Tensão global verga juros
Na véspera da reunião de julho do comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed), os juros de 10 anos do Tesouro americano caíram ontem de 2,49% para 2,47%
Luiz Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br
Nada a ver com a possibilidade de o Fed estender por mais tempo sua política de abundante liquidez. Tudo a ver com a tensão, em espiral crescente, no leste europeu. O cerco à Rússia está impiedoso. Novas sanções são anunciadas quase todos os dias. Os especialistas estimam que cerca de US$ 75 bilhões de aplicações globais já deixaram o país. O rublo está sob pressão e o governo já cancelou nove leilões de títulos por não encontrar condições adequadas. Os dólares em debandada da Rússia encontram abrigo seguro nos EUA. O medo é tanto que até os papéis da Alemanha começam a ser procurados, embora paguem taxas ridículas. O Brasil, que vinha recebendo parte pequena dos recursos em fuga, parece já não oferecer a segurança requerida, apesar de ainda ostentar a maior rentabilidade do mundo.
O rendimento do título de 10 anos emitido pelo governo alemão caiu ontem à sua mínima histórica, a 1,122%. O juro consegue estar mais baixo do que o praticado no auge da crise do euro, entre o segundo semestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2013. O agravamento da guerra no Leste da Ucrânia, as cada vez mais pesadas sanções a investidores e empresas russas e o aparente esgotamento da paciência de Moscou se juntam à política ultra-acomodatícia do Banco Central Europeu (BCE) para produzir juros ínfimos não só na Alemanha, como também na França e na Itália. Ontem líderes da União Europeia, em reunião em Bruxelas, aprovaram restrições à Rússia que incluem novos limites mais baixos à compra de equipamentos militares e armas, corte do acesso de instituições russas ao financiamento europeu e desincentivos à compra de equipamentos para a exploração de petróleo. São providências que afundam a Rússia na recessão.
O excesso de liquidez hoje asfixiante nos EUA e na Zona do Euro normalmente vazaria pelos países emergentes. Não é o que acontece agora porque os fundos globais estão nervosos demais para pensar exclusivamente em rentabilidade. O mercado de câmbio brasileiro operou ontem ressabiado. As forças foram desequilibradas pela contração da oferta e o dólar encerrou o dia em alta de 0,34%, cotado a R$ 2,2311. Os eventos de hoje nos EUA podem ajudar a estabelecer uma rota mais precisa. Antes da reunião do Fed, será divulgada a primeira prévia do desempenho do PIB no segundo trimestre do ano. Pode ser um dado mais esclarecedor do que os dois divulgados ontem, cada um apontando numa direção diferente. Enquanto o índice de preços de residências da S&P/Case-Shiller acusou deflação de 0,31% em maio, quando o mercado esperava um avanço de 0,30%, o índice de confiança do consumidor calculado pelo Conference Board subiu de 86,4 em junho para 90,9 em julho, maior patamar desde outubro de 2007.
Será uma grande surpresa se o Fed mudar hoje o tom do seu discurso monetário. Além de manter a taxa básica entre zero e 0,25% e reduzir para US$ 25 bilhões o volume mensal de compras de títulos e hipotecas, a autoridade deverá repisar a mensagem de que a alta do juro deverá ocorrer em algum momento de 2015, talvez depois de encerrado o primeiro semestre, se o mercado de trabalho e a inflação assim o exigirem. Como o Fed não reconhece a existência de bolhas de ativos, a manutenção do juro de 10 anos na faixa de 2,50% não lhe é inconveniente. Essa taxa permite a ele encerrar o “tapering” sem nenhum constrangimento em outubro, conforme já anunciado, ao mesmo tempo em que atua para consolidar a recuperação da economia. Se o Fed agisse para puxar a taxa para um degrau entre 2,80% e 3%, o relançamento da atividade poderia ser solapado.
Os juros subiram ontem no mercado futuro da BM&F como reflexo da indisposição geral ao risco. A taxa para janeiro de 2016 avançou de 11,04% para 11,07%. E o contrato para janeiro de 2017 fechou a 11,34%, de 11,28% no encerramento anterior. O DI não se comove mais com indicadores domésticos.
A nota de crédito do BC referente a junho elucida os motivos que levaram a autoridade a injetar R$ 45 bilhões na economia. O crédito vem perdendo dinamismo, mas as famílias reduzem a inadimplência e a renda parece não sentir a retração da atividade nem os tais dos “efeitos cumulativos e defasados” do aperto monetário de 3,75 pontos concluído em abril. Sim, na ponta do lápis, o arrocho — a elevação da Selic de 7,25% para 11% —, foi brutal, mas ainda não chegou ao bolso do consumidor. Ele se retraiu não porque sua renda encolheu, mas por insegurança em relação ao futuro. Em junho, saldo do crédito total somou R$ 2,83 bilhões, ante R$ 2.804 bilhões em maio, um avanço de 0,93%, quase a mesma alta havida em maio (0,92%). “Os dados de junho não alteram a perspectiva de crescimento do crédito durante este ano: esperamos desaceleração do ritmo de expansão atual, embora já esteja inferior aos 12%”, diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
Nota-se uma queda sistemática da renegociação de crédito por parte das famílias, o que indica uma melhora no perfil de endividamento e maior capacidade de pagamento das dívidas. “A desaceleração da atividade e do mercado de trabalho não têm afetado o orçamento das famílias de maneira expressiva. Mas não se pode dizer que a situação se mantenha: a piora no mercado de trabalho deve ocorrer ainda este ano”, diz Gonçalves. Segundo o BC, a inadimplência do sistema financeiro recuou para 3,0%, após 3,1% em maio e estabilidade em 3,0% entre dezembro de 2013 e abril de 2014. Em junho do ano passado a inadimplência era de 3,4%. As famílias estão mais solventes. A inadimplência delas caiu de 6,7% para 6,5% em recursos livres e de 1,9% para 1,7% em direcionados. E a inadimplência das empresas cedeu de 3,5% para 3,4% em livres e ficou estável em 0,5% no crédito direcionado.
O problema do crédito é de falta de confiança, não escassez de oferta de recursos. Se este quadro permanecer, boa parte dos R$ 45 bilhões liberados pelo BC retornará ao governo como aplicação em títulos públicos. Para a maior parte dos analistas, a desconfiança só será revertida com a implementação de uma política econômica austera, que imponha sacrifícios de curto prazo e acene com o bem-estar futuro. Se as mudanças forem críveis, a expectativa de que o futuro será melhor já instala no presente um clima de expectativas confiáveis e tranquilizadoras. Não dá para promover essa guinada até outubro. Até lá o governo estará empenhado em ganhar uma eleição.