segunda-feira, 6 de julho de 2015


'O ajuste feito por Joaquim Levy não tem retorno' diz economista

Luiz Roberto Cunha, do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio, diz que aperto monetário só pode parar quando juros futuros caírem

Eliane Vellosoeliane.velloso@brasileconomico.com.br e Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

As previsões para a economia brasileira neste ano são, em geral, pessimistas. Com que números o sr. trabalha para crescimento e inflação?

Infelizmente, o crescimento vai ser ruim neste ano e no próximo. Dependendo do grau de incerteza — que hoje é enorme na política, na economia, e até lá fora — e dependendo de quanto os EUA vão subir os juros, acho que teremos, pelo menos, três anos de crescimento muito baixo, nas melhores condições. Em relação à inflação, você tem uma vantagem. A partir de março do ano que vem, retira-se 1,5% daquele extra acrescentado em março deste ano para cobrir o rombo fiscal. Não apenas reduziu-se a tarifa de energia com o objetivo de segurar a inflação, mas, como não podia mais reduzir, começou-se a repassar recursos do Tesouro para as empresas, para segurar a conta. Mesmo que o IPCA feche o ano em 9%, como deve acontecer, cairá para 7,5%. Isso está claro em todas as projeções. Significa que você vai ter um crescimento muito baixo neste ano — um crescimento até negativo, talvez -1,5%, -2% — com inflação muito alta, e um crescimento ainda próximo de zero no ano que vem, mas com uma inflação que, embora não chegue a 4,5%, vai estar em desaceleração, por dois fatores. Primeiro, você não vai ter um aumento tão grande dos preços administrados; segundo, porque terá algum impacto nos serviços, um dos itens que tem pressionado muito a inflação, em função da atividade baixa. Em princípio, também haverá impacto nos outros preços, por conta das restrições de crédito, desemprego etc. Pelo lado ruim, a inflação também será mais baixa no ano que vem. Qual é o risco? Uma desvalorização cambial muito acentuada.

Nesse cenário, o impacto sobre o emprego é muito grande. O governo vai ter condições políticas de sustentar o ajuste com uma taxa de desemprego alta?

Parte do enigma do desemprego baixo do governo Dilma tem uma explicação metodológica. Uma parte da população estava usando o Fies em larga escala para estudar e, devido aos programas sociais, não estavam procurando emprego. De fato, os 5% estavam corretos do ponto de vista da metodologia, mas não representavam uma realidade. Teremos um desemprego crescente, na casa dos 8%, 9%, ao longo dos próximos meses. Mas qual é a alternativa? O governo Dilma chamou o ministro (da Fazenda) Joaquim Levy para conduzir a economia mesmo tendo o ministro (do Planejamento) Nelson Barbosa, não como um contraponto, mas como alguém de maior confiança dela e que conhece o problema fiscal do Brasil a fundo. Ele sai do governo em 2013, exatamente antes da desorganização fiscal, faz críticas, vai para a Fundação Getúlio Vargas e apresenta seminários nos quais demonstra uma visão muito clara do problema fiscal. Esta é uma boa composição. Mas a gente continua com a espada do
downgrade das agências de risco em cima de nós. Na verdade, a entrada do Levy, que é uma pessoa muito respeitada pelas agências e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), é uma segurança. Se ela faz essa aposta — e tem dobrado a aposta em vários momentos —, uma saída do Levy significa o fracasso da tentativa de correção de rumo, com um custo político alto para a presidente.

Dizem que um dos motivos para a queda de popularidade da presidenta Dilma Roussef são as mudanças em relação às promessas de campanha.

Concordo, mas, na campanha, ela falava sobre um país que não existia. Aquele país desapareceu ao longo de 2013 e 2014. A ideia de você incentivar o consumo com expansão do crédito criou uma sensação de euforia.

A professora Maria da Conceição Tavares lembrou que, entre 2008 e 2009, não havia essa taxa de desemprego, em tom crítico às mudanças na política econômica.

Não há dúvidas. Mas volto ao ponto básico: qual é a alternativa? O que se tem hoje é uma visão otimista no governo de que você vai começar a crescer a partir de meados do ano que vem. Eu não acredito na divisão entre desenvolvimentistas e neoliberais, mas mesmo os desenvolvimentistas continuaram dizendo que o Brasil não vai crescer. Embora haja esse consenso, esse caminho não tem retorno. O retorno deste caminho é um risco muito maior, em um momento que se tem uma fragmentação política total e um agravante de enfrentamento à corrupção, que é correto mas gera uma paralisação numa cadeia produtiva fundamental para o Brasil. Agora, é hora de ir em frente.

As visões críticas à política de Joaquim Levy argumentam que, no caminho descendente que a economia segue, há uma queda de arrecadação brutal.

