A pátria e o poeta
“O Brasil não passa
de uma cubata”. Ao fazer a comparação com uma palhoça africana, Ivan Junqueira
mostrava a profunda irritação com o secular descaso dos políticos com a
educação e a cultura
Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br
Nos seus dias de mau humor com os rumos do país, o poeta Ivan Junqueira
fazia um comentário demolidor: “O Brasil não passa de uma cubata”. Ao fazer a
comparação com uma palhoça africana, mostrava a profunda irritação com o
secular descaso dos políticos com a educação e a cultura. Não se referia a este
ou aquele governo específico, mas ao pouco caso em geral dos homens públicos.
Não concluam os mais apressados que Ivan não tivesse orgulho de ser
brasileiro. Cometeriam um tremendo equívoco. Tricolor de coração, ele aguardava
a Copa do Mundo com ansiedade e estava preparado para torcer como todos nós.
Carioca de Ipanema, amava as músicas de Noel Rosa e citava enredos antológicos
de escolas de samba. Guardava com carinho os elogios de Carlos Drummond de
Andrade às suas traduções de Baudelaire e Eliot. O poeta, que nos deixou na
quinta-feira passada, aos 79 anos, tinha paixão pelo Brasil.
Certa vez, em viagem à Rússia com parentes, ele conseguiu realizar um
sonho ao usar como argumento exatamente sua nacionalidade. O grupo separou uma
manhã para visitar a casa na qual Dostoiévski passou a infância, num subúrbio
de Moscou. Era a residência de médicos na entrada de um hospital, no qual
trabalhou o pai do grande escritor russo. O pequeno apartamento no térreo, com
duas salas e três quartos, foi transformado em museu, que exibe, por exemplo, a
caneta com que Dostoiévski escreveu “Os Irmãos Karamazov”. Ao chegarem ao
local, veio a decepção: o museu estava fechado, para obras. Explicou-se então à
zeladora que Ivan Junqueira era um importante poeta brasileiro que considerava
aquele o ponto alto de seu roteiro de viagem. Sensibilizada, a zeladora cedeu e
abriu as portas para o poeta que veio do outro lado do mundo para conhecer a
casa de Dostoiévski.
Os russos amam seus escritores e fazem reverência à literatura. Essa era
uma das queixas de Ivan, ao falar do Brasil. Nossos políticos, em sua grande
maioria, não dão qualquer importância à cultura. A bem da verdade, a presidente
Dilma Rousseff é uma rara exceção. Gosta de livros, de música e, sempre que
viaja, encontra tempo entre os compromissos oficiais para conhecer novas
exposições. Em Nova York, aproveita para tomar café no MoMA e, em Paris, tem
predileção pelo seleto acervo do museu Jacquemart-André, no boulevard Hausmann.
Ali, são exibidos quadros da pintora francesa clássica Elizabeth Vigée-Le Brun,
famosa pelos retratos da rainha Maria Antonieta. O autorretrato de Elizabeth é
uma das obras-primas da National Gallery, em Londres.
Dilma Rousseff conhece bem a poesia de Ivan Junqueira e referiu-se a ela
em uma de suas entrevistas. O poeta ficou impressionado e enviou à presidente
seu último livro. Foi sua forma de agradecer. Não ficou à espera de resposta,
mas, para sua surpresa, cerca de um mês depois, recebeu um cartão de
agradecimento de Dilma. Guardou-o em seus criteriosos arquivos que trazem a
correspondência de toda a vida. Homem de muitos amigos, ele trocava cartas com
os íntimos e também com outros nomes ilustres do mundo literário.
“A vida é maior que a morte”, disse Ivan Junqueira, que foi reconhecido
em vida. Recebeu vários prêmios pela obra e se tornou membro da Academia
Brasileira de Letras, à qual dedicou os últimos doze anos de vida. Seus pares
na ABL lhe farão a última homenagem nesta quinta-feira. Adeus, caro poeta.