quarta-feira, 26 de novembro de 2014

EUA são tomados por protestos em decorrência do caso Ferguson
Atos contra a violência policial e o racismo ocorrem em várias cidades, como Nova York, Los Angeles e Washington, após juri inocentar policial branco que matou o jovem negro Michael Brown em agosto, em Ferguson, no estado do Missouri
Redação Brasil Econômico redacao@brasileconomico.com.br

Os Estados Unidos foram palco de uma explosão de protestos contra a violência policial e o racismo em várias de suas cidades após um júri composto de nove integrantes brancos e três negros terem inocentado um policial branco que matou o jovem negro Michael Brown, de 18 anos, que estava desarmado, no dia 9 de agosto, em Ferguson, cidade no subúrbio do condado de St Louis, no estado do Missouri.
A onda de indignação contra a violência policial que atinge especialmente os negros começou na noite de segunda-feira, dia seguinte ao assassinato de outro menino negro que chocou o país: o de Tamir Rice, de 12 anos, que brincava com uma pistola de brinquedo e foi morto a tiros pela polícia, em Cleveland. No conflito de Ferguson, mais de 10 prédios foram queimados e 61 pessoas foram presas. Ontem foram registrados e estavam sendo planejados cerca de 130 protestos em várias cidades dos EUA e do Canadá, segundo a rede de televisão “CNN”. Procurando evitar mais saques e conflitos de rua violentos, o governador do Missouri, Jay Nixon, pediu ontem reforço da Guarda Nacional para Ferguson.
A morte do adolescente já havia provocado manifestações de rua há quase quatro meses, mas os protestos de segunda-feira foram os mais violentos até agora e se espalharam pelo país, incluindo Nova York, Los Angeles, Chicago e Oakland, Seattle e a capital Washington, entre outras cidades. Wilson poderia ser acusado desde homicídio culposo a assassinato em primeiro grau. A família de Brown disse, por meio de advogados, estar “profundamente decepcionada” pelas conclusões do júri.
Em Nova York, centenas de manifestantes reuniram-se na Times Square segurando cartazes pretos com mensagens escritas com letras brancas: “O racismo mata”, “Não ficaremos calados”, e “Se não houver justiça não haverá paz”. Multidões enfurecidas se reuniram ao redor do departamento de polícia em Ferguson, na noite de segunda-feira, após o júri ter dito que não havia causa provável para acusar o policial Darren Wilson, 28 anos, de qualquer crime envolvendo a morte de Michael Brown. Tiros foram disparados e prédios foram incendiados em Ferguson.
Janelas de lojas foram quebradas, e incêndios destruíram alguns edifícios, incluindo um salão de beleza e uma pizzaria na cidade. Voos foram restringidos e a polícia disparou gás lacrimogêneo à medida que os manifestantes tomaram as ruas da cidade de 21 mil habitantes, dois terços dos quais, negros. Apesar disso, a maior parte do Departamento de Polícia é composta de brancos e o Conselho Municipal tem apenas um representante negro.
A indignação geral veio à tona no país com um caso que salientou as antigas tensões raciais não apenas em Ferguson, mas também em todos os Estados Unidos. "Assassinos, vocês não são nada além de assassinos”, gritou uma mulher por um megafone em direção a oficiais de polícia que vestiam roupa de tropa de choque em Ferguson após o anúncio da decisão do júri. “Malditos assassinos."A polícia disparou latas de gás lacrimogêneo e granadas de luz em resposta aos manifestantes.
Os manifestantes saquearam lojas e queimaram carros apesar dos apelos do presidente dos EUA, Barack Obama, para que eles se contivessem. “Nós somos um país construído pela vigência da lei e então precisamos aceitar que esta decisão foi tomada por um júri”, disse Obama. “Sabemos que a situação em Ferguson trata de desafios mais amplos que ainda enfrentamos como nação. O fato é que em muitas partes deste país, existe uma profunda desconfiança entre a polícia e as comunidades de cor”, completou. Canais de televisão transmitiam o pronunciamento de Obama ao vivo da Casa Branca em uma parte da tela, enquanto na outra, mostravam as cenas violentas de Ferguson.