O círculo vicioso é parte de um cenário. Acredito que a Selic tenha chegado ao seu nível. O BC (Banco Central) ainda faria um pequeno aumento, mas ela chegou mais ou menos lá. A inflação ainda vai voltar a subir, então haverá, até, uma redução dos juros reais, embora sejam muito altos. A condição de recuperação da economia passa, também, por uma queda a partir de algum momento, lá na frente, da taxa de juros Selic, depois que você tiver recuperado a confiança. A retomada da confiança é anterior à recuperação da economia. Este é um ponto importante.

A perda de confiança não estaria relacionada, também, à guinada na política econômica?

São três níveis de confiança importantes: do consumidor, do empresário e a externa. Não há dúvidas de que a aceitação, por parte da Dilma, de que a política econômica de seu governo estava totalmente errada e afundou mais o Brasil, seguida pela vinda do Levy, é motivada pela confiança externa. É preciso ganhar a confiança externa, senão eu já entro no jogo perdendo por dois gols. A do consumidor vai demorar um pouco a voltar, porque este estava muito tranquilo e otimista. Tanto que o segmento que teve ganho de renda nos últimos anos votou maciçamente nela. Votou de forma absolutamente coerente. Todo governo busca ter esse tipo de “eleitor-consumidor”. Eu concordo que o empresário está de pé atrás, mas ele sabe muito bem que essa mudança é necessária. No discurso público, ele pode dizer que não, mas sabe que aquele caminho estava inviável. Haveria um choque enorme acompanhado por perda de confiança. O grande ponto é este. É preciso manter a visão de que o Brasil vai arribar lá na frente. Está se tentando retomar esse programa de concessões para dar um jeito. Em algum momento, precisará haver um acordo nos tribunais com relação às empresas (empreiteiras investigadas). Infelizmente, o governo está tão paralisado, que não se está trabalhando melhor nesse sentido. Isso deveria ser feito para evitar um aprofundamento da crise, porque não tem nada a ver com as crises anteriores. E, depois, a confiança do consumidor. Mas o ponto básico é que a recuperação da confiança na capacidade de crescimento da economia de forma mais sustentável lá na frente é fundamental. Senão, voltaremos mais ainda para trás. Meu receio, seja por um cansaço do Levy em determinado momento, seja pela pressão política, é essa volta para trás assustadora.

A desconfiança do empresário se justifica, então, pela incerteza sobre a manutenção do caminho atual?

O empresário quer que as condições de médio e longo prazo para seu negócio sejam positivas. Não adianta o BC baixar a Selic se as taxas futuras de juros continuam subindo. Se não há confiança na atuação do BC, o governo reduz a Selic e as taxas futuras sobem. Isso é uma tragédia, porque revela que não há confiança. Pode-se falar do ganho reduzido que se tem na dívida pública, mas a dívida pública é afetada por muitas variáveis. Se você sobe a Selic e os juros futuros caem, está-se dizendo que não é o momento ideal para baixar a Selic. São quatro situações. Na primeira, baixa-se a Selic e os juros futuros sobem: situação péssima, revela falta de confiança; na segunda, aumenta-se a Selic e os juros futuros sobem: é um momento de ajuste; se você sobe a Selic e os juros caem, você chegou ao momento em que está transmitindo confiança. No momento seguinte, você vai baixar a Selic e os juros futuros irão cair. Essa combinação de quatro momentos é fundamental. O empresário do setor financeiro ganha em todos os momentos, mas, para o produtivo, não interessa se a Selic vai subir 0,5%; interessa quando ele chega no banco e o cara diz a ele: “Sua operação de empréstimo é de 360 dias e vou te dar uma redução”. O ruim, no Brasil, é que ele já passou por isso várias vezes na história recente. Nos dois governos FHC e nos dois de Lula. Ele sabe disso. Minha preocupação é a seguinte: você tem que manter a confiança externa, porque é o que garante não ter o
downgrade; tem que recuperar a confiança do empresário, o que é complicado, porque depende também do fator político e do consumidor. A do “consumidor-eleitor” vai demorar muito, porque o melhor cenário é chegar em 2017/2018 em uma situação melhor do que na virada do primeiro governo Dilma para o segundo, mas não em uma situação muito favorável para esse grupo.

As entidades de classe, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), vêm tendo uma visão muito crítica do governo.

