Tensão externa dispara
dólar
Alguns operadores
atribuíram parcela de responsabilidade pela alta do dólar a uma suposta
sinalização do Copom de que poderia em breve flexibilizar a política monetária
Luiz
Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br
A informação de que um míssil teria derrubado um Boeing 777 da Malaysia
Airlines com 295 pessoas a bordo quando atravessava a Ucrânia, no mesmo dia em
que a Rússia avisou sua disposição de retaliar as pesadas novas sanções
impostas pelos EUA e Europa a empresas e investidores russos, desencadeou ontem
forte movimento de fuga de ativos de mercados emergentes e busca de proteção
nos títulos do Tesouro americano. O aumento na procura pelas “treasuries” fez o
juro do papel de 10 anos cair de 2,53% para 2,46%. Os ativos mais líquidos
entre os emergentes, os brasileiros, foram os que mais sofreram. E o dólar,
praticamente estagnado entre R$ 2,21 e R$ 2,23 desde meados do mês passado,
disparou 1,68%, cotado no fechamento a R$ 2,2588, maior preço desde 5 de junho,
rompendo o teto de R$ 2,25 da banda informal de flutuação imposta pelo Banco
Central.
Alguns operadores atribuíram parcela de responsabilidade pela alta do
dólar a uma suposta sinalização do Copom de que poderia em breve flexibilizar a
política monetária. O raciocínio deles foi de que os investidores, diante da
expectativa de redução da atratividade dos papéis brasileiros, aproveitaram a
tensão geopolítica global para já realizar seus lucros e ir embora. O argumento
é falho: 1) a Selic precisaria cair muito para que o Brasil perdesse a condição
de líder absoluto do ranking dos maiores pagadores de juros reais do mundo.
Segundo a consultoria MoneYou, o país ocupa o primeiro posto com juro real de
4,21%, com a segunda colocada, a China, com 3,41%, vindo bem atrás. 2) A julgar
pelo crescente déficit da conta financeira da balança cambial, de nada adianta
o Brasil ser o recordista. Os especuladores já vêm saindo daqui desde maio.
Pagar o maior juro real do mundo pode ser uma condição necessária mas
não suficiente para atrair capitais de fora. Os investidores externos — já
preocupados com o embate eleitoral de outubro e as incertezas decorrentes dos
ajustes que serão feitos em 2015, aflitos com a asfixiante imersão da economia
brasileira sem que se consiga avanços significativos contra a inflação,
angustiados com a falta de empenho do governo em cumprir a meta de superávit
fiscal e temerosos de um rebaixamento de rating – puseram-se em movimento
depois do anúncio do fim do “tapering” americano e agora são golpeados por uma
sombria incógnita geopolítica. É a hora da segurança, não da rentabilidade.
Tanto faz uma Selic de 11%, 10% ou 14%.
O mercado futuro de juros da BM&F ignorou a escalada do dólar e fez
ontem o que o Copom não teve coragem de fazer na véspera. As quedas foram
expressivas: a taxa para a virada do ano cedeu de 10,77% para 10,71%. O
contrato para janeiro de 2016 recuou de 11,05% para 10,95%. E a taxa para
janeiro de 2017 passou de 11,36% para 11,29%. Enquanto o Comitê se manteve
confortavelmente em cima do muro, podendo descer para um lado ou para o outro
dependendo da força do vento, o pregão de DI futuro tomou a si a tarefa de
dizer ao BC qual a prioridade. Esta consiste em reanimar a economia, hoje com
sinais vitais de um paciente terminal. Se o BC se recusa a injetar adrenalina
no moribundo, o mercado não se furtou a fazer isso ontem. Como a queda foi
generalizada, toda a curva futura de taxas diminuiu sua inclinação positiva.
Como é a curva, e não o BC, quem forma o custo primário do crédito, as taxas
dos empréstimos ficaram mais baratas ontem mesmo. Esse é o estímulo econômico
que o BC se recusa a aplicar por não decidir o que é mais importante hoje. Ele
parece não saber se é mais relevante atacar a inflação ou incentivar a
atividade. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
Só com muita boa vontade da parte dos analistas se poderá entender que a
manutenção no texto da nota pós-Copom divulgada na noite de quarta-feira da
expressão “neste momento” significou cifradamente o recado de que o BC está
preparando uma redução da taxa Selic para a sua próxima reunião, em 3 de
setembro. Na verdade, o “neste momento” pode implicar exatamente o oposto
disso. Textual e logicamente, significa que anteontem à noite o Copom entendeu
que não seria conveniente alterar a Selic, seja para cima, seja para baixo.
Trata-se de um descompromisso alienante que o mercado espera ver reparado na
ata desta reunião, a ser publicada na quinta-feira. O BC não pode lavar as mãos
num momento em que a economia já enfrenta uma recessão técnica, em que todos os
emergentes (Turquia, México, Chile e Peru) na mesma situação já começaram a
reduzir suas taxas e em que, só por força do arrasto estatístico, o PIB
conseguirá crescer este ano algo entre 0,5% e 0,8%.
A atual gestão do BC não é culpada pela inflação, embora alguns
analistas não se cansem de lembrar que a ofensiva de queda da taxa básica e de
desvalorização do real desencadeada por ele em 2011 – a que trouxe a Selic de
12,5% em julho daquele ano para 7,25% em outubro de 2012, e o dólar de R$ 1,56
para R$ 2,00, no mesmo período – foi excessiva e temerária, criando as
condições estruturais para que o IPCA se consolidasse no patamar de 6%. A
principal responsável, no entendimento majoritário dos economistas, ainda é a
gestão fiscal, mais propriamente uma expansão das despesas correntes ao ritmo
igual ao dobro da evolução nominal do PIB. Mas se o governo não faz a sua
parte, o BC tem de fazer a sua, para o bem ou para o mal. No caso atual, isso
quer dizer o seguinte: se estão esgotados os instrumentos incentivadores da
atividade econômica à disposição da Fazenda, o BC precisa usar os seus.
Recusa-se por temer duas ordens de pressões sobre a inflação: a dos
preços administrados (reajustes de preço de combustíveis, energia elétrica e
transportes têm impacto direto no cálculo do IPCA e, indiretamente, ampliam os
custos das empresas, os quais seriam repassados aos preços finais se a economia
se desprendesse do chão, e o BC só pode agir sobre esse segundo efeito, nada
podendo fazer em relação ao primeiro) e do câmbio. O BC sabe que o programa de
intervenções cambiais criado em agosto do ano passado é plenamente eficiente em
segurar a alta do dólar em momentos de pasmaceira nos mercados globais. Em
períodos de desmonte acelerado de posições especulativas em ativos brasileiros,
ditado por reviravoltas na conjuntura internacional, os swaps cambiais e as
linhas de crédito em dólar com compromisso de recompra pouco efeito terão. Como
não se sente responsável pelo declínio da confiança de empresas e consumidores,
como o seu pesado ciclo de elevação da Selic de fato reduziu a demanda (o que
está sendo comprovado pela queda das vendas de bens duráveis), como os preços
dos serviços dependem mais da força do mercado de trabalho do que do nível da
taxa de juros, prefere assumir agora o posto de espectador da agonia. Crime de
omissão de socorro?