A família de Brown também pediu por calma. “Embora entendamos que muitos outros compartilhem nossa dor, pedimos que vocês canalizem sua frustração de maneira a promover uma mudança positiva”, disse a família, em um comunicado. Advogados de Wilson disseram que ele estava seguindo os passos de seu treinamento e cumprindo a lei quando atirou em Brown. Em uma entrevista à rede de TV “ABC”, ontem, Wilson disse que fez apenas o que estava treinado para fazer e que tem a consciência limpa.
O júri ouviu provas que incluíam testemunhas convocadas pela promotoria assim como um especialista particular contratado pela família de Brown para analisar a cena da morte. Ao menos nove jurados precisavam concordar para prosseguir com as acusações. Uma investigação federal está em andamento, e o secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, ressaltou que o investigadores do Departamento de Justiça ainda não haviam chegado a nenhuma conclusão.
O policial Darren Wilson disse ao júri que Brown havia tentado agarrar a sua arma e por isso ele sentiu que sua vida corria perigo. Então, atirou. Wilson agradeceu o apoio que recebeu em uma mensagem atribuída a ele e postada ontem em uma página do Facebook. Mas os quase 70 testemunhos que depuseram para o júri deram versões diferentes sobre os últimos minutos de vida do adolescente: alguns disseram que as mãos do jovem estavam estendidas para o alto. Outros afirmaram que as mãos estavam ao lado do corpo, enquanto outras contavam que as mãos dele estavam na frente de seu corpo. Foram três minutos desde o momento em que Brown foi abordado pelo policial, até a sua morte. Brown estava acompanhado do amigo Dorian Johnson que disse que Brown teria levantado os braços quando foi abordado por Wilson.
“Isto (a reação violenta) vai acontecer de novo”, disse James Hall, 56 anos, morador de Ferguson, enquanto caminhava por uma prédio incendiado. “Se eles tivessem indiciado o policial por alguma coisa , isso não teria acontecido em Ferguson”, afirmou. O chefe da polícia de St Louis, Jon Belmer, disse que o conflito de segunda-feira à noite e manhã de terça foi “muito pior” do que os protestos que irromperam nas ruas da cidade em agosto.
O alto comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Zeid Ra'ad Al Hussein, disse ontem que as autoridades dos Estados Unidos devem reavaliar como as questões raciais afetam a aplicação da lei e a Justiça no país, visando lidar com uma "profunda" desconfiança presente em alguns setores da população.
Zeid disse que não poderia comentar se a absolvição do policial se enquadrava na legislação internacional de direitos humanos, pois não tinha conhecimento sobre todos os detalhes do caso. “Mas estou profundamente preocupado com o número desproporcional de jovens norte-americanos negros que morrem em embates com policiais, assim como o número desproporcional de afro-americanos no corredor da morte”, afirmou. Com Reuters
Divisão racial na análise do assassinato

A morte de Michael Brown é encarada de forma diferente por brancos e negros nos Estados Unidos, segundo pesquisas. Uma delas, feita pelo instituto Pew Research, em meados de agosto, logo após o assassinato do jovem, mostrava que 80% dos entrevistados negros acreditavam que o caso levanta a questão do racismo no país, enquanto só 18% deles acham que há exagerada atenção para o racismo. Já 47% dos entrevistados brancos diziam que a questão do racismo atraía atenção exagerada no caso, enquanto 37% acham achavam que a morte de Brown ressalta a necessidade de debater o racismo.
Também há divisão de opiniões entre simpatizantes dos democratas e dos republicanos: 68% dos democratas diziam que o caso levanta o debate do racismo, enquanto somente 22% dos republicanos afirmavam o mesmo.
A pesquisa revelou também que antes mesmo da decisão do júri de não indiciar o policial branco Darren Wilson, a maioria dos entrevistados negros (76%) já expressavam pouca confiança nas investigações do caso. Somente 18% diziam confiar no processo judicial. Mas 52% dos entrevistados brancos afirmavam ter confiança nas investigações, enquanto 33% diziam o oposto.