sexta-feira, 30 de maio de 2014


Justiça se faça a Joaquim


Goste-se ou não dele, concorde-se ou não com o desfecho do caso, o presidente do STF marcou época com o julgamento do mensalão


Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

O mineiro Joaquim Benedito Barbosa Gomes entrou para a história do país em 25 de junho de 2003 ao se tornar o primeiro ministro negro do STF, por escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois têm na origem humilde um traço comum. Nascido em Paracatu em 1954, filho de um pedreiro e uma dona de casa, Joaquim é o primogênito de oito irmãos. Arrimo de família após a separação dos pais, foi para Brasília aos 16 anos. Completou o segundo grau e formou-se em Direito pela UnB, onde obteve o mestrado. Depois de trabalhar como oficial de chancelaria, prestou concurso para procurador da República, mas pediu licença para se aperfeiçoar na Universidade de Paris II. Também foi “visiting scholar” da Universidade de Colúmbia, em Nova York, e da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. É fluente em francês, inglês, alemão e espanhol.

Esse breve perfil é importante para que não paire dúvida sobre os méritos do atual presidente do STF. A trajetória de Joaquim no mundo do Direito é irretocável. Não foi por acaso que a tradicional revista Time, em 2013, incluiu seu nome na lista de cem pessoas mais influentes do mundo. Mas também não espanta que muita gente tenha comemorado a notícia de que Joaquim decidiu deixar o STF onze anos antes do prazo de aposentadoria previsto em lei.

Aos 59 anos, ele poderia continuar até 2024 no seletíssimo grupo de 11 ministros que interpretam e aplicam o que está escrito na Constituição brasileira. Mas, por motivo pessoal (provavelmente pelo problema insanável na coluna, que o incomoda há anos), ele resolveu antecipar o pedido de aposentadoria para o fim de junho. E comunicou, na manhã de ontem, sua decisão à presidente Dilma Rousseff e aos presidentes da Câmara e do Senado.

Na passagem pelo STF, Joaquim se fez respeitar pelos pares, mas, com seu gênio forte, também criou desafetos. Alvo do pavio curto e das palavras duras do colega, o ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, só continuou a cumprimentá-lo por dever de ofício. Outros ministros, ao se sentirem ofendidos em plenário, retrucaram à altura, sem se intimidar com a transmissão direta das sessões pela TV Justiça. Entre os jornalistas que cobrem o Judiciário, o presidente do STF também firmou a imagem de intransigente.Vai aqui um exemplo.

Ao receber um editor da revista ISTOÉ, Joaquim explicou que falaria sobre o processo do mensalão “off the record” e advertiu: “Se eu for citado como fonte na reportagem, nunca mais falo com os senhores. Que isso fique bem claro!”. O ministro é assim mesmo e ponto final.

Seria, porém, enorme injustiça destacar em Joaquim Barbosa apenas o pavio curto. Goste-se ou não dele, concorde-se ou não com o desfecho do caso, o presidente do STF marcou época com o julgamento do mensalão. Foi o que disse Marco Aurélio Mello, ao comentar a aposentadoria precoce do colega. “Veio a ser relator de uma ação importantíssima em que o Supremo acabou por reafirmar que a lei é lei para todos indistintamente. Acabou por revelar que processo em si não tem capa. Tem conteúdo”. Após o elogio, concluiu: “Que seja muito feliz”.

Esse certamente é o desejo das pessoas que apoiaram as decisões independentes do filho de Paracatu, que superou todos os obstáculos da vida até ocupar o cargo máximo do Poder Judiciário.