segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Informe New York - Síria e o repeteco americano
09/09/13 11:25 | Heloísa Villela (heloisa.vilela@brasileconomico.com.br)

Uma nação que continua, ano após ano, gastando mais dinheiro com a defesa militar do que com programas de avanço social está se aproximando da morte espiritual', disse o Reverendo Martin Luther King, nos últimos anos de vida.
Ele se referia, na época, aos gastos com a guerra do Vietnã. A impressão que a campanha pela invasão da Síria deixa no ar é de repeteco. O mesmo script, com novos atores e até mesmo a volta de alguns representantes do último elenco. Pois não é que a mídia norte-americana trouxe de volta Donald Rumsfeld?
Secretário de Defesa no governo de George W. Bush, Rumsfeld foi garoto propaganda da invasão do Iraque. Megafone da mentira que Saddam Hussein estava fabricando armas de destruição em massa e, por isso, teria que ser eliminado. Ele que, para muitos, deveria responder a acusações de crimes contra a humanidade em um tribunal, foi ressuscitado pela mídia, agora, como arauto da responsabilidade. Teve acesso aos microfones para dizer que o presidente Barack Obama não está liderando o país na questão da Síria. Está tentando, apenas, distribuir a responsabilidade que é dele, o chefe da nação, com o Congresso. E é por isso, segundo Rumsfeld, que o Congresso está confuso e que tantos países aliados se recusam a dar apoio ao ataque.
Seria irônico, até mesmo engraçado, se o assunto não fosse tão sério e se as vidas de milhares de pessoas não estivessem em jogo. O governo Bush nunca assumiu responsabilidade pela destruição do Iraque. Pela invasão travestida de gesto altruísta e humanitário. Pela morte de milhares de civis e pelo caos que ainda hoje domina o país, dez anos depois do começo da guerra desastrosa.
Pois é justamente essa guerra, e os motivos falsos que a motivaram, que agora dificulta mais um projeto bélico da Casa Branca. A memória fresca da guerra que ainda não terminou completamente alimenta a rejeição popular a um ataque à Síria. Mas a rejeição já foi maior. Ninguém sabe o que vai acontecer a partir de amanhã, quando Obama se dirigir à nação em cadeia nacional. Ele é um bom orador e tem popularidade. Porém, os cidadãos estão cansados e desconfiados. Ainda não se refizeram da bofetada que foi descobrir que a estória das armas de destruição de massa de Saddam Hussein não passava de invenção e que a dita ligação de Saddam com o grupo terrorista Al-Qaeda nunca existiu.
Na quinta-feira passada, o senador John McCain, candidato a presidente em 2008 pelo partido Republicano, reuniu mais de cem eleitores, em Phoenix, no Arizona, para um debate. McCain defende o bombardeio da Síria não apenas para punir Bashar Al Assad pelo suposto uso de armas químicas, mas para garantir a queda do regime. Ele talvez não esperasse a reação violenta que encontrou.
Um homem usou o microfone para cobrar: "por que você não está nos ouvindo? Fique fora da Síria. Essa briga não é nossa". Uma mulher que se disse eleitora fiel de McCain, contou que o primo dela, de dezoito anos, morreu recentemente na Síria. Foi morto pelos rebeldes. Ela afirmou que os dois lados estão cometendo atrocidades e garantiu: "Existe uma opção. Force a Arábia Saudita e o Irã a pararem de ajudar os dois lados e você pode fazer isso senador. Mas é com diplomacia e negociação e não com bombas."
Ela foi bastante aplaudida.
McCain não se convenceu. Ele continua no time pró-bombardeio. E vai tentar convencer colegas, no Congresso, a votar a favor da autorização do ataque. Vai ser uma briga difícil. No Senado, ela pode passar com uma votação apertada. Mas na Câmara, tem grandes chances de ser rejeitada, o que deixaria Obama em uma situação bastante delicada. Ir adiante com os planos de ataque, contra a vontade do Congresso, da maioria da população e sem o apoio da ONU ou voltar atrás, abandonar os planos e engolir as ameaças que fez e os brados de que é preciso punir o uso de armas químicas?
Vale lembrar, como fez o jornalista Jason Hirthler, em artigo publicado na última semana. Ele diz que os esforços para banir armas de destruição em massa do Oriente Médio foram ignorados pelos Estados Unidos e conta a história da resolução 687 do Conselho de Segurança da ONU.
"Houve acordo em 1991 para oferecer um guarda-chuva legal ao ataque dos Estados Unidos ao Iraque, ela pede uma zona livre de armas de destruição de massa no Oriente Médio e bane as armas químicas e biológicas. Naturalmente, Israel, hegemônico regionalmente, é o obstáculo óbvio para a realização da iniciativa. Em um momento de esquecida ironia, a Síria propôs o mesmo conceito ao Conselho de Segurança, com uma resolução de 2003, mas o então embaixador dos EUA na ONU, John Negroponte, disse que a levaríamos em consideração, mas histericamente acrescentou - como se tivesse recobrado os sentidos - que isso não significava que iríamos adotá-la, aceitá-la ou promovê-la, de forma alguma".
Não bastasse o Iraque, motivo mais óbvio e aparente para a rejeição ao bombardeio da Síria agora, existe outro, menos falado e mais profundo. Ele diz respeito às palavras do Reverendo Martin Luther King. A população não tem estômago para mais operação militar quando a situação econômica continua se deteriorando. Segundo Keith Hall, pesquisador sênior da Universidade George Mason, nos últimos seis meses, 97% dos novos postos de trabalho criados no país são de empregos de meio período. Aqueles que não sustentam uma família nem dão conta do aluguel.
Segundo as estatísticas oficiais, o índice de desemprego no país caiu para 7,4%. Mas existe aí um truque de cálculo. O número não leva em conta as pessoas que pararam de procurar emprego. Que já desistiram porque