segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A dependência do gás é o calcanhar de Aquiles de Evo e da Bolívia'
O professor da USP Rafael Villa diz que se o presidente da Bolívia, Evo Morales, conseguir uma maior diversificação da economia, provavelmente ele e seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), ficarão no poder durante muito tempo
Redação Brasil Econômico redacao@brasileconomico.com.br


Rafael Villa, professor do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (NUPRI) da USP, diz que a popularidade do presidente da Bolívia, Evo Morales, se deve não só às políticas sociais,que resultaram na redução da miséria no país, mas também à estabilização econômica e ao pragmatismo político. Mas as poucas alternativas aos dividendos do gás é a maior dificuldade para o governo. Isso pode, inclusive, limitar as políticas sociais no curto e longo prazo.

"No Brasil, as iniciativas de combate à pobreza têm diversas fontes. No caso da Bolívia, o financiamento dessas políticas vem quase exclusivamente das receitas do gás", diz o professor da USP Rafael Villa
Foto:  Piervi Fonseca
Como o senhor explica a popularidade de Evo Morales?
Três aspectos sustentam a sua popularidade. Primeiro, o conjunto de políticas sociais que ele conseguiu desenvolver sobretudo para a população mais pobre. Os indicadores da ONU para a América Latina mostram uma diminuição forte da pobreza na Bolívia e isso tem muito efeito na sua popularidade. A segunda é que Morales se valeu muito bem dos recursos do petróleo. Muitos bolivianos sentem que ele tem gerenciado bem esses recursos e encaminhado essa receita para favorecer os mais necessitados. Parece estar em curso uma boa gestão da economia, o que fica muito claro pelo fim do déficit econômico e crescimento do PIB. A Bolívia é o país sul-americano com o maior crescimento percentual do PIB nos últimos anos. Por último, vem a importante estabilidade política conseguida no país a partir de 2008. Não se gerou uma situação tão extrema de polarização como se esperava, semelhante a que ocorreu na Venezuela. Então a sensação é de que o Morales tem conseguido manter certa governabilidade.
No último relatório sobre o combate à fome da ONU, Brasil e Bolívia ganharam destaque por seus desempenhos. Qual a diferença entre as políticas sociais bolivianas e as nossas?
A principal diferença da política social boliviana está no tipo de recurso público empregado. No Brasil, o financiamento das iniciativas de combate à pobreza, como o Bolsa Família e antes o Fome Zero, tem diversas fontes. No caso da Bolívia, o financiamento dessas políticas vem quase exclusivamente das receitas do gás e isso pode limitá-las no futuro. Caso exista, por exemplo, uma queda dos preços internacionais do gás e do petróleo, isso pode impactar este esforço do governo. Além disso, lá a pobreza é mais generalizada e essas políticas têm um impacto maior em todo o país. Isso também explica a popularidade mais uniforme de Morales. No Brasil essas políticas são nacionais, mas com mais ênfase nas regiões mais pobres do Nordeste. Não é por acaso a popularidade dos governos do PT no Nordeste, enquanto em outras regiões é bem menos popular. Na Bolívia, podemos dizer que essas políticas são mais “nacionalizadas”.
A dependência econômica com relação ao gás não é um limitador para a economia no futuro?

Este é o Calcanhar de Aquiles das políticas bolivianas, seja de crescimento industrial, seja de promoção da pequena empresa, seja de cunho social. Se Morales conseguir uma maior diversificação da economia, provavelmente ele e seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), ficarão no poder durante muito tempo. A diversificação da economia é o problema com o qual vai se defrontar qualquer que seja o presidente da Bolívia no futuro. Este também é o problema da Venezuela. Há um paralelo entre os dois países. Mas isso é um projeto de longo prazo. Se no curto prazo houver alguma queda de preço maior de commodities, sobretudo o petróleo, a economia e os investimentos seriam muito afetados.
Recentemente Morales anunciou um programa nuclear, que vai ser prioridade em um eventual novo mandato. Este é um caminho?

Pode até ser, mas eu considero este foco um erro das políticas de Morales. A diversificação não deve ser onde ele já tem um ponto de apoio. Na política energética, a Bolívia tem o gás. A questão deveria ser como ele pode promover a diversificação da pequena indústria, das cooperativas e da média indústria, de setor secundário. O investimento nuclear é custoso, demanda muito financiamento, e é o tipo de iniciativa para a qual se deve ter o acesso e o domínio de uma tecnologia muito sofisticada. Isso a Bolívia não tem. Aliás, a Bolívia poderia investir em matéria de tecnologia para aprimorar a fonte energética que já possui. Um outro problema deles tem a ver com a própria produção do gás, que ainda não conta com tecnologia nacional para tornar mais eficaz o seu aproveitamento.
O que significa a eventual reeleição de Morales para a política externa, e como o resultado das eleições no Brasil impactam o país?

A conduta da política externa da Bolívia não vai mudar muito. É possível que continue a manter uma posição crítica com relação aos Estados Unidos, e deve manter a proximidade com os países da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), os países Bolivarianos e, também com a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Com relação ao Brasil, supondo que Aécio Neves vença, ele, como já anunciou, não daria prioridade ao Mercosul. Mas mesmo assim também não vejo tantas mudanças nas relações com a Bolívia. Uma coisa é o discurso de campanha e outra coisa são as metas estratégicas de um país. Para o Brasil, a América do Sul é uma prioridade de sua política externa, independentemente do partido no poder. As variações das relações de Morales com um eventual governo tucano seriam mais de ordem ideológica. As proximidades nesses aspectos não seriam muito grandes e a posição com relação aos EUA também mudaria. Mas é difícil, por exemplo, pensar que o Brasil vai deixar de comprar gás da Bolívia, ou que retiraria a Petrobrás definitivamente de lá. Do mesmo jeito, algumas multinacionais brasileiras que atuam na Bolívia, como a Odebrecht, não deixariam o país por causa de um novo governo brasileiro. Então, não haveria profundas mudanças independente do resultado. 
Se Dilma Rousseff se reeleger...
A tendência é haver uma aproximação cada vez maior e até um retorno a uma política mais alternativa, como foi no governo Lula. Embora do ponto de vista do discurso o Mercosul e a América do Sul em geral permaneçam como uma prioridade, houve um certo descuido nesse primeiro mandato. O mesmo deve acontecer com outros países sul-americanos. 
São frequentes as notícias de investimentos estrangeiros diretos na Bolívia. Como o sr. avalia essa característica do governo Morales?
A Bolívia em especial é um país que não pode desprezar estes investimentos. E nesse aspecto, o governo de Morales tem sido mais pragmático, por exemplo, que o da Venezuela, onde o investimento estrangeiro é tratado de maneira ideológica. No caso da Bolívia, embora exista um tratamento crítico, Morales tem sabido negociar esse investimento para desestimular a saída de capital.Além disso, ele tem tido a oportunidade de aproveitar não só o investimento direto internacional em infraestrutura, mas também o investimento de outros governos, sobretudo sul-americanos, como os feitos por meio do BNDES e das estatais brasileiras. Ao contrário do que acontece na Venezuela, a negociação desse investimento tem sido menos politizada e mais pragmática. Acho que a justa nacionalização do gás na Bolívia em 2006 e tudo que aconteceu devido a isso trouxeram um aprendizado. Para um país que precisava de investimento, ele tinha de ser mais pragmático. E tem sido.