sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Entrevista
"Nosso projeto é de poder"
Bruno Dutra   (bruno.dutra@brasileconomico.com.br) 12/12/13 15:54


Segundo Amaral, Eduardo Campos é o candidato do PSB à presidência e Marina será vice. Foto: José Cruz/ Agência Brasil

Roberto Amaral diz que objetivo do PSB é levar Eduardo Campos à Presidência. Partido se afastou do PT e conversa com PSDB
Rio - Após acolher a ex-senadora Marina Silva, o PSB quer emplacar um projeto de poder, segundo o vice-presidente da legenda, Roberto Amaral, para levar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à Presidência da República. Em entrevista ao Brasil Econômico, Amaral diz que não terá apoio do PT em 2014 e vê o antigo aliado como rival. Ex-ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula, Amaral diz que é o momento para o PSB mostrar suas ideias e dar fim à dicotomia PT-PSDB, mas o partido ainda não tem diretrizes claras para um eventual governo. Ao mesmo tempo em que afirma haver frieza na relação com o PT após a filiação de Marina, o vice-presidente do PSB não esconde que o partido tem conversado com tucanos sobre alianças em estados, como Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista. 
Como está a relação do PSB com Dilma e Lula após a aliança com Marina e a candidatura à presidência?
Está esfriada, naturalmente. Nós passamos a ser concorrentes. Tínhamos uma relação mais que política e também pessoais. A primeira vez que o PSB apoiou o Lula foi em 1988 e nossa relação vem daí. Participamos dos dois governos do Lula e participamos de parte do governo Dilma. Nossa relação era boa e muito quente. Eu considero esse momento atual como um hiato que deverá melhorar quando passar a campanha eleitoral, tudo deverá voltar ao seu curso natural.
Esse esfriamento é devido à candidatura própria?
Sim. E não reclamo disso, acho natural. De 1989 a 2010, fomos aliados e agora somos um desfalque. Reconhecemos isso, mas agora temos o nosso projeto de crescimento que é tão legítimo quanto o do PT. Não reclamo do crescimento do PT e eles não devem reclamar do nosso.
O afastamento entre PSB e PT se dá pelo fato de querer colocar fim ao ciclo PT no governo?
Nós temos todo o respeito político e pessoal por Lula e Dilma. São dois grandes brasileiros e devemos a eles duas grandes revoluções no país: a eleição de um operário que não é pouco em um país conservador como o nosso e, em um país machista, o operário ser sucedido por uma mulher. Somos contra o partido único. Achamos que o PT demonstrou sua capacidade de fazer, mas essa capacidade não é exclusiva. O próprio PT começa a fazer uma autocrítica. O poder demorado, contínuo, leva a uma fadiga, a vícios inevitáveis. A alternância no poder, como falo, não é necessariamente de políticas, mas de pessoas. Ouvir outras fontes, dar mais oportunidades a sociedade. Isso é fundamental para a democracia. Essa tática contra o continuísmo não se aplica só ao PT, mas também ao PSDB em São Paulo, por exemplo. Olha a quantidade de crises em São Paulo. É bom renovar, testar para acertar.

A ida da Marina Silva para o PSB fortaleceu o partido?
Sim, mas ainda não temos como mensurar este fortalecimento. Deve ficar claro no decorrer do ano, mas ainda muita gente não sabe da aliança. Ela enriqueceu o partido com ideias modernas e com seus ideais ambientalistas. Ela traz a ascensão da mulher, da mulher pobre, que se identifica com a marca atual da sociedade brasileira.

(Marina Silva e Eduardo Campos (PSB) no anúncio da filiação da ex-ministra ao partido)
O PSB tem mais afinidade com PT ou PSDB?
Estamos consolidando a nossa imagem. A nossa tese é de que a sociedade cansou deste círculo vicioso que interessa ao PSDB e PT, que circunscreveram a história do Brasil entre eles. Temos que sair disto, o país é maior que o discurso destes partidos. Queremos colocar outro discurso e ouvir a sociedade. Não precisamos repetir durante anos e anos os mesmos nomes e as mesmas pessoas. Isso é um bipartidarismo que cada vez mais se agrava. É um se aproximando do outro para tomar a fatia do outro. PSB está prestando um serviço. Eduardo e Marina estão prestando um serviço ao país.
