terça-feira, 22 de abril de 2014


 


Em sua coluna de 15 de abril, no GLOBO, Denis Rosenfield defende a Lei da Anistia, o pacto firmado pela redemocratização brasileira, que alguns membros do governo petista desejam romper. Revogar a anistia tem sido claramente o objetivo dessa ala revanchista, uma campanha deliberada que tem contado com o clima emocional criado pelos 50 anos do golpe (ou contragolpe, dependendo do ponto de vista). Rosenfield explica a importância da anistia:

A transição democrática no país foi um exemplo para o mundo, tendo se realizado sem traumas nem eclosão de violência. São inúmeros os exemplos no planeta em que a saída de regimes autoritários ou ditatoriais se deu pela luta armada e, mesmo, pela guerra civil. Não é o caso do país, que fez uma transição pactuada entre os próprios militares democráticos, a oposição, sobretudo personificada no MDB, e os egressos do partido do governo, a Arena, que vieram a fundar o PFL. O seu instrumento central foi a Lei da Anistia, que alcançou todos os envolvidos em atos de violência anteriores. Tratou-se, naquele então, de um grande acordo nacional, maciçamente apoiado pela sociedade brasileira, aprovado pelo Congresso Nacional e, ainda mais recentemente, validado pelo Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, a anistia é “uma espécie de pacto que viabiliza um novo começo”. Sem ela, as partes envolvidas insistem em disputas que só prejudicam o país. Olham para trás, e não para a frente. “O futuro se torna refém do passado”, nas palavras de Rosenfield. Alguns acham que isso significa esquecer os abusos cometidos pelos militares, mas não é o caso, como explica o autor:

Anistia não significa esquecimento, mas aprendizado do passado visando a um novo começo. Os fatos passados devem ser apurados, seja lá de que lado for. Isso faz parte da história de um país. Quanto mais um país se conheça, melhores serão as condições de um futuro que não repita os erros do passado. Contudo, para que tal aconteça, a história deve ser uma narrativa fiel dos eventos pretéritos, sem escolha ideológica, descartando os fatos que incomodam os que estão realizando tal narrativa. A tortura deve ser apurada, do mesmo modo que os crimes cometidos pela esquerda. O que não pode é que tal narrativa se torne um faroeste ideológico, com os mocinhos da esquerda e os bandidos da direita.

E aqui chegamos ao xis da questão: a esquerda revolucionária não era nada disso, não lutava pela democracia e liberdade, e sim pelo comunismo, que instalou ditaduras assassinas em todo lugar que vingou. Os comunistas foram derrotados em 1964, sem apoio algum da sociedade brasileira. Ninguém desejava seu avanço. Era uma luta de “intelectuais” e estudantes, sem respaldo popular. A meta era a “ditadura do proletariado” marxista, transformar o Brasil em uma nova Cuba, adotar o modelo maoísta por aqui.

O ataque à Lei da Anistia visa justamente ao revisionismo desse passado nada louvável. Esses comunistas precisam pintar com novas cores democráticas sua luta na década de 1960, para criar uma nova narrativa e ludibriar os mais novos ou leigos. Por isso o revanchismo: os militares devem ser vistos como cruéis ditadores, não alguns casos isolados, mas a instituição como um todo.

Dessa forma o “golpe” adquire nova roupagem: uma instituição autoritária resolveu, sem amplo apoio popular, destruir o sonho de liberdade dos democratas esquerdistas. Nada mais falso. Mas, como mostra Denis Rosenfield, esse revisionismo é perigoso, pois além de inverter os fatos passados que geram impacto no presente, representa uma quebra de contrato:

O grande problema da revisão da Lei da Anistia consiste em que ela seria uma quebra de contrato, uma quebra de contrato institucional, que se encontra na própria raiz da democracia brasileira. Não se pode, 50 anos depois, deixar o dito pelo não dito como se a palavra que uma sociedade engaja consigo mesma nada valesse. Tal medida não apenas produziria instabilidade institucional, como seria uma péssima sinalização para o futuro. Se acordos políticos podem ser arbitrariamente revogados, não há por que fazê-los, nem, muito menos, cumpri-los. Na verdade, é uma volta da vingança sob a forma do politicamente correto. Mais ainda, tal medida constituiria uma ameaça à própria democracia.

Recomendo, para quem ainda não leu, o excelente artigo de Ives Gandra Martins publicado no Estadão esse fim de semana, exatamente sobre essas mentiras que a esquerda transformou em “verdades” após muita repetição à lá Goebbels. O respeitado professor diz, derrubando alguns mitos inventados pela esquerda:

[..] foi o povo que saiu às ruas, com o apoio da esmagadora maioria dos jornais; [...] Entre combatentes da guerrilha, mortes nas prisões ou desaparecimentos, foram 429 os opositores que perderam a vida, conforme Fernão Lara Mesquita mostrou em recente artigo publicado no Estado. Por sua vez, os guerrilheiros, entre inocentes mortos em atentados terroristas e soldados em combate, mataram 119 pessoas. Comparados com os paredóns de Fidel Castro, que sem julgamento fuzilou milhares de cubanos, os militares foram, no máximo, aprendizes desajeitados.

[...]

A quarta mentira é a de que os democratas recém-convertidos queriam uma plena democracia para o Brasil. A atitude de “admiração cívica” da presidente Dilma Rousseff ao visitar o mais sangrento ditador das Américas, Fidel Castro, em fotografia estampada em todos os jornais, assim como o inequívoco apoio ao aprendiz de ditador que é Nicolás Maduro, além de aceitar o neoescravagismo cubano, recebendo médicos da ilha – tratados, no Brasil, como prisioneiros do regime, sobre ganharem muito menos do que seus colegas que integram o programa Mais Médicos -, parecem sinalizar exatamente o contrário. Apesar de viverem sob as regras da democracia brasileira, há algo de um saudosismo guerrilheiro e uma nostalgia que revela a atração inequívoca por regimes que ferem os ideais democráticos.

[...]

Durante o regime militar os ministros da área econômica eram muito mais competentes que os atuais, tendo inserido o Brasil no caminho das grandes potências. Tanto que, ao final, o Brasil estava entre as dez maiores economias do mundo. Hoje, com o crescimento da inflação, a redução do PIB, o estouro das contas públicas, o desaparecimento do superávit primário do início do século, os déficits do balanço de pagamentos e a destruição dos superávits da balança comercial, além do aparelhamento da máquina pública por não concursados – amigos do rei -, o País vai perdendo o que conquistara com o brilhante Plano Real, do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Como podemos ver, a “Comissão da Verdade” tem servido apenas aos interesses de um lado, omitindo muitas verdades e disseminando muitas mentiras. Serve como arcabouço para o verdadeiro objetivo, que é revogar a Lei da Anistia e, com isso, romper de vez com qualquer resquício de verdade histórica daqueles anos sombrios, que Roberto Campos definiu com precisão: “É sumamente melancólico – porém não irrealista – admitir-se que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’…”

É do mesmo Roberto Campos a frase que Ives Gandra usa na epígrafe do artigo, extraída do recém-lançado livro O homem mais lúcido do Brasil, que tive a honra de participar, colaborando com um ensaio sobre as ideias de Campos: “Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de subúrbio”.

Pois é. Mas esses grandes “democratas” e defensores da “liberdade” até hoje enaltecem Fidel Castro, e logo depois, com uma tremenda cara de pau, posam de vítimas dos “cruéis ditadores” do nosso regime militar. Quem é que os leva a sério? Só alguém muito alienado mesmo…

Rodrigo Constantino