segunda-feira, 31 de março de 2014

 "O Brasil pode crescer 4% ou mais"

Octávio Costa e Rodrigo Carro   (redacao@brasileconomico.com.br) 31/03/14 09:40

"O investimento é o principal seguro contra a inflação futura, uma vez que cria oferta", disse Coutinho. Foto: André Luiz Mello
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, diz que as concessões tornam o setor privado sócio da eficiência
Acostumado a receber no BNDES representantes de agências de classificação de risco, o presidente da instituição, Luciano Coutinho, conversou há duas semanas com analistas da Standard & Poor's, na sede do banco, no Rio. No encontro, a S&P reforçou que vê nos repasses do Tesouro Nacional ao banco estatal um dos focos de desequilíbrio fiscal. Em entrevista ao Brasil Econômico, Coutinho conta que defendeu o peso da instituição de fomento na economia e argumentou que, se o BNDES reduzir de forma radical seus financiamentos, haverá reflexo negativo na taxa de investimento e no crescimento no país.
Seus argumentos, porém, não foram suficientes para evitar, semana passada, o rebaixamento do rating do Brasil pela S&P, vinculando os aportes do Tesouro no BNDES e na Caixa ao desajuste das contas públicas. Mesmo assim, o economista e professor da Unicamp não recua em sua posição. Admite apenas modificar o mix de recursos, reduzindo o nível do repasse oficial e ampliando os mecanismos de mercado. E não abre mão de manter o volume de desembolso do banco, que atingiu R$ 190 bilhões em 2013 e já somou R$ 28,5 bilhões nos dois primeiros meses deste ano.
Ele destaca as vantagens existentes no país: "O Brasil tem oportunidades e fronteiras de investimento rentáveis não plenamente exploradas, e que são a chave para o futuro". E afirma: "O Brasil pode, perfeitamente, crescer a 4% ou mais".
Como o sr. viu o rebaixamento do Brasil pela S&P? No governo, muitos dizem que foi injusto, dadas as condições da economia brasileira...
Vi com a mesma tranquilidade com que o mercado recebeu esse processo. Registrei que, primeiro, havia uma expectativa já formada, e que já havia incidido sobre a precificação dos ativos brasileiros, o que se confirmou depois da divulgação. Não quero fazer um juízo de valor e prefiro olhar para o futuro. Por isso, tenho a convicção na determinação que o governo, sob o comando da nossa presidenta, tem com o compromisso da execução fiscal muito firme, na direção de realizar o superávit primário neste ano. Dessa forma, os resultados virão e corroborarão, para os mercados, a solidez e rigidez das condições brasileiras, em todos os planos. Agrego que, além disso, o Brasil tem um grande estoque de reservas, beirando os R$ 378 bilhões. Não há nenhum risco remoto de insolvência cambial, ou qualquer coisa desse tipo. Além do que, a estrutura da dívida externa brasileira é muito bem distribuída, com uma exposição de curto prazo muito pequena. Acrescento a situação muito sólida do sistema bancário brasileiro. Finalmente, quero chamar a atenção para as fronteiras de investimento muito atrativas que a economia brasileira ostenta. E que tem, no meu entendimento, fundamentado um grande interesse do investimento direto estrangeiro no país.
São necessários ajustes na política econômica atual?
Olhando o conjunto e o potencial da economia brasileira, eu diria o seguinte: nós temos desafios pela frente de fazer certos ajustes. Mas esses desafios são localizados. Não quero dizer que são coisas fáceis. Temos que vencer uma inflação; temos o ciclo da Selic, que está em processo; temos de assegurar que o processo de tapering não produza mais volatilidade cambial; uma série de desafios. Mas esses problemas são endereçáveis e realisticamente enfrentáveis. Inclusive, com potencial de crescimento mais alto do que o verificado, porque o verdadeiro potencial de crescimento brasileiro é, certamente, muito maior do que as projeções de mercado, as quais oscilam em torno de 2%.
O sr. acredita realmente que o Brasil tem plenas condições de crescer a um ritmo superior ao atual?
Sem dúvida nenhuma. O Brasil pode, perfeitamente, crescer a 4% ou mais, desde que aumentemos a nossa taxa de poupança e investimento, e busquemos, consistentemente, ganhos de produtividade e inovação.
O sr. acha que o desequilíbrio fiscal, ao qual a S&P faz referência, realmente pesa no momento?