Sem o PT, O PSB está forte para a campanha?
Estamos fortes e quero lembrar que, em 2002, tivemos candidatura própria a presidente da República [Ciro Gomes] com excelente desempenho. Ficamos em terceiro lugar com uma diferença de 300 mil votos do candidato do governo. Não tínhamos naquela época seis governadores como temos hoje. Além disso, o partido está mais maduro, a passagem pelo governo federal foi muito boa, formamos mais quadros, as passagens pelos governos estaduais foram também muito boas. Nosso projeto é de poder. Nós queremos a Presidência da República.
O que realmente interessa ao PSB?
Na dúvida, o que interessa é a candidatura à Presidência. Estamos muito preocupados com os estados, mas eles estão submetidos à lógica nacional.
Quem será o candidato real à Presidência?
A decisão é primária. Quando Marina entrou no partido, já tínhamos candidato. Nosso candidato é o Eduardo Campos e ela será nossa candidata a vice-presidente.
O Campos se reuniu com o Aécio para quê?
Essa conversa foi entre dois candidatos à Presidência. Temos dois lados para resolver. Não temos hoje nenhum problema em eleger em Pernambuco. Quando começou a discussão sobre as eleições, o PSDB se aproximou e nos via apenas como coadjuvante. Via a candidatura nossa e a da Marina apenas como possibilidades de garantir o segundo turno. Eles temiam não ir ao segundo turno. Desse ponto de vista, Eduardo, Marina e Aécio estavam aliados porque os três precisavam garantir o segundo turno. Com a vinda da Marina, a candidatura de Eduardo tomou outro corpo e isso significa a hipótese de disputa entre Eduardo e Aécio no segundo turno. Então, isso exige conversas, com análises sobre o quadro econômico. Estamos discutindo questões concretas como Minas e Pernambuco. Queremos saber qual vai ser o caminho.
Como fica o discurso ambientalista no PSB com a chegada da Marina Silva?
Isso muda. Não só o PSB, mas toda a esquerda brasileira tinha certo preconceito com a questão ambiental e não tinha uma visão muito clara sobre isso. Temos que superar isso e nós, do PSB, estamos superando, mas temos que encontrar uma alternativa que associe a visão socialista de desenvolvimento com a proteção ambiental. Temos que rejeitar o passado da construção da União Soviética e da China. Eles tinham pressa e a questão ambiental não foi cogitada. O problema que está no centro é o seguinte: isso é um ponto de vista muito pessoal. Não se resolve a questão ambiental por ela própria. Porque ela não é cria dela, é cria do capitalismo. Enquanto existir essas formas de apropriação predatória não teremos solução. Marx dizia que o capitalismo ia destruir com duas das suas principais fontes: o assalariado, com a automação, e a natureza, com a sua depredação. É preciso ter diálogo entre visão macro de mudança do regime e a visão de que, enquanto não mudar o regime, não se espera que o Brasil se torne socialista para proteger o meio ambiente. Vamos proteger o meio ambiente para esse país ser socialista.
E como se daria esse modelo desenvolvimento com respeito ambiental? Com parcerias público-privadas ou financiamento do BNDES?
É uma questão para se pensar ainda mais à frente. Não pensamos ainda nessas diretrizes. A questão da mobilidade precisa de avanços. Só descobrimos isso depois dos movimentos de rua. A questão crucial das cidades brasileiras é que o cidadão está prisioneiro dentro da sua casa e, quando sai, está sozinho no transporte particular e individual. Houve muito incentivo do governo ao transporte individual. Temos que ter política de incentivo ao transporte de massa e acabar com o incentivo ao carro particular por questões puramente euclidianas: dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Estamos há anos transformando terrenos baldios em prédios e construções, áreas onde moravam cinco, seis pessoas passaram a morar 50 famílias e as consequências disso são caóticas. Os municípios não aguentam. Comecemos por São Paulo: está precisando de ajuda do governo federal porque os encargos vêm todos para o município, mas os recursos não. Uma questão prioritária é tratar especialmente da mobilidade. Isso envolve rever áreas de trabalho, grandes avenidas e corredores de transporte, localização dos grandes hospitais, escolas, evitar os grandes deslocamentos.
