Goleada dentro e fora de
campo
Futebol brasileiro
sofre com amadorismo e tem dificuldades de formar atletas de pontas como no
A goleada da Alemanha sobre o Brasil por 7x1 na Copa do Mundo e o título
dos alemães evidenciaram a diferença de preparação dos dois países e a
necessidade de mudança no futebol brasileiro. Para especialistas em gestão, o
amadorismo no comando do futebol do país é um dos principais problemas. Com
dirigentes não remunerados e escolhidos apenas pela força política, o Brasil
vai na contramão da Europa, que paga salários altos para contratar os melhores
executivos do mercado. Além disso, a falta de planejamento a longo prazo deixa
uma interrogação no futuro do futebol no país. Após o mundial, as únicas
medidas da CBF foram dispensar a comissão técnica e contratar o ex-goleiro e
empresário de jogadores Gilmar Rinaldi, para o cargo de coordenador da seleção
brasileira, além de reconvocar Dunga para ocupar o lugar de Felipão.
Para o diretor executivo da empresa especialista em gerenciamento
Innovia Training & Consulting, Ricardo Barbosa, o problema é cultural, pois
falta vontade de planejar no país. “Para ter resultado precisam fazer um
trabalho de planejamento, marketing, estratégia. O futebol brasileiro acha que
é só nascer e pronto”, disse Barbosa.
Em 2000, a Alemanha viveu situação similar e decidiu mudar após um
resultado que também foi considerado como vexame. A seleção alemã foi derrotada
por 3x0 por Portugal em 2000 e eliminada na primeira fase da Eurocopa. “Depois
disso, fizeram todo um planejamento nas categorias de base, na educação e na
formação de profissionais. Esse planejamento fez a diferença”, comentou
Barbosa.
Para o consultor e idealizador do modelo Simples Complexo Gerencial,
Aírton Cicchetto, a diferença de planejamento entre Brasil e Alemanha foi
demonstrado até no trabalho de psicologia das duas seleções. “A CBF chamou uma
psicóloga de última hora, porque os jogadores estavam abalados, enquanto a
Alemanha tem um psicólogo que já trabalha com eles há nove anos. Lá, até a
música que eles escutam é planejada”, disse.
Cicchetto acredita que, se o Brasil quiser retomar a hegemonia,
precisará iniciar a estruturação imediatamente. “Já estamos atrasados para a
próxima Copa”, comentou.
Para o sócio-diretor da Pluri Consultoria, Fernando Ferreira, é a CBF
que precisa ser a catalizadora das mudanças do futebol brasileiro. “A CBF se
furta disso, mas cabe a ela liderar e induzir os clubes a realizar essas
mudanças. Não adianta trazer grandes técnicos como Guardiola e Mourinho, se o
trabalho na base não for eficiente”, disse.
Segundo Ferreira, o futebol brasileiro é uma indústria que não se
atualizou e está ficando cada vez mais atrasada enquanto não adota o
profissionalismo na gestão. “Se tivessem planejamento, aumentaria a oferta de
jogadores de qualidade, algo que a CBF se beneficia diretamente. Hoje, ela tem
contratos milionários sem fazer nada”. Ferreira também condena a falta de
objetivo da entidade. “Ninguém sabe o que o Brasil quer para daqui a 10 anos.
Eles só falam em ganhar, mas como? Como estará nossa liga, nosso estádios? Qual
será o modelo de futebol? Querer ganhar, todo mundo quer.”
No balanço financeiro de 2013, apresentado na assembleia geral do último
dia 16, a entidade apontou um faturamento de R$ 452 milhões, no ano passado, e
lucro de R$ 56 milhões. Com isso, a CBF, que é uma entidade sem fins
lucrativos, teve lucro equivalente ao que a federação alemã investe na formação
de base anualmente, aproximadamente € 20 milhões (R$ 60 milhões).Setor que a
CBF não investe R$ 1.
O problema na gerência passa também, segundo Ferreira, pelo amadorismo
dos clubes brasileiros, que ainda trabalham com dirigentes não remunerados.
“Como o futebol aqui é associativo, sem fins lucrativos, temos uma aberração,
que são esses dirigentes não remunerados”.
Para Ferreira, esse modelo com dirigentes amadores não cabe mais
atualmente e atrapalha na formação dos jogadores. “Em qualquer lugar do mundo,
quem quer se desenvolver contrata os melhores profissionais. Enquanto aqui,
temos dentista como diretor de marketing, médico que é diretor jurídico, só
pela força interna no clube, mas sem a formação desejada para o cargo”.
O exemplo seriam os clubes europeus, que funcionam como empresas e
contratam importantes executivos. Segundo Ferreira, os brasileiros não
precisariam exatamente deixar de ser associativos e ter donos como os maiores
clubes da Europa e sim apenas profissionalizar a gestão. “Até mesmo Barcelona e
Real Madrid, que também são clubes associativos, não trabalham com dirigentes
amadores. Apenas o presidente é político, os demais são especialistas
contratados para a área”, A solução, segundo Ferreira, é obrigar os clubes
através de leis a acabarem com os cargos não remunerados e terem executivos de
verdade em suas diretorias.
Ferreira acredita que toda essa reformulação passa também por um
calendário melhor organizado e a volta de público aos estádios. “Se os clubes
fossem empresas, isso estaria resolvido, porque trabalhariam nisso. O futebol precisa
se profissionalizar”.
A diferença de gestão entre os brasileiros e europeus fica ainda mais
evidentes nas receitas dos clubes. No Brasil, o São Paulo foi o que mais
faturou em 2013, com R$ 363 milhões. Seguido por Corinthians (R$ 316 milhões),
Internacional (R$ 228 milhões), Flamengo (R$ 273 milhões) e Atlético MG (R$ 228
milhões). Os cinco juntos tiveram arrecadação de R$ 1,46 bilhão, inferior ao
Real Madrid, que na temporada 2012/2013 arrecadou R$ 1,56 bilhão. O clube
madrilenho apresentou o maior faturamento no período, superando o Barcelona (R$
1,46 bilhão) e Bayern de Munique com (R$ 1,3 billhão), segundo a consultoria
Deloitte.
A liga brasileira também aparece bem abaixo dos principais campeonatos
europeus. Somados, os clubes do campeonato brasileiro arrecadaram R$ 3,06
bilhões em 2013. O valor é muito inferior aos clubes da Premier League
(Inglaterra), que tiveram receita de R$ 8,9 bilhões na temporada 2012/2013.
Número também é muito inferior ao da Bundesliga (Alemanha), com R$ 6,1 bilhões,
e da La Liga (Espanha), que foi de R$ 5,6 bilhões.