quinta-feira, 4 de setembro de 2014

America latina tem que se preparar contra avanço da China, diz Cepal
Principais riscos são desindustrialização da economia, crescimento da imigração e compra de terras por chineses
Sonia Filgueiras sonia.filgueiras@brasileconomico.com.br
Todos sabem as oportunidades que a China representa para o Brasil e diversos países da América Latina. O crescimento chinês é hoje uma variável para avaliar as perspectivas do crescimento mundial. Mas, alerta a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a cada vez mais estreita relação da China com os principais países da América Latina gera também “inquietações”. Entre as oportunidades estão a atração de novas fontes de investimento estrangeiro direto, a melhoria das relações de comércio, taxas de crescimento mais elevadas e, portanto, recursos adicionais para investir em educação, infraestrutura e inovação.
Por outro lado, advertem executivos da Cepal, há uma lista de preocupações a ser considerada pelos países latino-americanos, que inclui o risco de tornar as exportações da região cada vez mais concentradas em produtos primários, levando a um processo de desindustrialização, o acesso de chineses a extensões elevadas de terras e a expansão da imigração chinesa para a região, o que poderia levar, por exemplo, à redução de postos de trabalho. Para a Cepal, enfrentar tanto as oportunidades como as preocupações requerem políticas públicas adequadas, com visão de futuro. Ou seja, os países, e em especial, os governos da região devem se preparar.
O diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Renato Baumann, que dirige desde dezembro de 2012 os estudos sobre relações econômicas e políticas internacionais do órgão concorda e acrescenta: o Brasil corre estes riscos tanto quanto outros países da região, como o Chile, o México e o Peru, que também estreitaram relações comerciais com a China. “Da lista de preocupações, não se aplicam ao Brasil apenas as questões de terra e imigração. Nestes dois pontos, o país vem sendo firme”, avalia. O Brasil resistiu às investidas chinesas de trazer mão de obra local junto com investimentos. A legislação brasileira sobre compra de terras por estrangeiros, reforçada em 2008 por um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) restringe este tipo de operação.
Mas, lembra Baumann, a ampliação das exportações de bens primários como commodities agrícolas e minerais na balança comercial brasileira foi alimentada em grande parte pela demanda chinesa nos últimos anos. E o grande volume de compras ajudou a apreciar o câmbio, reduzindo a competitividade da indústria brasileira. Para ele, hoje, é menor o risco de aceleração do processo de desindustrialização brasileiro por conta das relações comerciais com a China, mas por um motivo que nada tem a ver com esforços brasileiros. Crescendo menos, a China demanda menos produtos básicos, obrigando o país a buscar a diversificação de sua pauta de exportações. Segundo ele, ainda não há uma estratégia de médio e longo prazo para lidar com a China. “É preciso definir objetivos e planejar”, diz o economista.
“É fundamental que no Brasil tenha uma estratégia de agregar valor às commodities que exporta, sobretudo em relação à China”, concorda o advogado e especialistas em relações comerciais internacionais, Welber Barral. “Não podemos ficar presos a uma relação primário-exportadora”, reforça o economista Carlos Mussi, atual diretor do escritório da Cepal no Brasil, para quem é preciso desenvolver relações mais complexas, com inserção dos setores produtivos latino-americanos e pontos mais nobres das cadeias de valor. “As relações com a China alavancam não apenas o crescimento, mas também a posição da região nas negociações mundiais de variados temas, desde as mudanças climáticas até as regras financeiras”, diz ele.
Nos últimos anos, verificou-se uma clara expansão da influência econômica chinesa na América Latina. Um estudo da Nomura Securities aponta, por exemplo, que uma desaceleração de um ponto percentual do PIB chinês pode reduzir o crescimento do PIB latino-americano em 0,5 ponto percentual. Brasil e Chile seriam os países mais afetados. No caso do Chile, as commodities representam mais da metade de suas exportações totais — e as exportações chilenas para a China, por sua vez, são dominadas especificamente pelo cobre, que constitui 76% das vendas. Neste ano, conforme dados do Ministério das Minas e Energia, as exportações brasileiras de minério de ferro para a China subiram 14% de janeiro a julho. Hoje, os chineses compram 52% das exportações brasileiras do produto. Por outro lado, mostram estudos da Cepal, os investimentos diretos chineses em produtos manufaturados, mais sofisticados e que geram mais riqueza para as economias, são modestos na América Latina e estão concentrados no Brasil (nos setores de veículos e eletroeletrônicos). Segundo a instituição, 90% do investimento direto chinês na América Latina está concentrado em mineração e petróleo.
Um experiente técnico que por muitos anos acompanhou dentro do governo as relações Brasil-China explica a estratégia chinesa. O país planeja seu futuro e é pragmático em suas relações comerciais. Tem, por exemplo, grande dependência do fornecimento internacional de bens primários. E por isso, busca controlar os fluxos desses bens, investindo em portos, ferrovias e rodovias nos países fornecedores. Segundo este técnico, não é por acaso o interesse chinês no programa Brasileiro de investimento privado em ferrovias.