segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Dilma é vítima da ojeriza ao PT'
Segundo especialista em marketing político Gaudêncio Torquato, a aproximação entre Marina Silva e Aécio não é suficiente para fazer migrar os mais de 22 milhões de votos que a ex-ministra recebeu no primeiro turno
Eduardo Miranda eduardo.miranda@brasileconomico.com.br e Octávio Costa ocosta@brasileconomico.com.br
O especialista em marketing político Gaudêncio Torquato afirma que o foco da disputa eleitoral do segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves se dará, sobretudo, no que ele apelidou de “Triângulo das Bermudas”. “A batalha pelos votos será em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que somam 60 milhões de votos”, infere, alertando que o presidenciável tucano tem desafios em seu estado natal, assim como Dilma precisa vencer o antipetismo paulista, alimentado pelo próprio ex-presidente Lula — que, segundo ele, trabalhou, ao longo dos anos, o discurso de “nós e eles”. Torquato vê vantagens para Dilma, que tem a máquina governamental, apesar de alertar para o “imponderável”. Para o especialista, o candidato tucano precisa vencer a “linguagem telegráfica” dos programas de televisão e chegar ao eleitor. Ele argumenta, também, que a aproximação entre Marina Silva e Aécio não é suficiente para fazer migrar os mais de 22 milhões de votos que a ex-ministra recebeu no primeiro turno. E surpreende ao afirmar que “o eleitor da Marina é mais próximo ao eleitor da Dilma do que ao eleitor do Aécio”.

O especialista em marketing político, Gaudêncio Torquato
Foto:  Murilo Constantino
As primeiras pesquisas do 2º turno colocam Aécio à frente de Dilma. Já se pode trabalhar com esse quadro ou ainda é prematuro?
Primeiro, o desafio de Aécio é, evidentemente, expandir sua votação no latifúndio de votos da Dilma, que é o Nordeste, onde ela teve 60% de sua votação. A região concentra 26,5% do eleitorado brasileiro hoje. Ele precisa ampliar a votação no Nordeste, que é muito pequena, inferior a 25%, particularmente no estado de Pernambuco — onde ele deverá ter o apoio da família Campos — e em alguns estados como Ceará e Bahia. Ele precisa aumentar essa votação e, evidentemente, preservar a votação dele no Sul/Sudeste.
Em São Paulo, os desafios são os mesmos?
Em São Paulo, Aécio teve 44% dos votos — 4,5 milhões de votos à frente da Dilma. Ele vai precisar aumentar, evidentemente, essa votação em São Paulo e no Nordeste. Em Minas Gerais, que é o estado dele, terá que ganhar a eleição — reunir, trabalhar e pontuar. São desafios para poder chegar à frente.
Dilma tem problemas maiores em São Paulo?

Dilma precisa, urgentemente, recuperar o terreno perdido. Historicamente, o PT sempre teve entre 30% e 35% dos votos no estado, inclusive o Mercadante na última eleição para governador. No Nordeste, é necessário garantir, e até aumentar, a margem. Lá, isso é possível com o Bolsa Família. Evidentemente, ela vai apelar ao chamado “voto do bolso”, representado pelo programa. Com o bolso cheio, a barriga satisfeita e o coração agradecido, a cabeça vota. É a equação da Dilma.
E qual seria a equação do Aécio?

Ela é mais racional. O voto do Aécio é mais “de cabeça”, do Sul/Sudeste. Esse voto foi se consolidando no tempo. O eleitorado de classe média vem, a cada dia, somando sua indignação contra um status quo, das coisas que não mudam na educação, na saúde, na segurança pública etc. Essa é a turma do “quero mais” — eles querem mais serviços públicos essenciais e de melhor qualidade. Eu sempre investigo três tipos de classe média: a média-baixa, a média-média e média-alta. Na média-baixa, você identifica os bolsões que vieram da classe D, empurrados pelas próprias políticas de expansão social. Essa turma que saiu da classe D para a C representa uma inserção social de 30 milhões de eleitores e está contrária à própria Dilma, porque quer mais. Quando chega à classe média, passa a exigir melhores serviços. Não adianta só ter o bolso mais suprido, sem os serviços de classe média. Esse é o desafio que se apresenta.
E a que o sr. atribui esse crescimento do Aécio no fim do primeiro turno?
Essa expansão se deu em função do uso da razão e à descoberta, por parte de um segmento forte da população eleitoral, de que o Aécio poderia — e não Marina — ser o verdadeiro opositor ao petismo. Essa descoberta se deu nos últimos dias, e eu sempre trabalhei, também, com a perspectiva da multidão silenciosa, que chega a enrustir o voto e é capaz de mudar até a última hora. Houve uma mudança de voto para o Aécio na última hora. Tanto que os institutos de pesquisa erraram em nove estados. Os resultados apontados nesses locais não correspondem aos aferidos pelas pesquisas, inclusive as de boca de urna, por conta dessa multidão silenciosa. Houve uma extraordinária alavancagem de Aécio nos últimos dias, também em função das redes sociais. Ele trabalhou muito bem essa perspectiva, como o PT também fez. Mas o voto no Aécio é um voto que mobilizou o meio da pirâmide social, que tem mais acesso às redes do que o pessoal das margens.
Quais são as possibilidades de Dilma e Aécio?