Acredito, firmemente, que a questão fiscal não é só de curto prazo. Quando a economia não está crescendo muito, é difícil produzir um resultado fiscal muito alto. O governo arbitrou um resultado fiscal possível. É um resultado que assegura que as trajetórias das dívidas bruta e líquida permaneçam sob controle ou declinantes. E, ainda mais, há uma sinalização da disposição futura de manter uma execução fiscal firme. Não há razão nenhuma pela qual o Brasil não possa manter uma trajetória fiscal altamente saudável. Não há impedimentos estruturais nessa direção. Acredito que o futuro mostrará que a preocupação da classificadora de risco perderá substância, em função dos resultados que serão apresentados.
A S&P fez uma menção específica aos repasses do Tesouro ao BNDES, como se essa fosse uma das distorções. O sr. acha que há algum exagero nos repasses?
Eu até recebi aqui, rapidamente, a agência, e nós explicamos o seguinte: primeiro, estamos sintonizados com o esforço fiscal. Isso significa que o banco precisa trabalhar para minimizar as necessidades de recursos em TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). Uma nova política operacional já está efetiva, de forma a combinar mais fontes de mercado e criar um balanceamento, no qual poupa-se TJLP e busca-se ter mais fontes de mercado. Essa política já está em vigor, desde o início do ano, em sintonia com o esforço fiscal.
Um corte drástico teria que consequências?
Se o BNDES fizer um ajuste radical, em um contexto no qual a taxa Selic e os custos de capital ainda estão subindo, é claro que os grandes prejudicados seriam o investimento e o crescimento. Por outro lado, investimento e crescimento são considerados variáveis importantes na própria avaliação de risco. É interessante que as agências têm uma visão equilibrada. Elas não só estão cobrando firmeza na execução fiscal. Também estão cobrando mais investimento e mais crescimento. Então, é preciso ter um bom senso de conciliar esses processos, de forma consistente. Acredito também que há um consenso nacional a respeito da necessidade de que o país invista mais, porque o investimento é o principal seguro contra a inflação futura, uma vez que cria oferta. Ao criar oferta para o futuro, pode até pressionar a demanda agregada a curto prazo, mas, no médio prazo, é deflacionário, ajuda a manter a estabilidade.
O senhor chegou a se reunir com a área técnica da S&P e explicar isso?
Isso foi conversado. Nós mantemos, de longa data, um intenso diálogo com as classificadoras de risco, inclusive com a Standard & Poor's. Nossa disposição de manter o processo sintonizado com os objetivos gerais foi explicada, e creio que foi bem entendida.
O rebaixamento afeta a captação de recursos pelo BNDES? Muitos dos recursos disponíveis para o banco vêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)...
Sim, essa é a nossa captação interna. Mas sobre afetar a nossa captação do exterior, não sabemos. Nós realizamos, no ano passado, uma captação muito bem sucedida, em outubro, quando tivemos uma sobre demanda. Queríamos captar US$ 1 bilhão, a demanda subiu a US$ 11 bilhões, e nós terminamos emitindo cerca de US$ 2 bilhões, porque as condições, na curva, eram muito favoráveis. Isso mostra que o BNDES continua gozando de uma boa reputação, mesmo quando o credit default swap (CDS) do Brasil já tinha subido. Estamos captando dentro da curva. Logo, acredito que esse efeito já estava precificado. Obviamente, temos um conjunto de oportunidades em moeda estrangeira e nós vamos maximizá-las.
Há quase uma confirmação de que os repasses do Tesouro serão menores neste ano. Isso significa que o desembolso total do BNDES para 2014 vai ser bem menor que os R$ 190 bilhões do ano passado?
Nossa tarefa é sustentar a expansão do investimento. Devo buscar um mix de funding para o banco que atenda, de um lado, à política fiscal brasileira e, de outro, permita-me continuar sustentando o investimento. O equacionamento disso significa que eu devo operar com mais fontes de mercado, utilizar mais intensamente as debêntures de infraestrutura e outras formas. Estamos, inclusive - isso é algo de novo - estudando propostas para facilitar, ainda mais, a participação do mercado de capitais. De forma que o relevante é fazermos um esforço para poupar os recursos em TJLP, que são aqueles com incidência sobre as necessidades de suporte vindos do Tesouro Nacional, e busquemos maximizar as fontes de mercado. Nesse sentido, em parceria com o mercado, vamos ser mais agressivos no mercado de capitais. O relevante não é quanto vai ser o volume total do BNDES, mas quanto de operações junto com o mercado e de que forma o banco faz uma mixagem de recursos, de forma a continuar suportando um grande objetivo brasileiro, que é fazer crescer os investimentos e aumentar a taxa agregada de investimentos, para continuar suportando o crescimento do país, permitindo o avanço dos projetos de desenvolvimento produtivo da infraestrutura e das indústrias prioritárias da inovação, e assim por diante.
Qual a importância das concessões privadas para alavancar o investimento?
