Como precificar a tragédia?
Após o feriado
paulista de ontem, os mercados financeiros retomam plena atividade hoje com a
tarefa urgente de tentar “precificar” os possíveis efeitos sobre a economia do
golpe desferido à autoestima nacional pela ultrajante derrota da seleção na
semifinal da Copa
Luiz Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br
Os analistas, os consultores e os homens que fecham operações terão de
avaliar se o impacto é passageiro ou se a vergonha só será reparada por uma
mudança completa “em tudo que está aí”. A primeira reação já foi conhecida
ontem mesmo, em Nova York. Os ADRs de ações brasileiras subiram com vigor na
Nyse. O índice Brazil Titans 20 avançou 1,24%. O investidor aposta que ou o
governo atual terá de acenar com reformas capazes de levantar os brios ou
abrirá caminho para que a oposição as faça. As repercussões nos segmentos de
câmbio e juros futuros podem seguir a mesma linha hoje. Nesses casos, a da
queda.
Mas ainda é muito cedo para uma precificação mais acurada. A percepção
imediata, sujeita a revisão posterior, é de que a economia sofrerá mais ainda.
Por quê? Das poucas coisas das quais o brasileiro se orgulhava era do
futebol-arte pentacampeão do mundo. Sem ele, retorna o complexo de vira-lata.
Sobrou apenas a dura realidade. Como sobreviver nesse mundo inóspito sem a
magia dos grandes craques? Resta precaver-se diante de um futuro sombrio que
conjuga inflação alta, estagnação econômica e desesperança nos políticos. De
que forma?
Da maneira clássica: cortando, no caso das famílias, os gastos não
essenciais e o consumo que pode ser protelado; e, no caso das empresas, o
investimento e os custos que ainda podem ser cortados. Isso já vinha sendo
feito, como mostra a queda em bloco de todos os índices de confiança. Se o
sentimento que prevalecer for de que as mudanças requeridas no futebol têm de
se espraiar pelo mundo da política e da economia — e pior, se predominar a
antiga sensação de que nada em essência mudará —, os cortes de gastos irão se
ampliar.
O mercado não tem certeza disso, mas também não tem confiança de que não
acontecerá. Nesses momentos de cenários enevoados, as reações dos investidores
costumam ser de medo. Armam-se estratégias destinadas a proteger o patrimônio.
Se consolidar-se a impressão de que a economia irá atolar-se mais um pouco no
pântano em que já está, a resposta técnica será uma queda dos juros futuros, e
o dólar irá oscilar ao sabor do embate entre os que buscarão segurança numa
moeda forte e os que apostam na troca do partido que está no poder há 12 anos.
Podem ser complicadas agora tentativas de isolar o mundo do futebol do
“mundo real”. Se é certo que não há historicamente vinculação entre os
resultados dentro de campo e os colhidos nas urnas, nem o marqueteiro mais
autoconfiante conseguirá garantir que desta vez não será diferente, pois nunca
houve um insulto tão devastador ao orgulho nacional — uma afronta agravada pelo
gasto de R$ 26 bilhões com a realização do evento.
Como o mercado pode prever as providências do governo se as pesquisas
hoje favoráveis a Dilma Rousseff derem uma guinada? Ao invés das reformas
almejadas, ele poderia intensificar os gastos públicos para soerguer a economia
cambaleante, torcendo para que nenhuma agência de rating rebaixe a nota
brasileira antes de outubro, e aprofundar a âncora cambial, reduzindo o preço
do dólar artificialmente para aumentar a sensação de riqueza do eleitor. Não
dá, por enquanto, para arquitetar operações financeiras com base nessas
suposições. Mesmo porque se a seleção se redimir no sábado e ganhar de forma
convincente, dará guarida às análises de que a tragédia do Mineirão foi um
acidente irreproduzível. Mas os tesoureiros ficarão com os dedos no gatilho.
O comportamento do dólar ontem não foi indicativo de tendência. O
fechamento da praça paulista enxugou drasticamente a liquidez do câmbio. O
dólar subiu 0,11%, cotado a R$ 2,2170. Os dados divulgados ontem pelo Banco
Central sobre a balança cambial foram mistos e não mereceriam comemorações.
Embora no acumulado de junho o fluxo tenha sido positivo em US$ 118 milhões —
com a entrada financeira líquida de US$ 1,89 bilhão suplantando o déficit de
US$ 1,772 bilhão registrado pela conta comercial —, nos três primeiros dias de
julho houve um déficit de US$ 1,61 bilhão, puxado pela saída líquida de
capitais financeiros de US$ 1,712 bilhão. O acumulado do ano também não inspira
otimismo. A balança está positiva em US$ 2,539 bilhões de janeiro a 4 de julho,
mas este saldo é 70% menor que o contabilizado em idêntico período de 2013.
O mercado secundário de títulos do Tesouro americano recebeu com certa frieza
um dado novo inscrito na ata da última reunião de política monetária do Federal
Reserve (Fed), divulgada ontem. O comitê fixou o mês de outubro como o de
encerramento do programa de compras de títulos e hipotecas. “Caso a economia
apresente o progresso esperado pelo Fed, e as compras de ativos reduzidas a
cada reunião, a última redução acontecerá após o fim do encontro de outubro”,
diz o documento.
A frase acaba com uma incerteza do mercado e estabelece a data para o
início da contagem regressiva de seis meses para o aperto monetário
propriamente dito. O “tapering” foi iniciado em dezembro, com a redução das
aquisições de US$ 85 bilhões para US$ 75 bilhões. Após quatro cortes do mesmo
tamanho, a injeção de liquidez é hoje de US$ 35 bilhões. Pelo roteiro
estabelecido ontem, deve baixar para US$ 25 bilhões na reunião marcada para o
próximo dia 30 e depois para US$ 15 bilhões em 17 de setembro. E, no encontro
de 29 de outubro, será feito a última poda, não mais de US$ 10 bilhões, mas de
US$ 15 bilhões.
A dúvida dos analistas era se o Fed também cortaria US$ 10 bilhões em
outubro, deixando um restinho de US$ 5 bilhões para a última reunião do ano, em
17 de dezembro. A dúvida não era irrelevante, pois será a partir da data final
do afrouxamento quantitativo que o mercado começará a contar os seis meses. O
encerramento do programa já em outubro introduz a possibilidade de a taxa
básica de juros iniciar um movimento de elevação já no início do segundo
trimestre de 2015. Caso o “tapering” prosseguisse até dezembro, o prazo se
estenderia até o fim do primeiro semestre.
Apesar da relevância dessa definição, como o Fed condiciona o início do
aperto ao comportamento efetivo da economia, os mercados optaram ontem pela
cautela. E a taxa da “treasury” de 10 anos, embora tenha chegado a subir de
2,56% no fechamento de terça-feira para até 2,61% ontem, fechou a 2,55%.