quarta-feira, 6 de março de 2013

Análise

Chávez, o aliado que ofuscava Lula
ROMA - Um golpista. Um alvo do golpismo. Um político populista como tantos. Um líder popular como poucos. As definições são contraditórias, mas cabem juntas no obituário do venezuelano Hugo Chávez, morto depois de 14 anos ininterruptos no poder.
O militar que tentou depor um governo em 1992 foi o mesmo que, dez anos depois, resistiria como civil a uma ação armada que o sequestrou dentro do palácio presidencial. O administrador que começou a dividir a riqueza do petróleo com os mais pobres foi o caudilho que asfixiou oposição e imprensa para se eternizar no cargo.
No caso de Chávez, não vale o clichê de que os historiadores, no futuro, saberão julgar seu legado com isenção. O tempo vai ajudar, mas as opiniões sobre ele devem continuar divididas.
Para os jornalistas estrangeiros, o venezuelano era um prato cheio, como sabe quem cobriu suas muitas visitas ao Brasil. Gestos teatrais, atitudes histriônicas e apelidos debochados nos adversários eram garantia de risadas --e de amplo espaço no noticiário.
Carismático e com domínio pleno das técnicas de comunicação, Chávez conseguia ofuscar Lula, uma façanha que nenhum político brasileiro vivo é capaz de alcançar.
Numa viagem à Venezuela, em 2009, lembro-me de vê-lo começar o show na pista do aeroporto, onde recebeu o aliado para um giro por plantações de soja apoiadas pela Embrapa.
Como um mestre de cerimônias de pastelão, Chávez fez um de seus discursos intermináveis, enfiou um chapéu de palha na cabeça de Lula e o fez subir num trator para posar para fotos simulando uma colheita.
Depois, comparou o visitante a Jesus Cristo, ao comemorar uma decisão do Senado brasileiro que abria caminho para a entrada da Venezuela no Mercosul. "Lula veio como Cristo anunciando o Evangelho. Só faltou o cabelo comprido", disse.
O brasileiro, habituado a dominar a cena, arregalou os olhos em silêncio. E Chávez, claro, ganhou as manchetes do dia seguinte.
Bernardo Mello Franco é correspondente em Londres. Jornalista formado pela UFRJ, já trabalhou no Rio, em Brasília e em São Paulo. Está na Folha desde março de 2010. Antes, passou pelo "Jornal do Brasil" e pelo "Globo". Escreve às quartas-feiras.