O papel das concessões para o setor privado é absolutamente central na estratégia de subir a taxa agregada de investimento. Elas vão representar pelo menos um ponto a mais na relação investimento/PIB nos próximos anos. Primeiro, pela razão óbvia. O setor privado é um agente muito mais eficiente para realizar esses investimentos com maior celeridade. A concessão é um modelo que torna o setor privado sócio da eficiência. Como ele é o empreendedor, vai querer que o investimento seja realizado da maneira mais rápida, mais eficiente e com o menor custo. Segundo, porque permite - diferentemente de projetos inteiramente ancorados no orçamento público, que representam carga sobre o Estado - deslocar a tarefa para a iniciativa privada e permitir que o BNDES possa financiar a longo prazo o ciclo de investimentos ao setor privado, que não está impedido de tomar crédito. Então, acredito que todos os projetos que têm um retorno privado, sob PPP ou concessão, ao serem transferidos para a iniciativa privada, trazem uma grande vantagem para o país, de celeridade, redução de custos e viabilização de seu financiamento, sem sobrecarregar as finanças públicas. Parece-me que esse é um vetor-chave para qualquer programa de futuro para o país.
No Brasil, a taxa de investimento não chega a um padrão que o sr. mesmo afirma que seria a ideal, algo em torno de 22%, 23% do PIB. Continuamos em torno dos 18%. O que impede a taxa de chegar a essa proporção do PIB?
Primeiro, eu queria fazer duas observações de natureza mais estatística. Uma é que o preço dos bens de capital caiu de maneira muito significativa, nos últimos anos, o que é uma boa notícia. Até por conta do barateamento relativo do sistema de tecnologia de informação, pela acirrada concorrência tanto da indústria de máquinas quanto na exportação de bens de capital por parte de todos os países. De maneira que, se nós não computássemos o efeito da queda do deflator implícito da formação de capital, estaríamos hoje com uma taxa superior. Por exemplo, se trabalhássemos em cima de preços de 2007, estaríamos hoje com a Formação Bruta de Capital Fixo sobre o PIB de 20,5%. Nós investimos mais, mas como o preço caiu, tem uma parte que é um efeito de deflação dos bens de capital. Na verdade, nós temos, sim, uma taxa mais elevada. A formação de capital fixo até 2004, 2005, oscilou em torno de 16% a 17%. Hoje, nós estamos oscilando, em termos correntes, entre 18% e 19%. Mas, a termos de preços históricos, acima de 20%. Então, houve uma mudança de trajetória.
O sr. está satisfeito com o novo patamar?
Não, gostaria de ter mais. Tem outro ponto que não está claramente elucidado. As pessoas dizem: "O BNDES aumentou os recursos, mas a formação de capital não respondeu". Não é verdade. Eu queria, também, voltar aos fundamentos econômicos. Se nós tomarmos o desembolso do BNDES em preços atuais, chegamos a um pico em 2010. As estatísticas mostram que há, claramente, uma relação entre o desembolso do BNDES e a participação do BNDES sobre o PIB. Em 2013, nós desembolsamos R$ 190 bilhões, mas, a preços de 2013, o que nós desembolsamos em 2010 seriam R$ 201 bilhões. Isso relativiza um pouco.
Há possibilidade de avançar mais em termos de investimento?
Acredito que o Brasil tem oportunidades e fronteiras de investimento rentáveis não plenamente exploradas, e que são a chave para o futuro do país. Ou seja, eu tenho a firme convicção que a agenda futura do Brasil passa pela continuidade de um ciclo de investimentos duradouro, que alavanque a Formação Bruta de Capital Fixo sobre o PIB para a vizinhança de 22%. Eu continuo com essa meta, porque isso significa o seguinte: crescer sustentavelmente depende de mais investimento e mais ganhos de produtividade. São duas agendas, embora elas pareçam dissociadas. O investimento é um canal fundamental para gerar ganhos de produtividade para a economia. Primeiro, o investimento em infraestrutura é essencial para gerar ganhos sistêmicos de produtividade. O Brasil tem gargalos e ineficiências de logística, é evidente. O país tem custos logísticos na escala de 9% do PIB, segundo algumas estimativas, enquanto os EUA têm algo em torno de 4,5%. A ineficiência da logística se traduz em várias dimensões, como a perda da safra. Este é um lado. O outro lado é que o investimento é portador, em geral, de novas gerações de máquinas e equipamentos, especialmente o investimento industrial, e isso significa mais produtividade. Ademais, temos uma outra grande dimensão da produtividade, que é associada, mas requer um grande esforço de qualificação dos trabalhadores, porque os paradigmas de produção estão evoluindo.
