Recessão técnica
Apesar de a produção industrial ter caído em maio exatamente o 0,6% projetado pelos analistas, a Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do IBGE, depois de aberta em seus detalhes, ampliou a apreensão dos mercados
Luiz Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br
A sirene soou nas mesas: se a recessão se caracteriza tecnicamente por dois trimestres consecutivos de queda do PIB, a economia pode ter conhecido uma no semestre que terminou na segunda-feira. Não se trata mais de uma simples “desaceleração”, mas sim de uma “retração”. O pregão de juros futuros da BM&F compreendeu a gravidade da situação e só não se manteve em declínio pois surgiram imperativos mais urgentes, a alta do dólar e dos juros longos americanos. Mas, a rigor, não se trata mais de manter a Selic estável em 11% no “horizonte da política monetária”, como gosta de dizer o Banco Central. Trata-se de baixá-la.
Maio foi o terceiro mês em sequência de queda da produção industrial, sendo que o retrocesso de abril foi revisto pelo IBGE de 0,3% para 0,5%. No acumulado do ano, a baixa foi de 1,6%, e falta muito pouco para zerar a alta de 0,26% em 12 meses. Quando se compara maio de 2014 com o mesmo mês de 2013, tem-se um tombo de 3,2%. Mas por que esse dado industrial induz a suspeita de que a economia esteja em recessão? Quem responde é o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves:
“Com dados fracos de indústria, comércio e emprego divulgados até o momento, contínua deterioração das expectativas e perda de dias úteis em junho e julho com a Copa do mundo, tudo indica uma retração do PIB no segundo trimestre junto com um dado do primeiro revisado também para o campo negativo”. Oficialmente, o PIB de janeiro a março cresceu 0,2%. É esse número que o economista espera que seja revisado.
Ainda não seria uma “recessão” digna do nome. O Itaú projeta para o segundo trimestre um PIB 0,2% menor. Se o dado do primeiro for corrigido para -0,1% se estará diante de um quadro mais de estagnação do que recessão, embora tecnicamente a queda consecutiva do produto por dois trimestres já seja suficiente para tipificá-la. O problema não é de nomenclatura. O problema é que como os índices de confiança são um proxy da produção, do comércio e dos serviços, e como estão em queda alarmante, o futuro se mostra brumosamente sombrio. Não será um pacotinho de manutenção de alíquotas de IPI que conseguirá dissipar a névoa.
Assim que o IBGE divulgou a PIM, a taxa do contrato de juro futuro para janeiro de 2017 recuou dos 11,43% do fechamento da véspera para 11,40%, mas mudou de direção, fechando em 11,49%, diante da elevação dos juros americanos impulsionada por um dado inesperado de fortalecimento do mercado de trabalho dos EUA, responsável também pela valorização do dólar. O raciocínio do DI futuro é o seguinte: a anorexia econômica brasileira requer que o Copom entre em prontidão vigilante no sentido oposto ao que exerceu de abril de 2013 a abril de 2014, mas se o dólar começar a subir, adeus flexibilidade monetária. Alexandre Tombini reforçou em entrevista interna ao BC dois pontos que impedem a queda da Selic, apesar do esgotamento do choque dos alimentos e do IPCA mensal cadente: a taxa de câmbio e os preços administrados.
Contraditoriamente, o BC deu ontem uma forcinha para a alta do dólar. A moeda fechou em alta de 0,88%, cotada a R$ 2,2243, porque, primariamente, houve uma valorização global da moeda americana decorrente do resultado imprevisto da pesquisa de emprego do setor privado americano feita pela consultoria ADP. Em junho, as empresas, capitaneadas pelas pequenas e médias, criaram 281 mil novos postos de trabalho, superando largamente a previsão dos analistas de geração de somente 205 mil. A taxa da T-Note de 10 anos avançou de 2,57% para 2,62%. Se havia alguma dúvida no mercado a respeito da tendência de alta do dólar, foi dirimida com a divulgação pelo BC do fluxo cambial na semana passada, negativo em US$ 934 milhões.
O fluxo de junho, que prometia fechar com um espetacular superávit por causa das captações externas de US$ 7 bilhões, amarga um déficit de US$ 856 milhões até o dia 27. O dinheiro das emissões ainda não entrou, se é que entrará. A balança cambial já não exibe o mesmo vigor de meses anteriores a despeito do pagamento pelo Brasil do juro real campeão do mundo. E, apesar desses fatores tendentes a depreciar a moeda nacional, o BC resolveu reduzir a oferta de contratos de swaps cambiais destinados a rolar os que irão vencer. Ou seja, agiu para estimular a alta do dólar.
Durante a maior parte de junho, ele vendeu 10 mil swaps por dia para dosadamente rolar os US$ 10,06 bilhões que venceram na terça-feira. Ao todo, revalidou US$ 8,76 bilhões, levando ao vencimento apenas US$ 1,3 bilhões. Mas, este mês, reduziu a oferta diária para 7 mil contratos. Mantido esse ritmo, irá rolar este mês US$ 7,35 bilhões dos US$ 9,457 bilhões que irão vencer em 1° de agosto. Ou seja, a fatia não renovada dos lotes subirá de 12,92% em junho para 21,96% em julho.
A favor do BC deve-se observar que também em junho iniciou o mês oferecendo uma quantidade menor de swaps, estratégia destinada a testar o apetite do mercado. Como a reação foi negativa – tanto que o dólar disparou 1,55% no dia 2 de junho, para R$ 2,2755 --, rapidamente reverteu a sinalização e inundou o câmbio com esses títulos. Isso também pode acontecer agora, sobretudo se o “payroll” – o relatório oficial sobre o mercado de trabalho dos EUA – de junho, a ser divulgado hoje, aprontar surpresa positiva do tamanho da armada pela ADP.