quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Ponto Final - Caracas não é Kiev
26/02/14 10:45 | Octávio Costa (ocosta@brasileconomico.com.br)
Enquanto a Ucrânia é peça estratégica no xadrez internacional, a Venezuela sofre os efeitos da forte divisão política interna
Em entrevista na abertura do VII Encontro Empresarial Brasil União Europeia, em Bruxelas, a presidente Dilma Rousseff foi pressionada a se manifestar sobre a crise política na Venezuela. Sua simpatia pelo regime chavista é notória, mas a situação no país vizinho fugiu da normalidade e o governo brasileiro, por enquanto, vinha adotando um distanciamento conveniente. Nessas circunstâncias, até que Dilma foi bem objetiva. "Não cabe ao Brasil discutir a história da Venezuela, nem o que a Venezuela deve fazer, porque isso seria contra o que nós defendemos em termos de política externa". Ela também fez questão de ressaltar que "a Venezuela não tem uma situação igual à que aconteceu na Ucrânia". E ficou por aí.
A Venezuela, obviamente, não é a Ucrânia. E vive um conflito que nada tem de semelhante com o da nação do Leste Europeu. O que se vê em Caracas e nas outras grandes cidades é o descontentamento crescente da classe média em relação ao governo Nicolás Maduro. Após ser eleito com uma margem muito pequena para quem se apresentava como herdeiro de Hugo Chávez, o ex-motorista de ônibus não tem mostrado competência para administrar os problemas de seu país. Falta-lhe de tudo. Não tem a inteligência de Chávez e muito menos o carisma. Maduro imita a fanfarronice, mas nem aí tem êxito. Seus discursos são teatrais e ridículos.
Qual um Macbeth enlouquecido, Maduro vê inimigos por toda parte. Com a inflação em alta e o desabastecimento na porta, ele adota medidas delirantes como a criação do ministério da Felicidade Suprema. Atira na oposição e tenta calar os meios de comunicação. Em sua última investida, expulsou a CNN, como se os repórteres da emissora, todos venezuelanos, fossem responsáveis pelos protestos nas ruas. Seu discurso pode funcionar entre os próprios aliados, mas não passa disso. Triste é pensar que a Venezuela já foi o país mais democrático da América do Sul. Resistiu até mesmo à onda autoritária que se abateu sobre o Cone Sul nos anos 60 e 70.
O problema da Venezuela tem nome e sobrenome: Nicolás Maduro. Bem diferente é a situação da Ucrânia. A exemplo do que aconteceu com a Polônia no pós-guerra, a Ucrânia está no centro de uma intrincada disputa geopolítica. De um lado atuam os Estados Unidos e a União Europeia, interessados em que o país se volte de vez para o Ocidente. De outro, age o todo poderoso Vladimir Putin, disposto a manter Kiev na órbita de influência da Rússia. Ele tenta restaurar o status quo dos tempos dos tzares. O leste da Ucrânia é ocupado há séculos por descendentes russos. O país integrou a União Soviética e sofreu horrores nas mãos do ditador Josef Stálin (com seu programa de coletivização, o georgiano teria sido responsável pela morte de milhões de pessoas na Ucrânia). Nos tempos da Revolução Russa, muitos judeus ucranianos partiram para o exílio e alguns deles vieram parar no Brasil, como os pais de Clarice Lispector e a família Bloch.
Enquanto a Ucrânia é peça estratégica no xadrez internacional, a Venezuela sofre os efeitos da forte divisão política interna. Kiev depende da energia fornecida pela Rússia e também das encomendas russas para manter o nível de suas exportações. Não será tão fácil se afastar de Moscou. Já a Venezuela é rica em petróleo e só depende de suas próprias forças. Tem tudo para sair da crise. Mas corre o risco de cair de Maduro.