Evoluindo de que forma?
Teremos que preparar a classe trabalhadora, especialmente a industrial, para novos sistemas produtivos, nos quais a automação avançada terá um lugar crescente. É um fato histórico curioso. A entrada maciça da China em sistemas globais de produção de suprimento industrial, como fornecedora pronta de equipamentos para os países desenvolvidos colocarem a plaquinha de suas marcas e comercializarem, produziu no sistema global um grande manancial de força de trabalho a salários muito baixos. E reorganizou as cadeias globais. Porém, a transição demográfica chinesa é muito rápida. A política do filho único se entranhou profundamente. A desaceleração do crescimento da população economicamente ativa já está levando a aumentos de custos empresariais. Isso retoma uma velha agenda, que ficou interrompida, da aceleração da automação industrial, com a aceleração de sistemas mais integrados de produção industrial, sob comandos computadorizados, mais introdução de robótica etc.
O sr. comentou sobre oportunidades e novas fronteiras de investimento no Brasil. Quais são elas?
Primeiro, poucas economias têm um volume prospectivo já visível de investimentos em energia como a do Brasil. Nós precisamos, continuada e persistentemente, investir em energia no Brasil. É preciso criar mais capacidade energética, em todas as modalidades. E o Brasil, felizmente, as tem, em hidroeletricidade de grande porte, PCHs, energia eólica. E precisa, também, de energia térmica, porque está mais do que comprovado que elas deveriam, inclusive, estar na base do sistema, já que em anos secos, hidricamente desfavoráveis, é preciso ter um sistema térmico maior e mais eficiente para dar plena segurança ao sistema brasileiro. A energia carrega consigo a possibilidade de desenvolver cadeias produtivas, especialmente nas novas modalidades. A segunda grande cadeia importante é a de óleo e gás. Poucos países têm uma cadeia tão poderosa e com um prospecto de investimentos tão relevante quanto temos, por conta do pré-sal. Eu agrego que o programa de investimentos atual da Petrobras, que é um dos maiores do mundo, virá acompanhado de outro ciclo de investimentos para dar conta do Campo de Libra. E, agora, a Petrobras vai estar menos sobrecarregada, porque vai ter mais parceiros. Não estou falando de uma coisa de curtíssimo prazo, mas de um processo que eu posso enxergar 20 anos à frente, de grandes investimentos.
E há muitas outras oportunidades relacionadas a esse segmento...
Se olharmos para outras formas de desenvolvimento associadas a essa cadeia na petroquímica, nos fertilizantes nitrogenados, vemos que há muitas oportunidades nesse processo. Se olharmos para o agronegócio, poucos países têm uma plataforma tão eficiente. Temos um agronegócio extremamente produtivo em grãos; na base de madeira para celulose; um agronegócio baseado na cana, no açúcar e no etanol; e outro segmento poderoso baseado nas proteínas animais. Finalmente, temos a nossa indústria de transformação. Essa não vem dando a resposta que se espera.
Por que?
Ela tem apresentado um comportamento oscilante. Porém, nós temos de levar em conta que há uma explicação para isso. Primeiro, o fortíssimo acirramento da concorrência mundial depois da crise. Os mercados dos países desenvolvidos, com forte capacidade ociosa, geraram um tremendo acirramento da concorrência internacional. Depois, até um certo momento, a apreciação da taxa de câmbio contribuiu para um relativo enfraquecimento da nossa capacidade competitiva. Esse processo foi revertido. E eu acredito que o processo de reversão da política monetária dos EUA teve um primeiro efeito de recalibrar a taxa de câmbio brasileira para uma posição menos desfavorável para a competitividade da indústria.
O câmbio é fator essencial para ganharmos competitividade?
Quero deixar claro que não advogo que a questão da competitividade da indústria deva ser enfrentada com a agenda cambial. Acho que o câmbio é um elemento importante e pode, daqui para frente, ser menos oneroso e um pouco mais estimulante para a recuperação. Do lado da competição internacional, também é realista imaginar que ela vai continuar acirrada. Portanto, isso nos impõe uma forte e incisiva agenda de produtividade e competitividade da nossa indústria, a qual deveria levantar uma reflexão sobre qual é o melhor tratamento tributário à indústria. Porque nossa indústria, por ter cadeias mais longas, possui sobre si uma incidência tributária relativamente maior do que outros setores. Temos que perseguir, também, com intensidade, uma agenda de reequipamento e reestruturação dos processos industriais e treinamento dos trabalhadores, sobre o qual eu já falei. Por fim, temos uma agenda absolutamente central de inovação tecnológica. Nós precisaremos inovar e desenvolver produtos e estar atualizados na geração de artigos manufaturados.