terça-feira, 10 de setembro de 2013

O drama norte-americano de todos nós
Rogerio Stúdart   - Professor da UFRJ e Diretor Executivo Adjunto pelo Brasil no Banco Mundial 10/09/13 14:40

A letargia prolongada da economia dos EUA é penosa para o mundo como um todo. São muitos os estragos causados por uma política monetária persistentemente expansionista
No próximo dia 15 de setembro faz cinco anos desde o colapso do Lehman Brothers, então um dos pilares do sistema financeiro norte-americano e mundial. Com ele, se iniciou uma das maiores crises já vividas pelos Estados Unidos, e também um drama da política econômica (ou da economia política) desse país.
Já em fins de 2008, a produção industrial norte-americana havia caído 8,9%; o desemprego, até então abaixo de 5%, disparou para 10%; o crédito despencou e se iniciou uma espiral de aumento da inadimplência, deterioração dos balanços das instituições financeiras e das famílias, queda do consumo, e mais retração da produção e do emprego. Tal espiral só foi detida, parcialmente, pelo enorme programa governamental de salvamento de empresas, financeiras e não-financeiras.
Se pelo lado da economia nada havia a comemorar em 2009, pelo lado da política os norte-americanos tinham um grande trunfo: o primeiro presidente negro americano, Barack Obama, assumia o governo em 20 de janeiro, após uma campanha que emocionou com sua promessa de mudança. E razões para mudança abundavam: o extraordinário crescimento da desigualdade e da pobreza nas décadas precedentes; as falhas e a rápida deterioração dos sistemas de saúde e educação; a perda de dinamismo industrial; uma infraestrutura em decadência; uma matriz energética insustentável do ponto de vista ambiental; e assim para diante.
Nenhuma agenda de mudança tão ampla se sustentaria sem coesão social, e sem apoio político. E nem um nem outro parecia factível sem que se lidasse com os 3,1 milhões de empregos perdidos somente em 2008. Em uma situação como essa, se esperaria que o governo usasse de todo instrumental à sua disposição para combater a crise.
Aí começou o drama norte-americano: Obama herdou uma situação fiscal deteriorada - depois do crescimento de quase US$ 6 trilhões de dívida pública (de 56% para 84% do PIB) na era Bush, parte dela adquirida por anos de baixa tributação aos mais ricos e gastos trilhonários com duas guerras. Cercado por uma maioria republicana extremamente dura, até mesmo a aprovação dos orçamentos e dos limites de endividamento público se tornou uma "provação" para o presidente. E, como num teatro do absurdo, frente a essa herança maldita e à maior crise econômica da história recente, o governo Obama se viu forçado a adotar uma política fiscal de reversão do déficit e redução da dívida.
Ao contrário da política fiscal, a política monetária tem graus de liberdade em relação ao Congresso. Não surpreendentemente, passou a ser ela o principal (senão o único) instrumento para tentar reverter a situação. O Fed (Banco Central americano) iniciou uma das políticas mais expansionistas da sua história, e se comprometeu a mantê-la até a "normalização" dos mercados de trabalho; e não poupou seu poder de fogo, que incluiu o chamado quantitative easing - uma medida não-convencional de injeção sistemática de liquidez através do enxugamento de títulos do Tesouro e a aquisição de títulos de hipoteca diretamente no mercado - para manter baixíssimas as taxas de juros de longo prazo.
Tendo em vista as condições iniciais, o "cerco fiscal" e a complicada situação da economia mundial, os resultados foram razoáveis: o desemprego, que era cerca de 5% em dezembro 2007, começou a cair a partir de 2010 (depois de atingir um pico de 10% em outubro de 2009); o mercado imobiliário demonstrou sinais de recuperação; e até mesmo se observou uma retomada da competitividade e do investimento - especialmente no setor energético.
Mas o drama dos EUA parece ainda não ter data marcada para terminar. De fato, até há pouco, tudo indicava que os dados de emprego, publicados na última semana pela agência governamental responsável (o Bureau of Labour Statistics - BLS), apontariam para um quadro de melhoria. Entretando o que veio foi uma ducha que, se não foi gelada, pelo menos foi fria: houve uma criação líquida de empregos (169 mil), mas o BLS revisou para baixo os dados de junho (menos 16 mil) e julho (menos 58 mil). E se houve a queda do desemprego de 7,4% para 7,3%, ela foi basicamente obtida porque muitos simplesmente desistiram de procurar emprego, uma tendência que só vem aumentando nos últimos anos.
A letargia prolongada da economia norte-americana é penosa para os seus cidadãos, mas também para o mundo como um todo. Primeiramente, são muitos os estragos causados por uma política monetária persistentemente expansionista por parte da economia que é a emissora e administradora da moeda de troca do comércio e das finanças internacionais. Por exemplo, bastou a mudança de expectativa de alteração da política monetária para gerar as altas nas bolsas norte-americanas, a venda de ativos em economias emergentes e a valorização do dólar (e a consequente desvalorização do real, por exemplo). E, ainda mais recentemente, o crescimento do ceticismo sobre recuperação e sobre a "sabedoria" de uma reversão da política monetária no futuro próximo, está fazendo com que os mercados revejam mais uma vez suas posições.
Tudo isso gera enormes custos para todas as economias - seus governos e setores privados - que dependem de uma mínima estabilidade financeira internacional para poderem estabelecer e implementar políticas e estratégias.
Em segundo lugar, dificilmente se pode imaginar uma economia mundial saudável com um mercado norte-americano andando de lado. Se a política monetária norte-americana desse resultados mais significativos e mais rápidos, os danos causados ao mundo seriam mais do que compensados pelos efeitos que uma recuperação sólida daquela economia teriam sobre o comércio internacional. Mas como a sua eficácia tem sido limitada, o drama norte-americano acaba sendo de nós todos - como se os países em desenvolvimento já não tivessem suficientes problemas para resolver.
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Rogerio Studart é professor da UFRJ e diretor executivo adjunto pelo Brasil no Banco Mundial.
As opiniões aqui expressas são pessoais.