terça-feira, 11 de março de 2014

Relatório D.C. - Estagnação e desigualdade
11/03/14 11:00 | Rogerio Studart (rogerio.studart@brasileconomico.com.br)
Larry Summers é professor e foi presidente de Harvard, economista-chefe do Banco Mundial entre 1991 e 1993, secretário do Tesouro americano entre 1999 e 2001, e conselheiro econômico do presidente Obama entre 2009 e 2010
Larry Summers trata-se também de um economista brilhante, e um polemista de primeira linha. Recentemente, se somou a outros graduados analistas ao afirmar que a economia norte-americana está enfrentando uma estagnação secular, enfermidade que não foi nem de longe curada pela forte política anticíclica dos últimos anos. Para Summers, isto implica dizer que, na ausência de uma mudança radical de política econômica, a produção, o emprego e o crescimento mantenham-se muito abaixo do potencial. O debate sobre a possível estagnação secular deverá continuar. Resta saber se ele vai evoluir para tentar juntar "os pontos" com um outro debate, iniciado entre outros por Joseph Stiglitz, e sobre o qual escrevi na última semana: o da crescente desigualdade nos EUA (e no mundo) e suas consequências.
Autores, como Paul Krugman e Stiglitz, vêm há algum tempo apontando para o problema da pouca eficácia da política anticíclica norte-americana, associando-o com uma possível "armadilha da liquidez" da economia após o estouro da bolha financeira em 2008. Para Summers, entretanto, este não é um fenômeno novo: mesmo antes da crise de 2008, a maior economia do planeta já carregava de forma latente a enfermidade da estagnação secular. Sua tese foi apresentada, de forma brilhante, em um relativamente breve discurso em um seminário do Fundo Monetário Internacional em novembro de 2013 - disponível no site do FMI. A partir de janeiro, Summers passou a elaborar um pouco mais a sua tese em artigos em jornais como o "Financial Times", o "Washington Post" e o "New York Times". Para ele, os dados muito recentes de recuperação do investimento e do emprego deveriam ser vistos com alguma reserva: a recuperação vem ocorrendo com salários reais deprimidos, deterioração da saúde creditícia das famílias e preços de ativos inflados. O desafio da estagnação secular estaria, portanto, "não só em alcançar um crescimento razoável, mas em fazê-lo de uma forma financeiramente sustentável" - ou seja, evitando bolhas perigosas e expansão irresponsável do endividamento das famílias.
Para Summers, há três estratégias para enfrentar esta estagnação secular. A primeira, defendida também por um número de analistas, passa por um choque de oferta - com aumento de produtividade do trabalho - através de melhorias das qualificações, reforma tributária, inovação ao nível de empresas e redução dos "benefícios" dos trabalhadores. E aqui é fácil concordar com Summers: mesmo que esta estratégia possa ser benéfica para a saúde econômica de longo prazo de qualquer país, o problema no momento não é de oferta agregada, que abunda; mas de demanda agregada, que fraqueja.
A segunda é aquela que segue atualmente o banco central norte-americano, o Fed: manter baixíssimas as taxas de juros relevantes e o custo de capital, com o objetivo de estimular a demanda agregada. Porém, dois problemas tornam esta política pouco eficaz: por um lado, a economia onde prevalece uma "armadilha pela liquidez" - conforme vem apontando economistas keynesianos como Krugman e Stiglitz: devido aos altos níveis de endividamento familiar, o crescimento da liquidez se traduz mais em redução do grau de endividamento e em crescimento dos preços de ativos financeiros, e menos em consumo. Por outro, em uma situação de consumo estagnado, dificilmente o investimento manufatureiro e no setor de serviços crescera simplesmente pela redução do custo do capital - afinal quando o investidor com "espírito animal" investe, o faz pensando no crescimento dos seus mercados. O resultado é uma situação de pouco crescimento e aumento perigoso de bolhas especulativas - em mercados domésticos e externos.
A terceira abordagem para o problema, segundo Summers, trata-se de um new deal adaptado para os dias de hoje: um "compromisso com o aumento da demanda agregada", especialmente através de ativas políticas fiscal, de transferências e de emprego público; de investimentos na renovação da infraestrutura; e de criação de incentivos para "forçar o investimento privado" (Summers cita como exemplo a introdução de regulação que force uma substituição mais acelerada de usinas termoelétricas por formas menos poluentes de produção de energia). Falar é fácil: essas "soluções" teriam de enfrentar barreiras políticas, especialmente num Congresso ainda dominado por posições extremamente conservadoras e por interesses econômicos fortíssimos.
O debate sobre a possível estagnação secular é importante, e deverá continuar. Parece, entretanto, que uma parte importante do diagnóstico poderia ser melhor explorada: a relação entre a estagnação secular e a crescente desigualdade nos Estados Unidos (e no mundo). Vejamos.
Um recente relatório da Oxfam (ver "Working for the Few", no site www.oxfam.org) apresentado no fórum econômico mundial de Davos, com base em dados recentes (topincomes.g-mond.parisschoolofeconomics.eu) demonstrava o quadro de desigualdade no mundo com evidências assustadoras: quase a metade da riqueza global é de propriedade de 1% da população mundial; a metade mais pobre da população tem a mesma riqueza que as 85 pessoas mais ricas do mundo; a desigualdade cresceu em sete entre 10 países no mundo, sendo que em 24 de cada 26 países aumentou a renda relativa dos 1% mais ricos; e assim por diante. Nos Estados Unidos, a desigualdade vem crescendo há três décadas - e a situação só piorou após 2008; e cito o Oxfam de novo: "95% do crescimento econômico foi capturado pelos 1% mais ricos, enquanto os 90% mais pobres se tornaram ainda mais pobres".
No seu "período de ouro" (entre 1945 e 1973), o crescimento norte-americano se calcou em um saudável crescimento entre demanda agregada e aumento da renda real da chamada classe média. Os anos que se seguiram ao experimento liberal da administração Reagan estimularam o achatamento do rendimento médio das famílias e o aumento da concentração da renda e da riqueza. A demanda agregada continuou se expandindo rapidamente, com base no crescimento absurdo do crédito e do endividamento das famílias. Mesmo antes de 2008, diversos eram os indicadores que demonstravam a insustentabilidade deste modelo de crescimento - e muitos, como este autor, acreditam que a crise de 2008 foi somente o capítulo final desse experimento. A crise deveria ter enterrado de vez as teses que levaram os Estados Unidos a essa situação. Porém, o conservadorismo tem uma sobrevida impressionante, que impede uma discussão mais profunda e ações concretas para reverter três décadas de um modelo de exclusão econômica. A meu ver, está aí a razão da estagnação secular.