Um oásis entre países
muçulmanos
Maior economia do
Sudeste da Ásia e maior país islâmico do mundo, a Indonésia se prepara para a
sua terceira eleição presidencial, na próxima quarta-feira, 9 de julho
Florência Costaflorencia.costa@brasileconomico.com.br
A Indonésia é a terceira maior democracia do mundo, depois da Índia e
dos EUA, com 185 milhões de eleitores. Trata-se de um verdadeiro oásis entre os
países com maioria de população muçulmana. Conseguiu realizar uma vitoriosa,
mesmo que difícil, transição para a democracia, mantendo o pluralismo
religioso. Os países que vivenciaram a Primavera Árabe amargam hoje graves
desafios internos, como o Egito. Outros, como Iraque e Síria estão sendo
dilacerados pela guerra civil incendiada por fundamentalistas.
À sombra de gigantes como a China e a Índia, a Indonésia, cada vez mais
confiante, procura um lugar ao sol no cenário global. Os indonésios livraram-se
há 16 anos do fantasma da intervenção militar, representado pelo longo governo
autoritário do general Suharto (1966-1998). O país mergulhou então em reformas
políticas que fortaleceram a sua democracia. Há exatos 10 anos, promoveu as
suas primeiras eleições diretas.
Há dois principais atores em ação nesse pleito. O ex-governador de
Jakarta, Joko Widodo (apelidado de Jokowi) tem fala mansa e é visto como um
homem comum, vindo da classe média. O ex-comandante das Forças Especiais,
Prabowo Subianto, com passado duvidoso no quesito direitos humanos e famoso
pelo pavio curto, no entanto, tem avançado nas pesquisas nas últimas semanas,
retirando a liderança de Jokowi.
Ambos sonham suceder o atual presidente Susilo Bambang Yudhoyono,
prometendo fazer a economia do país crescer 7% ao ano. Hoje a Indonésia, quarta
nação mais populosa do planeta, com 240 milhões de habitantes, é a 18ª economia
mundial, crescendo a 5,8% ao ano (2013). Além do mais, tem a vantagem de uma
população jovem: média de 28 anos. De vez em quando é citada como uma possível
candidata a se tornar o segundo “I” dos BRICS.
Ambos tem desfilado uma retórica nacionalista nos debates. Prabowo tem
caracterizado decisões de permitir mais investimentos estrangeiros como traição
nacional. Ele bate na tecla de que a Indonésia tem perdido dinheiro para
exploradores estrangeiros de seus recursos naturais. Seus discursos são
frequentemente anti-ocidentais, recheados de críticas às multinacionais, como
se fosse um avatar de Sukarno. Jokowi, defensor do fortalecimento de pequenas e
médias empresas indonésias, promete buscar a auto-suficiência nacional em
várias áreas, como a segurança alimentar e energética. Mas assessores de ambos
afirmam que essa retórica é apenas para consumo público.
Por sua retórica menos agressiva, Jokowi é o preferido pelos
investidores, segundo várias pesquisas. Mas um relatório, de 26 de junho, do
Morgan Stanley ( “Indonesia Economics and Strategy - the Election Square-Off”)
diz que não há perigo de o país sofrer significativas mudanças econômicas
depois das eleições, ressaltando o forte tecido democrático da Indonésia. Há
vários desafios pela frente: melhorar a educação, combater a corrupção e a
desigualdade, são alguns deles.
Os dois competidores tem estilos pessoais e biografias completamente
distintos. Jokowi, 52 anos, é mais humilde, um típico “outsider” da política.
Filho de um carpinteiro, Jokowi foi um vendedor de móveis antes de entrar para
a política em 2005, quando foi eleito prefeito da cidade de Surakarta, de porte
médio, a 500 km da capital Jacarta. Em 2012, foi eleito governador de Jakarta.
Um cruzado anti-corrupção, Jokowi evitou os tangíveis sinais de poder, como
carros da moda. Anda pelas ruas ouvindo as queixas das pessoas em primeira mão.
Durante a campanha, seus adversário espalharam a notícia de que Jokowi
seria um cristão escondido no armário. Para rebater os boatos — bastante
prejudiciais em um país onde mais de 87% de sua população é muçulmana — ele fez
circular suas imagens entre líderes religiosos islâmicos e em peregrinação a
Meca.
Prabowo, 62 anos, por outro lado, é um ex-general, e ex-genro do ditador
militar Suharto. Seus críticos o veem como parte do velho regime autoritário
que dominou a Indonésia por três décadas. As acusações mais graves contra ele
são de grupos em defesa dos direitos humanos. Ex-chefe das Forças Especiais no
fim da era Suharto, Prabowo é acusado de ter participado, em 1998, do sequestro
de 23 ativistas pró-democracia, sendo que 13 desapareceram.
Mas nada disso tem se mostrado eficiente para estragar a sua imagem de
homem forte capaz de proteger a Indonésia de eventuais interesses externos
escusos. Com forte senso teatral e bom de lábia, Prabowo chegou a aparecer em
um comício montado em um musculoso cavalo, com pose imperial que faz lembrar a
do ex-presidente João Baptista Figueiredo.
Dono de um temperamento forte e irascível, Prabowo tem sido apontado
pelos adversários como um saudosista dos tempos da caserna. Mas ele nega
qualquer intenção de volta ao temp+o. Vários analistas afirmam que a
consolidação democrática da Indonésia não permitiria isso. Candidato mais rico
do pleito indonésio, tem uma fortuna avaliada em US$ 148 milhões, enquanto
Jokowi ostenta riqueza bem mais magra: US$ 2,5 milhões.
A campanha de Prabowo é apoiada por uma musculosa mídia: ele é amigo dos
dois principais magnatas da televisão do país, cujos canais são assitidos por
mais da metade dos espectadores indonésios. A peça de campanha que mais causou
polêmica foi um vídeo musical com fortes tonalidades nazistas, feito por
cantores como tributo a Prabowo. Foi uma adaptação do clássico “We Will Rock
You”, da famosa banda Queen. O músico Ahmad Dhani usa no vídeo um uniforme no
estilo fascista e segura uma garula de ouro: um pássaro da mitologia indonésia
que lembra a águia imperial germânica usada na iconografia nazista.
O vídeo viral fez a revista alemã Der Spiegel publicar em seu website
uma foto-galeria mostrando como a roupa militar do cantor era de fato similar
ao uniforme usado pelo comandante da SS, Heinrich Himmler. Até mesmo Brian May,
guitarrista do Queen, meteu sua colher na polêmica, ressaltando que o vídeo não
tinha a autorização dos músicos que formaram a célebro banda de rock. O vídeo
de fato fez juz ao título da música: “Nós vamos balançar você”.