Da mesma forma que os ministros da Fazenda têm que dizer que a situação vai melhorar, grande parte dos líderes empresariais tem que reclamar sempre. Quem acompanhou a política econômica desde o início dos anos 70 nunca viu o contrário. Faz parte do jogo. Infelizmente, é um jogo, mas não no sentido pejorativo. Manter a confiança externa faz parte das regras como se comporta o mercado. Não se pode dizer que vai ficar contra ele. Aliás, Dilma acabou de ir aos Estados Unidos depois de passar quatro anos sob a batuta do Mercosul, percebendo que, daqui, só se tira problema. Toda vez que a Argentina tem um problema, bloqueia as importações brasileiras, mas quer continuar exportando seus automóveis para nós. A Venezuela... não tem muito do que sair dali. Isso é um pouco do jogo. Infelizmente, a última confiança a se retomar será a do consumidor, o que irá aumentar muito a pressão.

Além da questão da confiança, o governo tem uma situação política de total desconforto, com um Congresso que pode comprometer a correção dos rumos da economia...

Isso me preocupa. Você consegue, a duras penas, aprovar a desoneração na Câmara, e aí o Senado aprova a extensão do reajuste do salário mínimo para as aposentadorias. Um dos analistas que gosto de ler disse que temos no Brasil, hoje, uma “Constituinte pirata”, porque ninguém elegeu, mas ela está funcionando. Ao longo de 1992, no governo Collor — sem querer fazer discussão sobre a questão do impeachment, que é paranóica —, o Ministério da Fazenda, com Marcílio Marques Moreira, e o Banco Central, com Francisco Gros, conseguiram separar, muito bem, a economia da política. A inflação estava alta, mantiveram a taxa de juros elevada, aproveitaram um momento de liquidez externa e conseguiram, inclusive, melhorar as reservas, o que foi importante para o Plano Real lá na frente. Mas conseguiram separar. E acho que esse cenário é possível. Outro ponto é dizer o que mais tem para votar, quando voltarem do recesso, no mês de agosto. A não ser uma pauta bomba, porque aí, cá entre nós, até uma parte da sociedade que está gostando desse jeito do Congresso emparedar a presidenta, vai tomar um certo susto. Porque se você aprovar a PEC dos bombeiros, a PEC dos policiais etc., aí, você vai acabar com o Brasil. Obviamente, este é um Congresso bastante conservador, o que é um dos problemas.

Mas há esse risco de se ter aquele período do governo Sarney, de profundo desgaste?

Claro, há um risco, que é você perder a confiança externa, que é o elemento principal.

Evidente que a formação da presidenta Dilma tem uma influência da escola de Campinas. O sr. acha que há a possibilidade, se não vierem os resultados, de se voltar mais para a formação dela?

Possibilidade há. Mas, veja, ela já fez isso no passado e não deu certo. E ela é uma pessoa minimamente informada.

No primeiro mandato ela alongou demais. Até a própria inflação que era de oferta passou a ser de demanda. E ela não soube administrar isso...

Ela errou no primeiro mandato e chegou a um ponto que, infelizmente, perdeu a chance de tentar a outra via. O Lula foi pragmático e a Dilma foi dogmática. Mas ela foi dogmática não num modelo que seria dado pelos desenvolvimentistas mais ortodoxos. Ela resolveu fazer uma coisa meio mista, e aí foi o grande erro. Porque o grande erro foi em 2013 e 2014. Na hora que começa a chegar o fator eleitoral, esse consumidor-eleitor não poderia ser prejudicado. Aí acho que quem induziu foi muito mais o marqueteiro, do que o lado economista dela. Talvez seja o mal da reeleição, que te obriga a você fazer tudo para se eleger. Pelo que a gente sente, o Partido dos Trabalhadores — que é o atual partido dela, dado que na origem não era o partido dela, porque ela era brizolista — aparentemente vai abandoná-la, mas ela pode querer ser uma estatística e falar: “Se eu conseguir entregar o país um pouco melhor do que eu recebi de mim mesma...”, o que é uma coisa fantástica, mas que aconteceu com o FHC e com o próprio Lula... Ela pode fazer isso. O cenário de ruptura existe. Um cenário em que há uma perda de controle nessa questão política. Numa hora que o próprio PSDB vota contra o Fator Previdenciário só porque a presidenta vai ter que vetar, passou a ser um jogo negativo. Nessa hora, tudo pode acontecer.

Mas esse risco de que ela possa fazer de novo o que ela fez no final do mandato dela é um fator que mantém a desconfiança dos empresários?

Não tenha dúvida. Ela poderia voltar a gastar mais.

No caso dos combustíveis, por exemplo, a Petrobras está dizendo que tem autonomia para praticar preços. Será?

Realmente ainda é um problema muito sério. No setor elétrico, que foi desorganizado, está se tentando reorganizar. Na Petrobras, eu não tenho nenhuma dúvida que este ano você terá que dar um aumento. Olhando só do ponto de vista da inflação, é melhor fazer o mal este ano, para limpar o ano que vem. Essa definição será fundamental. Não precisa fazer agora no meio do ano, mas na hora que a inflação estabilizar em 9%, tem que fazer.

