a mente acelerada, fica ansioso e com dor de cabeça. Se o celular estiver no carro, ou num elevador, onde as ondas se refletem, pode ficar com os reflexos mais lentos e até com problemas digestivos. Para melhorar, precisa ficar em lugares afastados da vida moderna. Morou em um sítio por algum tempo, melhorou, mas se sentiu muito solitário.
Não vai a bares, shows, cinema, ou qualquer espaço público, porque a proximidade de celulares faz com ele saia passando mal. E até na casa dos amigos é um constrangimento pedir que todos desliguem o celular e o sistema de wifi. Está construindo um motor home, que será totalmente blindado contra radiações eletromagnéticas. Sua meta é ter um lugar sem radiação, seguro para dormir, e assim recuperar as energias e conseguir viver um pouco menos isolado da sociedade.
Édson observou que seus primeiros sintomas, embora leves, surgiram após o início de uma maior propagação de torres de telefonia celular, com o lançamento do GSM. Depois de formado, e de trabalhar por pouco tempo como engenheiro eletricista, fez um concurso para o serviço público e passou. No início, produzia bem, tinha uma memória ótima, era concentrado.
Até que um dia começou a perceber que saía do trabalho muito cansado, com dor de cabeça, esgotado. Ia para casa, melhorava, mas ao chegar no trabalho, piorava. Percebeu que em outra sala se sentia melhor. Mudou de sala, onde consegui retomar a produção. Um dia, começou a se sentir mal também nesta sala.
Pouco depois, chegou um comunicado dizendo que haviam instalado wifi em todo o prédio, coincidentemente, no mesmo dia em que ele havia piorado. Depois descobriu que a piora do ano anterior também coincidia com a data da instalação de uma antena de celular ao lado da sala onde trabalhava. Não conseguiu mais trabalhar e foi aposentado.
Começou a pesquisar na internet e descobriu que todos os sintomas que sofria estavam elencados dentre os verificados em pessoas mais expostas às radiações eletromagnéticas não ionizantes utilizadas na comunicação sem fio (http://eletromageneticosensivel.wordpress.com). Esses sintomas, segundo ele, foram constatados em diversos estudos epidemiológicos produzidos em diferentes países com pessoas que moravam próximas de antenas de celulares.
Atualmente, apenas a Associação Médica da Áustria, reconheceu e sintetizou um guia para diagnóstico e tratamento. A associação austríaca cita, entre outras referências, o "Bioinitiative Report" (www.bioinitiative.org), que é atualizado, anualmente, com uma infinidade de estudos relacionados aos efeitos da exposição à radiação eletromagnética artificial. Esse relatório suscitou ao parlamento europeu recomendar o princípio da precaução aos países membros.
Assim, a maioria dos países europeus tem níveis de radiações permitidos muito inferiores aos utilizados no Brasil e nos Estados Unidos. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS), não reconhece ainda sintomas neurológicos como originários da exposição eletromagnética. Em alguns países, como Suécia, França, Áustria há inúmeras pessoas morando em vilas e associações para se refugiarem da poluição eletromagnética.
"Se as pessoas desligassem o celular, o telefone sem fio e o wifi de suas casas, iam ver como teriam melhor qualidade do sono, mais disposição, alegria, um humor melhor e bem estar, mas ninguém acredita quando eu falo", afirma Édson. E fica clara sua angústia em avisar às pessoas que elas podem chegar a sofrer como ele já está sofrendo, e fazê-las acreditar.
Dois dias depois dessa conversa, foi divulgada a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) do IBGE, que mostra que de 2003 a 2012, os lares com apenas celular registraram uma alta de 480,65% e o percentual de casas conectadas à internet chegou a 40,3%, equivalente a 25 milhões de lares. Fiquei pensando, então não estamos caminhando para a modernidade e para o bem estar social.
Ao contrário, a saúde da população só vai piorar. Saí convencida dessa conversa? Eu diria que saí muito impressionada. E, a partir de hoje, por via das dúvidas, já comecei a desligar o celular à noite. Afinal, utilizamos durante anos produtos de amianto, quando já existiam milhares de trabalhadores morrendo pela exposição e levou muito tempo para a indústria tabagista assumir que a nicotina cria dependência e mata.