sexta-feira, 23 de maio de 2014


Efeitos da tsuNaMo

NaMo tem 63 anos, a língua bem afiada e um temperamento indomável

Florência Costaflorencia.costa@brasileconomico.com.br

Ganhou fama de autoritário, mas também de eficiente administrador, com apurado faro para negócios, além de hindu devoto. A partir das 18h dessa segunda-feira, 26, Narendra Modi vai passar a comandar o segundo país mais populoso do mundo e uma das estrelas entre os emergentes: a Índia, com seus 1,2 bilhão de habitantes. Será o décimo quarto primeiro-ministro da terceira economia da Ásia. Mas na terra da meditação contemplativa, sua vitória – comparada a uma tsunami - provocou reações contraditórias e intensas entre os indianos: paixão e fúria, esperança e medo.

Desde Indira Gandhi (assassinada em 1984 por seus guarda-costas da religião sikh, em represália a um ataque a sikhs fundamentalistas que desafiavam o Estado), a Índia não tinha um primeiro-ministro que fomentasse tanto amor e ódio ao mesmo tempo. Assim como Indira (que era do Partido do Congresso, hoje derrotado), NaMo é dono de um estilo durão, provocador, que divide opiniões. Nos últimos dias, analistas o comparam a figuras do passado, como Richard Nixon, Margareth Thatcher, Ronald Reagan, e do presente, como o presidente russo Vladimir Putin e primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe.

Até pouco tempo atrás, o nome Narendra Modi era associado exclusivamente à violência religiosa, uma das pragas que ataca a Índia de tempos em tempos. Ele foi acusado de ter feito vista grossa ao massacre de mais de mil muçulmanos por hordas de hindus enfurecidos em 2002 no estado do Gujarat, que governou por 12 anos. A Suprema Corte considerou as evidências muito frágeis para apoiar as acusações contra ele. No entanto, a imagem de NaMo ficou tão associada à tragédia no Gujarat que o governo americano passou a negar visto a ele, baseando-se em uma lei que barra a entrada de estrangeiros que tenham cometido “severas violações à liberdade religiosa”. A proibição, é claro, já não vale mais. Barack Obama já telefonou para NaMo convidando-o para uma visita aos EUA.

O futuro da Índia depende, entre outras coisas, da habilidade de NaMo em transcender suas raízes sectárias e governar para todos os indianos. Os muçulmanos são uma minoria religiosa (15% da população), mas somam mais de 170 milhões de pessoas: é o terceiro país com população islâmica do mundo, depois da Indonésia e do Paquistão. O BJP (Bharatiya Janata Party, ou Partido do Povo Indiano) de NaMo tem ligações com grupos radicais, como a RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh, ou “ Organização Patriótica Nacional”), paramilitar de direita. Durante a Segunda Guerra Mundial os líderes da RSS eram admiradores abertos de Adolph Hitler. Historicamente, a RSS segue a chamada Hindutva, a filosofia nacionalista Hinduísta que prega a supremacia da religião seguida pela maioria da população e persegue outras minorias religiosas: além dos muçulmanos, os cristãos.

Nathuram Godse, o assassino de Mahatma Gandhi, tinha ligações com essa organização antes de cometer o crime, há 66 anos. Gandhi foi morto porque defendia o direito dos muçulmanos na Índia independente. O secularimso que hoje consta da Constituição do país, foi uma bandeira de luta de Jawaharlal Nehru, o primeiro primeiro-ministro da Índia. Nehru fundou a dinastia política dos Nehru-Gandhi, que liderou o Partido do Congresso.

Mas durante a eficiente campanha eleitoral de NaMo, sua imagem negativa foi atropelada por outra bem diferente: a de “Vikas Purush”, ou “Homem do Desenvolvimento”. A crença é de que o CEO do Gujarat – como é conhecido - vai fazer a Índia brilhar novamente. A reinvenção da imagem de NaMo (cuidadosamente trabalhada por uma empresa americana de relações públicas, a APCO Worldwide) aconteceu em 2008. Ratan Tata, um dos maiores empresários indianos, enfrentava problemas em uma de sua fábricas. Era uma unidade no estado de Bengala Ocidental, que construiria os famosos carros populares Nano. Os donos das terras compradas para a construção da fábrica reclamavam que haviam sido mal compensados financeiramente.

Foi aí que NaMo estendeu o tapete vermelho para Tata, com um acordo generoso: a empresa reteria o dinheiro de impostos que deveria pagar ao governo como um empréstimo. Esse somente seria pago depois de 20 anos, a uma taxa de juros baixíssima. A notícia chamou a atenção mundial. Depois disso, outras motadoras estrangeiras procuraram NaMo em busca de acordos semelhantes. Por isso, muitos apostam que NaMo irá apressar os processos de aquisição de terra para construir parques industriais e outros empreendimentos – um dos maiores focos de tensão social da Índia.

Do ponto de vista econômico, o BJP era originalmente protecionista e apoiava a filosofia do “Swadeshi” - defendida por Mahatma Gandhi durante a luta pela independência: a promoção de produtos indianos em detrimento dos estrangeiros. Mas nos últimos 15 anos, o BJP mudou e passou a defender o liberalismo econômico, como fez o governo de Atal Bihari Vajpayee (1998-2004).

Dentro da Índia a aposta é de que NaMo não vai arriscar o sucesso de seu governo com atitudes que desemboquem em violência religiosa. Ele deverá focar na economia e impulsionar o esmaecido crescimento econômico (abaixo de 5%, pouco para o padrão indiano), com reformas liberalizantes, como a trabalhista. Já há quem diga que ele deverá abrir o setor do carvão para o capital estrangeiro. O carvão gera mais da metade da energia da Índia. Um de seus maiores desafios será criar empregos para os cerca de 13 milhões de jovens aptos a entrar para o mercado de trabalho a cada ano. NaMo, no entanto, foi bastante vago na sua campanha. Prometeu acabar com entraves burocráticos que prejudicam os negócios e lutar pelos pobres. Nos palanques, ele jurou fazer deste o século da Índia.

Para compará-lo a mais uma personalidade mundial, o estilo de governo de NaMo no Gujarat lembra, segundo vários analistas, o de Deng Xiaoping. O líder chinês carregou nos ombros o peso do massacre da Paz Celestial (que completa 25 anos em junho), perseguiu escritores, jornalistas, artistas e ativistas, mas adotou uma política econômica que promoveu o crescimento sustentado. A vitória de NaMo inundou Índia e o mundo de expectativas, boas e ruins. Mas apenas um homem conhece a sua mente. E esse homem é Narendra Modi.