Mas agora tem um outro fator que é o juro de 14%, que a professora Conceição Tavares chamou de desvairado...

Essa taxa de juro real é insustentável no médio e longo prazo. Mas se você não recuperar a credibilidade, a taxa de juro futuro vai continuar subindo.

Então o que mantém o Levy é a possibilidade de desastre?

Mas já foi isso. Porque tudo isso perde-se se a gente voltar para trás. Seria tão irracional você fazer uma volta atrás quando você já caminhou esse percurso, que é muito curto... Nós saímos muito rápido de uma euforia no ano passado — embora já se soubesse que as contas fiscais estavam absolutamente desorganizadas — para o momento a que chegamos, foram três, quatro meses. Essa rapidez da crise também leva a uma certa cautela, a um certo refreamento.
O que se fala é que o Levy é um peixe fora d’água no governo e que o ministro Nelson Barbosa estaria aguardando um desgaste maior dele para assumir a Fazenda... Mas o Nelson Barbosa sabe a profundidade do problema. E o próprio ministro disse, em entrevista na semana passada, que o fiscal estava pior do que eles esperavam. E também criticou o aumento do Judiciário.

O sr. também falou sobre a situação externa e hoje temos a questão dos juros americanos, que fica como espada de Dâmocles sobre nós, e a crise da Grécia.

Eu acho que a crise da Grécia vai ter que ter um fim agora. É impossível você estender muito mais essa coisa. O primeiro-ministro grego, que é muito inteligente, e o seu ministro das Finanças, que é um professor de teoria dos jogos, estão se divertindo, no bom sentido, jogando com a inconsistência do euro e dos políticos europeus. Eles estão ali, sorrindo, porque estão ali fazendo um experimento.

Então, se a sua previsão se confirmar, se a economia passar por esse período de ajuste, de rearranjo, começaria a entrar em recuperação em 2018. Isso significa que o Lula pode se favorecer com esse plano mais ortodoxo do Levy?

Eu diria que no final de 2018 você vai ter uma economia melhor do que ela deixou, mas ela deixou a economia em frangalhos. Eu pessoalmente acho que o Lula tem muito mais chance sendo candidato de oposição ao governo Dilma. Eu acho que ele pode ser um candidato de peso, e será, mas ...

Ele vai ficar batendo no Joaquim Levy até 2018?

Se eu fosse marqueteiro, eu sugeriria que esse é o melhor caminho (risos). Porque, na verdade, o consumidor-eleitor não vai voltar a viver aquela euforia.

Então o Lula vai dizer “Eu entreguei melhor”, não é?

Esse é o ponto. Aquela ideia de que você tinha, pelo consumo, de fortalecer politicamente, deu certo no governo Lula e deu certo na eleição. Mas esse foi o grande erro. Na falta de confiança naquilo que você estava fazendo — e acho que esse era o problema da presidenta, ela não tinha confiança em nada daquilo que estava sendo feito — ela não optou por dar uma guinada de fato. Aí, acho que ela sentiu um certo desespero — e aí o marqueteiro foi importante — e disse: “Olha, agora chuta o balde”.

Porque o diagnóstico que veio de Campinas foi correto, quando eles disseram que a questão não é mais de demanda, é de oferta.

Claro, eles disseram: não vai dar certo. Não é demanda, é oferta. E nós não estamos conseguindo aumentar a produção, não estamos dando confiança.

Estava-se dando incentivo ao consumo, quando se estava tendo inflação de oferta.

E ela esticou o incentivo ao consumo, e arrebentou com as contas públicas de uma tal forma... Porque mesmo numa visão heterodoxa, o fiscal é importante.

E o que é determinante daqui para frente para a conquista da confiança dos mercados por parte da presidenta Dilma? Que ela não interfira, ou demonstre mais convicções sobre o ajuste?

Isso é uma condição necessária, que ela tenha a atitude de não voltar atrás. Mas o grande ponto é como essa confusão de Congresso, de perda de controle, como se consegue chegar a alguma coisa racional em relação às grandes empresas que estão sendo investigadas. Porque você não pode continuar a ter o país em que suas maiores empresas, em termos de impulso para o crescimento, estejam paralisadas. Você tem que ter novas rodadas de concessões. Mas... como é que ela administra isso? Eu nem sei como se administra isso. Porque, aparentemente, o controle dela sobre isso é pequeno. Ela não tem conseguido isso.

Então o grande risco é político?

Eu diria que sim. Essa é a diferença dessa crise para todas as outras. A questão é conseguir separar a economia da política