Qual será o plano de governo?
Foi feito um seminário para escolher temas principais ao longo de dez meses e foi para a internet para que os eleitores possam sugerir. Não significa que será o programa de governo, são apenas os pontos principais.
O PSB pode fazer mais para o Brasil, como afirma Eduardo Campos? O que isso significa, de fato?
Ao contrário do Aécio, não negamos os 12 últimos anos de governo. Essa diferença precisa ser compreendida. Pelo contrário, somos partícipes desses 12 anos, fomos ministros. Eu fui, Eduardo foi, o Sérgio [Rezende, ex-ministro da Ciência e Tecnologia] também e tivemos agora o Ministério da Integração [Fernando Bezerra]. Somos corresponsáveis por esse governo. Nossa proposta não é revogar os 12 anos do último governo, como diz o PSDB, ou como eles dizem: está tudo errado, mas vocês nos copiaram, copiaram o governo do Fernando Henrique Cardoso. Eles têm essa contradição. Nossa proposta é avançar. Por exemplo, em políticas públicas. Estamos diante de um fracasso do estado na educação - primária, secundária, universitária. No momento, o Brasil se limita a administrar. Nos quatro níveis, a educação é uma tragédia. A criança sai analfabeta, sem saber ler e escrever. Isso se desdobra e chega na universidade. Temos que avançar também no nosso programa espacial. Estamos atrasadíssimos na fabricação de satélites, bases ou foguetes por exemplo. É fundamental nessa era de comunicação, telecomunicações, a importância de levar o país ao avanço. Estamos nos transformando em um país agroexportador, voltando aos anos 30, é uma tragédia. O agronegócio resolve alguns problemas da balança comercial, mas não resolve os problemas de especialização de mão de obra. A indústria é o setor que induz o conhecimento científico. Não conheço um país eminentemente agrícola na história do mundo que seja uma potência. O Brasil tem vocação para ser uma potência, da América Latina e do mundo. Temos um dos maiores territórios do mundo. Se comparamos à China, territorialmente, somos o que temos a maior área agriculturável. Temos que ser comparados às grandes potências e elas são industrializadas. E aí começa o círculo vicioso. Não se investe em tecnologia quando a preocupação é exportar soja. Precisamos investir em tecnologia e inovação, além de incrementar o desenvolvimento industrial. Existe uma questão grave no país, o desenvolvimento concentrado no Rio e em São Paulo. Precisamos levar isso para o Norte e o Nordeste. Outro desafio que temos é a logística, uma área abandonada pelos oito anos do tucanato. No início do governo Lula, foi feito um esforço para tapar buracos de estradas porque elas estavam abandonadas. Um país deste tamanho optou, estupidamente, por rodovias. Deveriam ser a última opção. São mais caras, exigem maior manutenção e poluem mais. Temos que rever esse modelo imediatamente que não leva a lugar algum. Estamos preocupados com o pré-sal. Num determinado prisma, você olha o país como exportador de petróleo e isso pode ser uma grande tragédia.
Por que uma tragédia?
O petróleo não é só instrumento de libertação, mas também de escravização dos povos. A maioria dos problemas que acontecem nos países do Oriente Médio é devido ao petróleo. Então, precisamos do petróleo, mas precisamos também da exportação dos derivados. Temos que ter essa compreensão. Falta projeto de longo prazo no Brasil. O país precisa pensar no futuro e não apenas nos próximos quatros anos. Temos o exemplo da China, com seus planos quinquenais e projetos de cinquenta anos à frente. A China, em 1949, era uma sociedade praticamente feudal, agrícola. Hoje, começou seu desenvolvimento de forma tão rápida e está anos-luz na nossa frente. Como se explica isso? A China se preocupa com formação tecnológica de engenheiros, físicos, matemáticos. O Brasil não se preocupa e não forma este tipo de profissional.
O que o PSB pensa para a política macroeconômica do país?