Se a “onda da razão” se expandir, o Aécio apresenta fortes condições para vencer a batalha. Já Dilma tem que se ancorar no Bolsa Família, no Minha Casa, Minha Vida e outros programas sociais. Particularmente, nos bolsões das margens do país, onde o “voto de bolso” é muito mais forte. Esse é um voto de reconhecimento e agradecimento. Em São Paulo, particularmente, ela terá que ir com o Lula para tentar resgatar os bolsões que o PT perdeu no estado a partir das margens. Cadê o eleitorado do PT fincado na Zona Leste, na Zona Sul? Não está aparecendo.
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Fala-se muito em um sentimento antipetista, que estaria alimentando a votação do Aécio, que foi expressiva...
Esse sentimento é muito forte em São Paulo em função da polarização que aqui se estabeleceu, já há muito tempo, desde a época do Covas. O sonho do Lula, até hoje, é conquistar o estado. Essa onda chegou a um ponto de o PT ter, em São Paulo, uma rejeição de 40%, mais do que em qualquer outro estado do país, por conta da forte classe média que há no estado. São Paulo tem as maiores densidades eleitorais do país, os maiores ajuntamentos de profissionais liberais, os maiores contingentes de trabalhadores terceirizados. Tudo em São Paulo é gigantesco, superlativo. Essa coisa superlativa também se volta contra o PT, porque não estamos mais no “início”. Lula perdeu grande estoque de seu carisma. Aquele líder popular parece cansado. Os escândalos de corrupção que banharam o ciclo petista criaram uma vacina na sociedade. O PT é o partido mais identificado com a corrupção, não é o PMDB nem o DEM.
Dilma está pagando por isso?
Na minha visão, ela está sendo vítima mais da ojeriza contra o PT do que contra o governo dela. Porque o governo dela, se você perceber, é bem avaliado. A ojeriza ao PT é muito maior do que a rejeição ao governo. A aprovação do governo vem em índices muito interessantes. Somando ótimo, bom e regular, dá uns 70% de boa avaliação.
Mas o sr. acha que ela pode crescer em São Paulo? O Lula diz que vai pedir um grande esforço do partido no 2º turno.

A batalha de São Paulo será decisiva. O “Triângulo das Bermudas”, com quase 60 milhões de votos, é São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. São Paulo com 32 milhões, Minas Gerais com 15 milhões e Rio com 12 milhões. Mas São Paulo é o polo maior. Como polo mais forte, cria um poder de irradiação de opinião. É como aquele efeito da pedra na lagoa: joga-se uma pedra no meio da lagoa, e as marolas vão se formando até as margens. São Paulo é a pedra no meio do lago brasileiro. Agora, eu sempre digo: o rolo compressor da máquina governista funciona como uma ferramenta para abrir portas, abrir qualquer cadeado duro. Significa mais de um milhão de funcionários públicos federais trabalhando, e ninguém quer perder o emprego. Você imagina o pessoal perder a boca de anos e anos encostado na máquina. Esse pessoal vai para a rua com a militância e fará boca de urna. Este é um trunfo que o governo PT tem nas mãos: o alinhamento automático, pró-ativo, forte e animado da militância política, que se soma ao rolo compressor da máquina administrativa.
O sr. acha que há essa clivagem de ricos e pobres, de Nordeste contra o Sul?
O Lula é muito culpado por essa clivagem e por essa rejeição de São Paulo ao PT, porque ele trabalhou, ao longo dos anos, o discurso de “nós e eles”, colocando um apartheid entre grupos e classes sociais. E continua dizendo que nordestino é discriminado, acirrando mais ainda a luta. Ora, eu vejo a questão mais sob a perspectiva do bolso e da cabeça. É menos uma discriminação entre classes — como dizem o PT e seus porta-vozes — e muito mais uma questão de agradecimento. Tendo meu Bolsa Família, eu prefiro votar na pessoa que vai garantir isso aí a outro. Esse voto de agradecimento é muito forte. Dilma quer ampliar isso. Ela teve 60% dos votos de lá. Aqui em São Paulo, apesar de também ter Bolsa Família, o voto de classe média é muito mais vigoroso. Mesmo nas margens, tem um pessoal que já está começando, também, a ter um voto racional, com anseio de melhorias. Eu vejo a perspectiva sob os interesses imediatos do eleitorado, e não sob o aspecto de luta de classes. Não acredito mais nessa questão da luta de classes. E o Lula vive incentivando isso todo o tempo. Ele é diretamente culpado por acirrar a luta de classes no Brasil.
No primeiro turno, houve um trabalho de desconstrução de Marina. E agora?
Hoje, ainda aponto a Dilma na dianteira, do ponto de vista da chegada na reta final. Esse trabalho de desconstrução será forte no segundo turno, mas não tanto como no primeiro. O eleitor tornou-se mais apurado. Ele não gosta muito dessa guerra de televisão, com um esculhambando o outro. As margens ainda aceitam isso, mas o eleitor mais esclarecido não aprova esse tipo de campanha negativa. O eleitor quer ver propostas, e eu acredito que esse segundo turno será mais voltado para a comparação entre programas de candidatos. Os próprios formatos televisivos vão propiciar esse embate mais programático, mais aprofundado. Vejo um segundo turno muito contundente, mas, também, de análise programática. Trata-se de fechar, ou continuar, um ciclo de poder.