quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A ficha ainda não caiu em Brasília
A quatro meses de deixar o cargo, o ministro Guido Mantega continua um inveterado otimista
Octávio Costa ocosta@brasileconomico.com.br
Há duas semanas, em entrevista ao Brasil Econômico, a economista Mônica de Bolle afirmou que o país, apesar dos problemas, ainda não vivia situação de crise econômica clássica. Mas advertiu que o quadro está piorando e pode se agravar se as agências de rating decidirem tirar o grau de investimento da economia brasileira. Ela falou de passagem sobre esse risco, mas deve dispor de informações seguras a respeito, pois está em Washington em contato com gente graduada do FMI e do Banco Mundial. A professora da PUC-Rio, que tem doutorado em crises monetárias, certamente não ficou surpresa com o anúncio de mudança na avaliação da Moody's. A agência americana alterou a perspectiva do rating soberano do Brasil de “estável” para “negativa”. E apontou a possibilidade de rebaixar a nota se a tendência de baixo crescimento se intensificar.
No mercado financeiro, comenta-se que a Standard & Poor's, que pertence ao poderoso grupo editorial Mac-Graw Hill, também está decepcionada com os rumos de nossa economia. O motivo é o mesmo: a falta de sinais de recuperação e a deterioração das contas públicas, o que, em última análise, pode prejudicar o perfil de crédito do Brasil. Não há porque confiar integralmente nas agências de rating. Afinal, elas erram mais do que acertam. Mas, no caso atual, é crescente o pessimismo entre economistas de todos os matizes. A ficha só não caiu em Brasília. O Ministério da Fazenda divulgou nota afirmando que a Moody's levou em conta “fatores conjunturais que afetaram o crescimento do país no primeiro semestre deste ano”. E garantiu que a reavaliação “não condiz com a evolução do segundo semestre quando esses problemas estão sendo superados”.
Na visão da Fazenda, o pior já passou e economia deu início a uma trajetória gradual de recuperação. “Indicadores econômicos recentes apontando queda na inflação, aumento da produção industrial, além de um maior número de dias úteis e a perspectiva de recuperação da economia mundial reforçam esta avaliação”, diz a nota oficial. Mas não se sabe exatamente qual é a base do prognóstico positivo. Na segunda-feira, a pesquisa Focus jogou mais para baixo a previsão de crescimento do PIB. O departamento técnico da Confederação Nacional da Indústria também projeta uma queda de 1,7% no PIB do setor. Eis a previsão do gerente-executivo da CNI, Flávio Castelo Branco: “O balanço dos meses até agora, do primeiro semestre, e do mês de julho, apesar de alguns dados positivos, é negativo. Mantido o nível atual, o setor industrial mostrará retração em 2014. A não ser que haja uma recuperação mais expressiva, a tendência é de o setor industrial mostrar queda de produção e de atividade”.
Ontem, levantamento do IBGE mostrou redução de 0,7% no emprego industrial, entre junho e julho. Foi a quarta queda consecutiva. O número de pessoal ocupado na indústria em julho foi 3,6% menor do que no mesmo mês do ano passado. Trata-se da queda mais intensa desde novembro de 2009. Houve retração de postos de trabalho em 15 das 18 atividades pesquisadas. Mas o ministro Guido Mantega não dá o braço a torcer. Para ele, a rotatividade no emprego industrial é normal. “No saldo geral, o emprego continua aumentando e o nosso desemprego continua sendo um dos menores do mundo”. A quatro meses de deixar o cargo, Mantega continua um inveterado otimista. Ele vê o que ninguém vê.