terça-feira, 15 de julho de 2014

Paixão pelo futebol e os Brics
A visão internacional até recentemente era simbolizada pela capa de uma revista inglesa (“The Economist”), aonde o Cristo Redentor carioca aparecia decolando como um foguete para o espaço sideral
Rogerio Studart rogerio.studart@brasileconomico.com.br
Subitamente, houve uma reversão, um giro de 180º graus. Passaram a tratar-nos como um foguete de voo de galinha, destinado ao desastre. A Copa, dizia-se no exterior, somente iria confirmar a total decepção pelo mundo com o que ocorria no Brasil. O êxito do evento da Copa deu um choque de realismo na imprensa, abrindo um espaço importante de “re-visão” do Brasil. A Cúpula dos Brics em Fortaleza nesta semana pode ser um marco importante no processo de mostrar que nossos projetos e aspirações como nação não são frutos de paixões passageiras, mas de uma madura opção pelo desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Recuperemos um pouco a história recente da imagem do mundo sobre o Brasil. Antes da crise, o Brasil era considerado um exemplo de avanços sociais, políticos e econômicos. Na crise, fomos tratados como estrela da resiliência e fonte de crescimento e prosperidade para o mundo. Só recentemente, o quadro tem sido pintado com cores cada vez mais cinzentas. Com a perda de dinâmica do nosso crescimento, fenômeno que ocorreu em outras economias, subitamente alguns até pediam que retirassem o B do acrônimo Brics. O pessimismo sobre o país passou a contaminar outras áreas.
Por exemplo, as manifestações pré-Copa foram descritas com uma primavera árabe local, que totalmente contradizia as análises até então existentes sobre os ganhos dos últimos dez anos em termos de redução da pobreza e da desigualdade. Nossos problemas de competitividade foram tidos como frutos de erros incorrigíveis do modelo de desenvolvimento, e o Brasil de hoje — entre as dez maiorias economias do mundo — foi aconselhado a seguir o exemplo de nações que possuem uma fração pequena do seu PIB, sistemas produtivos muito menos robustos e diversificados, altas taxas de desemprego e outras mazelas — mas que, ao contrário do Brasil, haviam supostamente encontrado o “caminho correto” da prosperidade. Na importante “Foreign Policy”, o título de um artigo resumia esta visão: “Brazil is totally screwed”, que pode ser, educadamente, traduzido por “Brasil está totalmente ferrado”.
A derrota da seleção na semifinal ainda dói na alma — e chocou o mundo. Mas o sucesso do evento pegou todo o mundo de surpresa, criando uma sensação de que “as notícias sobre a morte do Brasil eram significativamente exageradas”. Os apagões de infraestrutura e logística não só não ocorreram, como neste quesito o país se apresentou muito melhor do que outros do G-20 quando sediaram eventos globais. A exemplar organização do evento pode ter enterrado a percepção, equivocada de falta de seriedade ou de disciplina.
Outro aspecto que surpreendeu todo o mundo: nosso povo não vê um evento esportivo que ocorre de quatro em quatro anos como a única fonte de celebração. Muito longe da “primavera árabe” esperada, e mesmo com as manifestações ocorridas, a percepção generalizada foi de tranquilidade — com algumas poucas, mas importantes exceções de equivocadas reações policiais (que devem ser devidamente investigadas) a manifestações pequenas.
Nesta semana, o Brasil sedia uma reunião dos Brics em que se concluem as negociações de formação de um fundo internacional de reservas e um banco internacional de desenvolvimento econômico. E mais uma vez, há o perigo de o noticiário repercutir uma visão destorcida das suas motivações e possíveis consequências - por exemplo, com a equivocada ideia de que o objetivo do Brasil seja de “confrontar” as instituições de Bretton Woods (o Banco Mundial e o FMI). Mais uma vez estar-se-ia indicando uma visão do Brasil não condizente com o seu protagonismo no mundo: uma nação que conduz seu posicionamento frente aos graves problemas da economia e da arquitetura financeira internacional com ufanismo e na base da “patriotada”.
Esta visão, que pode parecer inocente, tem de ser imediatamente rechaçada. Sim, existe uma frustração com o pouco avanço das reformas de governança naquelas instituições, e que ainda são fortemente determinadas por uma geopolítica ultrapassada. Mas a criação das duas instituições acima mencionadas dentro do grupo Brics corresponde muito mais a uma constatação de que a evolução recente das finanças internacionais exige respostas que vão além das instituições existentes.
Por exemplo, sabemos que apesar da crise financeira de 2008, e de todos os pedidos para uma revisão da arquitetura financeira internacional, os resultados têm sido limitados, e as finanças internacionais não param de crescer, estimuladas por uma ampliação da liquidez internacional, por sua vez, fruto das políticas monetárias não-convencionais das economias que emitem moedas internacionais. Em 2013, os fluxos de capital privado ultrapassaram a marca de um US$ 1 trilhão e encostaram no volume recorde que se observou em 2007.
Apesar do crescimento da “capacidade financeira de fogo” do FMI (o chamado “forward commitment capacity”), atualmente, pouco acima de US$ 400 bilhões, ele representa somente uma fração do que seria necessário para fazer face a mudanças abruptas nas estratégias de investimento dos grandes investidores internacionais. O fundo de reservas dos Brics representa, portanto, assim como outras iniciativas nacionais e multilaterais, um reforço contra um possível risco sistêmico global.
No caso do financiamento de projetos de desenvolvimento, a capacidade das instituições financeiras internacionais continua muito aquém das necessidades correntes. Por exemplo, como se observa no gráfico, o fluxo líquido de empréstimos das instituições financeiras internacionais (que inclui o Banco Mundial), que crescera significativamente até 2010, vem caindo. E espera-se que seja negativo em 2013. Ao mesmo tempo, os países em desenvolvimento apresentam uma necessidade de financiamento de infraestrutura estimada em US$ 2 trilhões ao ano, dos quais uma parcela significativa será necessária para os países do grupo Brics. Estes montantes e suas diferenças preocupam. E a questão financeira é só uma parte do problema.
Ao longo dos anos, ficou claro que as melhores soluções de desenvolvimento advêm da experiência daqueles que as enfrentam diariamente. Por isso, a cooperação e a troca de conhecimento do Sul para o Sul se apresentam como uma avenida importante para acelerar o desenvolvimento. Entretanto, se as instituições de Bretton Woods têm apresentado espetaculares revisões sobre as “melhores práticas e políticas” para economias em desenvolvimento, ainda continuam sendo mais bases de promoção de uma visão de nações do Norte do que plataformas de cooperação Sul-Sul.
O mundo observou na Copa que o Brasil tem no futebol uma paixão nacional. Mas quando se trata de expressar e implementar suas aspirações, a nação não age com o espírito de um nacionalismo de confrontação — mas sim de acordo com suas necessidades de médio e longo prazos, e consistente com um projeto, já exitoso, de desenvolvimento inclusivo. Foi isto que o mundo viu na organização do evento Copa do Mundo. Foi o que se demonstrou na recepção que aqui tiveram todos os participantes internacionais. E é o que ocorre na cúpula dos Brics em Fortaleza.