quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Olhar do Planalto - Uma radiografia do atraso

25/09/13 11:15 | Sonia Filgueiras (sonia.filgueiras@brasileconomico.com.br)

Em um estudo a ser publicado no final deste ano, os economistas Armando Castelar e Julia Fontes, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), fazem uma revisão da posição brasileira em comparação ao restante do mundo no que se refere à infraestrutura
Construído a partir de dados de diversas fontes, o diagnóstico reafirma a urgência da agenda governamental de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Os dois economistas apontam que o baixo desempenho do país no que se refere aos indicadores de infraestrutura, em especial no caso dos transportes, é resultado da ação combinada de três fatores: o forte aumento da demanda por serviços no setor observado na última década, a idade das instalações e o baixo investimento realizado nos últimos 30 anos.
Há três décadas o país investe pouco mais de 2% do PIB ao ano em infraestrutura, uma taxa inferior à de vários países latino-americanos e de alguns emergentes. A China, por exemplo, investiu nada menos que 13% do seu PIB em infraestrutura em 2010. Na América Latina, o Brasil fica atrás do Chile, Colômbia e Peru, que investiram anualmente 5%, 3% e 4% dos seus respectivos PIBs, de 2008 a 2011 (dados produzidos pelos economistas Cláudio Frischtak e Katharina Davies).
Baixas taxas de investimento por longos períodos resultaram em uma estrutura estagnada e deteriorada. Estudo lançado neste ano pelo McKinsey Global Institute, analisado por Castelar e Julia Fontes, mostra que o estoque brasileiro de capital aplicado em infraestrutura (a soma dos investimentos existentes na forma de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, dentre outros itens) equivale a apenas 16% do PIB, muito abaixo do observado em Índia (58%), China (76%) e África do Sul (87%).
Dados da Fiesp, também divulgados em 2013, mostram que o desempenho da infraestrutura de transportes no Brasil em 2010 correspondia a 33% do benchmark internacional. Naquele mesmo ano, o país dispunha de 2,53 quilômetros de rodovias por 10 mil habitantes, enquanto o padrão internacional era de 4,78 km.
"Os entraves que reduzem a efetividade das estradas brasileiras cobram um alto preço na medida em que encarecem a carga que chega até os portos", apontam Castelar e Fontes. Em 2010, o custo médio de transporte de um contêiner de uma região metropolitana até o porto doméstico de destino era de US$ 1.790, quase três vezes o padrão internacional.
Embora se enquadre nos padrões internacionais em termos de utilização (quantidade de carga transportada por quilômetro), a malha ferroviária brasileira é pequena, e, na média, lenta. Apoiados em informações da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, os dois economistas apontam que a maioria dos trens viaja a velocidades entre 5 e 20 km/h.
São vários os motivos: gargalos no acesso aos portos e na descarga na área portuária; excesso de passagens de nível, em que as vias férreas cruzam ruas e estradas; o traçado curvilíneo das linhas, desenhadas há muito tempo, que acaba contendo a velocidade dos trens. Se eliminados, os entraves permitiriam aos trens andar a 80 km/h, segundo a associação.
Os resultados do relatório Global Competitiveness (GCR) de 2013-2014, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, sintetizam o problema: a qualidade das estradas brasileiras aparece na 120ª colocação dentre 148 países analisados. A dos portos, na 131ª colocação. "É a economia que oferece a 17ª pior infraestrutura portuária da amostra", destacam os dois economistas. Em todos os modais de transporte, o Brasil fica atrás dos Brics e da média da América Latina em termos de qualidade ofertada.
Julia Fontes expõe uma preocupação que parece ser coletiva: "Há vontade política de enfrentar os problemas por parte do governo, mas faltam marcos regulatórios bem definidos, regras com mais consistência técnica. O que se vê é a necessidade de frequentes ajustes normativos após o anúncio das regras. Essas fragilidades reduzem a transparência e provocam insegurança no setor privado, além de gerar atrasos".
O gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, destaca a frustração nas expectativas econômicas que o "déficit de implementação" do poder público causou neste ano, no que se refere a melhorias na área de infraestrutura. Castelo Banco lembra que a expansão e a melhoria da infraestrutura são condições necessárias (embora não suficientes) para o aumento da produtividade e da competitividade das empresas e, em conseqüência, para o crescimento da própria economia.
O governo busca as correções de rumo e tenta enfrentar seu calvário burocrático: negocia com o Tribunal de Contas da União as exigências normativas de cada concessão; pretende fazer uma revisão do modelo para garantir mais atratividade e menor risco às concessões de rodovias; e planeja editar uma Medida Provisória para dar sustentação jurídica às ferrovias. Os técnicos envolvidos nas discussões sabem que os ajustes exigem tempo e impõem desgaste, que está sendo absorvido. Em resumo, todos os elementos apontam para um processo lento, penoso e complexo. É, porém, imprescindível. Que a agenda sobreviva aos obstáculos.
O nó górdio
Integrantes do setor privado que acompanham as discussões do programa de concessões dizem que o aspecto que mais causa insegurança às empresas no caso das rodovias é a previsão de tráfego embutida nos estudos oficiais para cada um dos trechos. As estimativas são consideradas otimistas demais. O governo passará um pente fino nas projeções caso a caso. E nos argumentos dos empresários também.