O artigo abaixo foi recusado em jornal
de São Paulo. Solicito repassar se julgar conveniente.
DISSUASÃO EXTRARREGIONAL, ASSIM, É SÓ
DISCURSO.
General da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva
Se a Nação crê que os conflitos sempre se resolverão pacificamente, para
que Forças Armadas? Se a opção é mantê-las, então que sejam capazes de
dissuadir ou combater quem realmente possa nos ameaçar.
A Estratégia Nacional de Defesa pretende desenvolver um poder militar
com capacidade de dissuasão extrarregional. O planejamento da defesa da Pátria,
missão constitucional das Forças Armadas (FA), deveria levantar as questões com
possibilidade de gerar graves conflitos, as áreas do território mais expostas a
uma agressão e as potências extrarregionais capazes de ameaçar interesses
vitais - soberania, integridade territorial e exploração soberana dos recursos
nacionais.
Poucas potências, a não ser EUA e alguns aliados da OTAN, China e Rússia
têm ou terão capacidade de deslocar e manter forças em operações continuadas
contra o Brasil. Não há contenciosos indicando ser provável um conflito armado
no presente, mas há essa possibilidade no futuro, deduzida a partir de
documentos sobre tendências geopolíticas e geoestratégicas como o Global
Trends 2025 (Conselho Nacional de Inteligência dos EUA) e o Strategic
Global Outlook 2030 (Academia de Ciências da Rússia). A supremacia militar
dos EUA no continente americano impedirá, por muito tempo, que Rússia ou China
ameacem militarmente o Brasil. Mas tal restrição não seria feita a aliados como
França, Grã-Bretanha e outros, que têm interesses na Amazônia e no Atlântico
Sul, desde que eles não comprometam a sua liderança.
É improvável uma ampla invasão do território nacional, pois sua
profundidade e extensão inviabilizam uma ocupação de grande amplitude, o preço
para mantê-la seria impagável; o conflito evoluiria para uma arriscada e
custosa guerra de resistência; e seria difícil encontrar amparo moral ou legal
para intervenção de tamanha magnitude. Porém, num conflito por interesses
vitais, se o Brasil resistir a pressões políticas, econômicas e psicossociais,
o oponente (ou coalizão) poderá escalar o contencioso por meio da ocupação ou
bloqueio temporário de área limitada, mas de valor econômico ou geopolítico, ou
então, pela destruição ou paralisação de parte da nossa infraestrutura crítica,
realizando ataques aeronavais ou cibernéticos. Tais hostilidades cessariam ou
não se concretizariam, caso o Brasil aceitasse imposições atendendo aos
interesses do oponente.
As áreas estratégicas mais sensíveis e expostas são a foz do Rio
Amazonas e a bacia petrolífera do sudeste, seguidas por Roraima e o Saliente
Nordestino. O sul do Brasil e a fronteira oeste, até a Colômbia
(inclusive), são áreas pouco expostas, pois é improvável um vizinho autorizar a
passagem de forças de potências extrarregionais. Além disso, do centro-oeste
para o norte, os Andes dificultam a logística do agressor e as poucas estradas
incidem em áreas periféricas do País, onde o inimigo enfrentaria uma guerra não
convencional em selva, contra forças especializadas, tendo a vantagem
tecnológica restringida. Na foz do Rio Amazonas e na bacia petrolífera do
sudeste, ao contrário, o Brasil faz fronteira diretamente com a OTAN nas
guianas, cujos países têm fortes ligações de dependência com potências
extrarregionais, o acesso pelo mar se faz diretamente a áreas de alto valor
estratégico e o Comando Sul e a IVª Frota dos EUA estão logo ali na
Flórida.
Ficou claro os que podem, como podem e onde podem intervir no Brasil,
sendo estes os focos do planejamento da dissuasão.
Para não ser mero discurso, a dissuasão extrarregional precisa de um
Projeto Conjunto de Defesa, reunindo as três Forças (algo nunca pensado), capaz
de neutralizar ou desgastar uma esquadra ou exército inimigo longe do litoral
ou da fronteira oeste, nesta prioridade. Tal Sistema de Defesa seria composto
por subsistemas de Monitoramento e Controle Territorial, Marítimo e
Aeroespacial, integrados e com satélite brasileiro; Forças Conjuntas de Emprego
Geral e de Emprego Regional, com elevado aprestamento e mobilidade, e outras
completadas por mobilização; Segurança Cibernética; Defesa Antiaérea; e Mísseis
de Longo Alcance balísticos e antinavio, lançados de plataformas móveis terrestres,
navais e aéreas tripuladas e não tripuladas.
Preocupa ouvir, de quem deveria saber precisamente o significado de
dissuasão, declarações entusiasmadas sobre o aumento de recursos para projetos
não estratégicos ou que, em o sendo, preveem uma quantidade irrisória de
produtos ao longo de muitos anos. O Exército, ressalvado o valor do soldado,
está superdimensionado em número de brigadas, todas desequipadas e sem
aprestamento para defender as áreas estratégicas. Quantidade não é qualidade!
Os estudos de estratégia permitem concluir que o cerne da dissuasão está
nos três últimos subsistemas, exatamente onde reside nossa maior
vulnerabilidade. Os mísseis de longo alcance afetarão o ânimo civil e militar
do agressor, pela possibilidade de perder navios repletos de tropa muito antes
do choque entre forças terrestres. Sua integração à defesa antiaérea e à guerra
cibernética concretizaria a dissuasão, embora relativa, por não ser nuclear.
A liderança política está transformando a liderança militar em uma burocracia
muda e submissa, sob um Ministério da Defesa partidário, servil a
programas de governo mesmo se danosos à segurança nacional como é a política
indigenista. Por isso, o Congresso Nacional, por meio das Comissões de Relações
Exteriores e Defesa, deveria ouvir civis interessados e militares da reserva em
audiências públicas sobre o tema e, em audiências reservadas, os chefes
militares da ativa, cujo dever seria o de emitir sua opinião independentemente
da posição oficial. Assim, a Nação, credora suprema da lealdade do
soldado, saberia, por meio de seus representantes legais, qual a real situação
da defesa nacional e do preparo das FA, como é seu direito. As Comissões
enviariam os questionamentos relevantes ao ministro da defesa, solicitando
resposta por escrito ou sua presença para justificar a posição do Ministério em
audiência reservada, se relevante o sigilo.