Temos que fazer duas coisas, aparentemente contraditórias, mas necessárias. O ajuste fiscal para segurar as contas e, a segunda, a reforma tributária. Hoje, a reforma tributária penaliza o consumidor e os estados mais pobres. É o único instrumento que dispomos na democracia para fazer realmente a distribuição de renda. Esses são os pontos de partida. O governo Lula começou com a reforma, mas abandonou em pouco tempo e não foi retomado pela Dilma. Está provado que não basta ter força política. Vamos levar isso para a campanha para que a sociedade conheça e adote essa ideia. Temos que fazer a inflação ficar dentro da média. Não me assusto com 4,5%, 5%. É tolice. Temos que manter essa política e tentar combater a inflação sem usar somente a política de juros altos, que pune a indústria, e tentar fazer as reformas que Marina chama de estruturantes. Um dos fatores que mais agravam a inflação brasileira é a fragilidade da logística. O chamado Custo Brasil não está no imposto, mas na infraestrutura.
Como combater a inflação sem usar somente a Selic?
Temos que baixar o Custo Brasil. É possível reduzir o custo de transporte em 30% e o desperdício. Em algumas rodovias, as pessoas fazem negócio com os grãos desperdiçados dos caminhões. É um desperdício nas rodovias e nos portos, os cálculos mostram números assombrosos, além do custo de transporte do campo até os portos. Tem também a burocracia. Não acredito que conseguiremos qualquer avanço sem a reforma do estado brasileiro, montado para não funcionar. Para qualquer coisa, existe uma burocracia muito grande e você precisa passar por uma infinidade de órgãos. É preciso rever todos os mecanismos burocráticos. O Brasil é um dos países do mundo onde há mais evasão de impostos, não adianta toda a fiscalização imposta. Outra questão muito importante foi a diversificação comercial brasileira que nos ajudou na crise de 2008. Não ficamos dependentes da economia norte-americana. Hoje, dependemos, mas como qualquer outro depende. Temos que avançar e consolidar o Mercosul, a Unasul, temos que avançar muito na Ásia e na África.
O que o PSB pensa para a reforma eleitoral?
Há uma contradição entre a esquerda e a direita. Cada um quer a reforma por razões diferentes. Nós queremos para democratizar mais o processo e eles querem para fechar mais. São duas questões distintas. Caminhamos muito bem nas eleições majoritárias e não há o que corrigir. Nosso sistema é melhor que o americano, o alemão e a bagunça italiana. O pluripartidarismo é uma vitória da democracia e não temos que mexer nisso. O grande problema é no processo proporcional, que o sistema enseja a corrupção e a traição. Esse sistema está podre. Essa democracia representativa está podre, no qual o representante não representa o representado e o representado não se sente representado pelo representante. Não há identificação com os deputados. É uma representação falsa. O projeto do deputado, em regra, é pagar dívida de campanha e se preparar para a campanha seguinte. Há distorções terríveis, como o critério da proporcionalidade que separa os grandes estados dos pequenos estados. Isso precisa ser revisto, assim como a questão das coligações proporcionais. Você vota em um candidato e elege outro. Como a legislação permite que um partido de esquerda se coligue com um de direita, é como se você votasse em um candidato de esquerda, mas na verdade está votando em um de direita e vice-versa. E há distorções no custo. Sou um defensor do financiamento público de campanha. Reduz os custos, uniformiza, limita e vigia. Nenhuma eleição é de graça e 90% dos candidatos não gastam dinheiro próprio. Essa é uma reforma urgente. Temos um Congresso que não é representativo e temos que incluir novas conquistas da democracia participativa, direta, como o direito de revogação. O eleitor não satisfeito com o representante pode cassar o mandato. Temos que aumentar o uso do plebiscito. Nenhuma reforma poderia ser feita sem um referendo. Medidas que alteram a reforma tributária deveriam ser referendadas porque se altera com o apoio da sociedade. Temos que projetar cidadãos e entidades de classe na medida que aumentamos a transparência e o acesso ao mandato do parlamentar. São medidas para aumentar a participação da sociedade e diminuir o poder do parlamentar.