A economia política do 'Oxi!'
A pergunta que se
colocou nesse plebiscito era se o povo grego estava disposto a mais uma rodada
de mais do mesmo, e/ou se esperavam que fosse diferente. A resposta veio
rápida: Oxi!
Rogerio Studartrogerio.studart@brasileconomico.com.br
Como já descrevi nesta coluna (http://goo.gl/c9jrHp), a crise grega tem
se caracterizado nos últimos anos por ser um processo recessivo em que a
maioria dos gregos é obrigada a assumir a maior parte de um pesado ajuste fiscal.
A pergunta que se colocou nesse plebiscito, portanto, não era se o povo grego
queria ou não o ajuste, mas se estava disposto a mais uma rodada de mais do
mesmo, e/ou se esperavam que desta vez fosse diferente. A resposta veio rápida e retumbante: OXI!
Antes de mais nada, é importante lembrar que o problema não pode ser
reduzido a um conflito entre os a favor e os contra a “austeridade”. Não
conheço economista ou analista que sustente que, mesmo antes da crise,
a Grécia tinha finanças em ordem — o que, aliás, era o caso de muitos países
desenvolvidos e em desenvolvimento no final da década passada. Pelo contrário,
todos admitem que a crise de 2009 pegou muitos países em situação fiscal
frágil, com altos déficits e dívidas — com exceção, talvez, das economias
emergentes, escaldadas pelas crises do passado. E quase todos se assustaram em
2010 quando as autoridades gregas admitiram publicamente o que muitos desconfiavam:
o governo havia “subestimado” os déficits públicos ao longo de vários anos. Ou
seja: independentemente dos credos econômicos, o ajuste grego era tido como
inevitável pela grande maioria dos analistas.
A divergência principal sempre residiu na forma de administrar a correção de rumos. Trata-se de um problema de economia política, que pode ser definido da seguinte forma: a viabilidade do ajuste requer uma correta dosagem, para que tenha sustentabilidade. Do ponto de vista econômico, é imprescindível uma redução dos gastos que não provoque uma queda dos níveis de produção, emprego e investimento — logo, das receitas do próprio governo.
Mas mesmo que tenha um impacto recessivo sobre a demanda doméstica, um ajuste pode ser exitoso se for favorável o estado da economia global. Sempre há a possibilidade de esses ajustes provocarem reduções simultâneas dos custos e da demanda doméstica — infelizmente gerados pela queda do emprego e dos salários. E se a economia global estiver na “cheia” dos fluxos de comércio e de investimento, um aumento da competividade e da queda da demanda interna podem gerar incentivos a exportar. Por outro lado, o ajuste pode aumentar o interesse dos investidores internacionais, engendrando alguma recuperação do investimento. Uma rápida recuperação das exportações líquidas e do investimento pode, por fim, quebrar o círculo vicioso de recessão econômica, menor emprego, menor renda e menos receitas fiscais.
Caso esse desenho dos cortes não leve esses requisitos básicos em consideração, torna-se economicamente irrealizável o próprio ajuste. Mas mesmo que tecnicamente factível, o ajuste precisa ser politicamente sustentável, caso implique uma distribuição dos sacrifícios na qual os que menos podem arquem com a menor parte dos custos do ajuste. Isto não é somente uma tema de justiça social, o que se justificaria por si só; mas também uma questão de estratégia de política econômica: no longo prazo, estes processos podem requerer reformas que afetam camadas importantes da população e/ou de setores politicamente organizados. Do contrário, podem-se gerar resistências insuperáveis, jogando por terra todo e qualquer esforço tecnocrático de acertar as contas.
Infelizmente, as condições externas favoráveis não existiam no começo da crise, e continuam a inexistir, apesar das frágeis recuperações em alguns grandes países (especialmente os Estados Unidos). O comércio internacional anda especialmente lento. E se os fluxos de capital têm aumentado, tem sido particularmente de curto prazo e extremamente voláteis — o que nada contribui para ampliar os investimentos produtivos. Nestas condições, o ajuste fiscal proposto pela troika de credores — o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia — continua muito parecido com as propostas apresentadas anteriormente; ou seja, é recessivo, tecnicamente questionável e politicamente insustentável.
Recusar mais “ajuda” para rolar uma dívida impagável pode parecer, para muitos, uma demonstração coletiva de irresponsabilidade do povo grego. Para os gregos, e possivelmente para a comunidade internacional, os custos do resultado do referendo podem ser enormes. Esperemos que, pelo menos, este imbróglio ajude a gerar uma reflexão sobre a falência dos mecanismos atuais de resolução de dívida soberana, que promovem ajustes fiscais socialmente injustos e, portanto, tecnicamente equivocados.
A divergência principal sempre residiu na forma de administrar a correção de rumos. Trata-se de um problema de economia política, que pode ser definido da seguinte forma: a viabilidade do ajuste requer uma correta dosagem, para que tenha sustentabilidade. Do ponto de vista econômico, é imprescindível uma redução dos gastos que não provoque uma queda dos níveis de produção, emprego e investimento — logo, das receitas do próprio governo.
Mas mesmo que tenha um impacto recessivo sobre a demanda doméstica, um ajuste pode ser exitoso se for favorável o estado da economia global. Sempre há a possibilidade de esses ajustes provocarem reduções simultâneas dos custos e da demanda doméstica — infelizmente gerados pela queda do emprego e dos salários. E se a economia global estiver na “cheia” dos fluxos de comércio e de investimento, um aumento da competividade e da queda da demanda interna podem gerar incentivos a exportar. Por outro lado, o ajuste pode aumentar o interesse dos investidores internacionais, engendrando alguma recuperação do investimento. Uma rápida recuperação das exportações líquidas e do investimento pode, por fim, quebrar o círculo vicioso de recessão econômica, menor emprego, menor renda e menos receitas fiscais.
Caso esse desenho dos cortes não leve esses requisitos básicos em consideração, torna-se economicamente irrealizável o próprio ajuste. Mas mesmo que tecnicamente factível, o ajuste precisa ser politicamente sustentável, caso implique uma distribuição dos sacrifícios na qual os que menos podem arquem com a menor parte dos custos do ajuste. Isto não é somente uma tema de justiça social, o que se justificaria por si só; mas também uma questão de estratégia de política econômica: no longo prazo, estes processos podem requerer reformas que afetam camadas importantes da população e/ou de setores politicamente organizados. Do contrário, podem-se gerar resistências insuperáveis, jogando por terra todo e qualquer esforço tecnocrático de acertar as contas.
Infelizmente, as condições externas favoráveis não existiam no começo da crise, e continuam a inexistir, apesar das frágeis recuperações em alguns grandes países (especialmente os Estados Unidos). O comércio internacional anda especialmente lento. E se os fluxos de capital têm aumentado, tem sido particularmente de curto prazo e extremamente voláteis — o que nada contribui para ampliar os investimentos produtivos. Nestas condições, o ajuste fiscal proposto pela troika de credores — o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia — continua muito parecido com as propostas apresentadas anteriormente; ou seja, é recessivo, tecnicamente questionável e politicamente insustentável.
Recusar mais “ajuda” para rolar uma dívida impagável pode parecer, para muitos, uma demonstração coletiva de irresponsabilidade do povo grego. Para os gregos, e possivelmente para a comunidade internacional, os custos do resultado do referendo podem ser enormes. Esperemos que, pelo menos, este imbróglio ajude a gerar uma reflexão sobre a falência dos mecanismos atuais de resolução de dívida soberana, que promovem ajustes fiscais socialmente injustos e, portanto, tecnicamente equivocados.